sábado, junho 13, 2020

POR um POUCO de FILOSOFIA

PLATÃO: Uno e Múltiplo. Multiplicidade

Entre outras, as obras metafísicas "Parmênides" e "O Sofista" são muito elaboradas, bem difíceis diante de um leitor desatento.

Em "Parmênides", Platão pensa o UM e o MÚLTIPLO e, em "O Sofista", o filósofo pensa a MULTIPLICIDADE.

Múltiplo e multiplicidade não se igualam.

NIETZSCHE: "Übermensche"

Em "Assim falou Zaratustra", alguns tradutores registram "super-homem" e outros, "além-homem".

A preposição "ÜBER" ("ü" tremado em alemão tem som de "i" fechado em português) apresenta 9 significados, e dois deles são "movimento para o outro lado" e "passagem por algum lugar", podendo ser comprovado em uma das melhores gramáticas da língua alemão, publicada pela UnB e escrita por Herbert Andreas Welker.

Ora, pela própria preposição "über" e pelo próprio sentido filosófico em "Assim falou Zaratustra", a melhor tradução de "Übermensch" é "além-homem", porque tem sentido de MOVIMENTO para ALÉM do BEM e do MAL.

"SUPER-homem" é péssima tradução, porque não tem nada a ver com o sentido filosófico de "Assim falou Zaratustra" ou mesmo com "Além do Bem e do Mal".

segunda-feira, maio 18, 2020

ODE À VIDA

ODE À VIDA
AINDA QUE muitos tenham partido por causa de uma parada eterna e AINDA QUE o distanciamento eterno permaneça sempre perto como memória,
A ODE clama sempre pela VIDA
EMBORA haja silêncio de ruas, quarentena apertada de apartamentos, casebre de favelas; embora haja demência no planalto central à margem da compaixão.
QUE ESTE distanciamento nos melhore quando não mais distanciamento houver, só para te compreender melhor, só para te beijar melhor, só para brincar melhor na cama e no parque, só para saber e sentir melhor que você me faz falta como amigo e como adversário.
SAIR DO DISTANCIAMENTO só para o necessário é pouco para a condição humana, porque vivemos também de delírios, de excessos, de gozos, sempre tão inúteis para o trabalho.
ASSIM como brincar não é necessário, contemplar o gozo em teu rosto é o mais belo desperdício humano, pois, só por causa do desperdício, as sobras são o melhor de nós.
SAIR DO DISTANCIAMENTO só para o necessário é pouco. COMO TODO DESEJO, o meu só deseja SOBRAR.
QUANDO O DISTANCIAMENTO deixar seu último aceno depois do pôr-do-sol, aproveitarei melhor meu TEMPO DE SOBRA para te respeitar como oponente, para ouvir tuas queixas políticas, para melhor ouvir tuas ideias de revolução que não virão.
SAIR DO DISTANCIAMENTO só para o necessário é pouco.
MUITO POUCO.
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ENQUANTO ISSO, cuido da rotina do meu cão Thor com os hábitos de 15 anos de um casamento que não me cansa.Entre nós, pulsa a calma necessária do hábito, e o excesso ou a sobra que nos eleva é saber-sabor cuidar do Outro entre as mesmas paredes que nos acolhem.

domingo, maio 17, 2020

PALAVRAS À MODA WHATSAPP

Para as palavras, WhatsApp é o pior dos mundos. Abaixo, em um grupo de pessoas formadas em Filosofia, o texto abaixo se opõe o que postei. Dividi em partes para em outro momento comentar.

1) Vi muitas igrejinhas na faculdade: cartesianos, kantianos, aristotélicos, heideggerianos e por aí vai.

2)  A cultura hegemônica européia sequer agradece pq nem a vê ou se interessa por esse esforço que aqui se faz  de mostrar entendimento na eterna proliferação de dissertações com mais do mesmo. Lá, estão produzindo textos continuando sua tradição.

3) Aqui no Brasil, ficam as pessoas com vergonha do sotaque quando falam inglês, francês e alemão. A filosofia clássica é importante? Óbvio que é. É referência no e para o Ocidente? Sim, claro. O construiu numa determinada perspectiva? Óbvio que sim. 


4) Mas o pensamento se desenvolve para além dessa eterna repetição ajoelhada nos altares. Interessam interlocuções e atenção ao que vivemos. E estamos no Brasil. Aqui já existia pensamento, já existia arte e vida abundantes antes da violência que disse que teria que ser assim ou assado, para satisfazer toda ordem de necessidades transportadas pra cá.

5) Discurso que importa não precisa buscar legitimidade nas “cadeias academicistas” de títulos, teses e credenciais. Teses são fundamentais somente  para que a vida coletiva se expanda. A vida da referência de sua cultura se expanda. 


6) Uma das comunicações mais significativas que assisti foi de uma parente falando numa escola pública de ensino médio, mestranda no Museu Nacional e ali ao lado de doutores, que só saiu da aldeia para aprender outras referências e saberes com o objetivo de levar pra lá algo que revele alguma possibilidade de expansão, e trazer pra cá a voz dos povos originários e toda a sua cultura e saberes  que entendem verdadeiramente que tudo é um. (e não pq  leram num fragmento de Heráclito).

sexta-feira, outubro 11, 2019

ENTRE PLATÃO E PROUDHON, O ENTRE



                                                                                                                       Aldo Tavares
                                                                                                                        

                                
Introdução. 1. Guerras da representação, 2. Guerra, tua principal arma se chama engano, 3. Platão e a não representação ou mentira falsa, 4. Mentira falsa, 5. Proudhon e a dialética, 6. O entre enquanto luta política, 7. Considerações finais                                                                          


INTRODUÇÃO

               
O este artigo se propõe a expor a ideia de guerra segundo a filosofia de Platão e  a ideia de máquina de guerra conforme o pensamento de Gilles Deleuze. Uma vez compreendidas tais ideias referentes à guerra, o conceito de Entre será apresentado a partir da clássica obra A República em suas duas formas: mentiras nobre (ou representação) e falsa (sem representação). Após, só então escreveremos a interseção conceitual que se encontra entre Pierre-Joseph Proudhon e Platão, o Entre.
            Caso este artigo tenha alguma importância no campo bélico da política, talvez seja para problematizar o conceito de guerra ou de luta de classe no século atual, que, para nós, não mais se equipara ao modelo narrado em Germinal, de Émile Zola, publicado em 1885. Se o senso comum entende como guerra só o confronto corpo a corpo, este artigo pretende evidenciar que a guerra não se abrevia ao enfrentamento de forças brutas, definição estereotipada, mas o sentido de guerra amplia-se como engano, o que assegura à guerra movimentos imprevisíveis. 
            Predomina na doxa a ideia de que a guerra se reduz a um confronto direto e aberto entre corpos opostos, é como se a representação bélica não projetasse outra imagem que não fosse a da destruição, sabemos: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço; mas, no caso de um só corpo inimigo ocupar o lugar, ele somente o ocupa o outro corpo inimigo morrer. A guerra, entretanto, não só se contrai à eliminação do oposto, porém se estende, primeiro, à manifestação do engano. Nesse sentido, sua tática não é, portanto, a da violência direta e aberta em seu estado bruto; como aspecto prático da estratégia, porém, o plano de ação da força bruta busca (a)trair o inimigo pelo engano. A guerra movimenta-se, pois, Entre os extremos.

 1. GUERRAS DA REPRESENTAÇÃO

            Reais ou irreais, as guerras da representação atravessaram séculos, a mais clássica chama-se Ilíada, epopeia do poeta Homero que narra a guerra dos vitoriosos aqueus, guerreiros que derrotaram os troianos por meio de uma astuciosa habilidade: o engano. Após nove anos de confronto corpo a corpo, chega-se ao impasse: não há derrotado. Sem a morte de um extremo, o outro extremo não pode ocupar o lugar do poder.
            Rei de Ítaca, Odisseu, o mais astuto dos chefes aqueus, é inteligentíssimo pela única razão de que se cobre de mendigo, de louco, quer dizer, cobre-se de engano. Odisseu mente. A fim de solucionar o impasse entre aqueus e troianos, Atena, que conjuga guerra, estratégia, arte e sabedoria, além de justiça, inspira a esse mentiroso nobre a ideia do cavalo de madeira. Com isso, a deusa nos mostra por meio do cavalo de Troia que a estratégia da guerra é a sabedoria da arte da representação.
            Se o exemplo acima vem de uma epopeia clássica, a Batalha de Salamina, entre gregos e persas, ocorrida no estreito que separa Salamina da Ática, marcou na história ocidental o engano que o militar Temístocles realizou contra Xerxes I, em 480 a.C, quando comandou uma mentirosa fuga de embarcações gregas com a finalidade de que a frota persa fosse conduzida à baía de Salamina, onde, por causa do grande número de navios de Xerxes I, teria dificuldades de manobrar as embarcações no espaço exíguo do estreito da baía. Porque representou uma fuga, o grego Temístocles enganou o inimigo.
            Dando um salto de pouco mais de dois mil anos, a obra O Príncipe é impressa pela primeira nas oficinas de Antonio Blado, em 1532, quando Maquiavel expõe o
poder como representação[1] [2] , e o rosto de César Bórgia, príncipe que melhor domina os súditos na guerra interna da cidade, caracteriza-se Neutro pela natureza da própria representação. O que Platão tinha pensado sobre seu conceito de mentira nobre - o mesmo que representação -, Maquiavel o situa como fato histórico na imagem de Bórgia.
            Antes de Nicolau Maquiavel, o mercenário inglês John Hawkwood vive entre 1320 e 1394 e, durante 30 anos, levanta sua espada na Itália, onde luta em 1364 por Pisa contra Florença; porém, em 1390, Hawkwood comanda o exército florentino. Chamado pelos italianos de Giovanni Acuto, ele engana o inimigo em batalhas e o amigo em acordos. Considerado hoje o Maquiavel dos confrontos armados, a arma principal com que Hawkwood guerreia é o engano, a mesma de Odisseu.
            Desconhecida até 1928, quando Benedetto Croce a publica pela primeira vez, a obra Da Dissimulação Honesta, de 1641, trata da guerra da representação no espaço da corte, onde o rosto, em ambiente particular, serve-se do engano a fim de se proteger do real. Se Maquiavel pensou a representação no espaço aberto, Torquato Accetto a pensou no espaço privado. “A dissimulação é a habilidade de não fazer ver as coisas como são. Simula-se aquilo que não é, dissimula-se aquilo que é” (ACCETTO, 2001, p. 27). A natureza da representação é, portanto, jogo ou movimento que permite ao ser escapar.
            Se o desembarque na Normandia ou a Operação Overlord, ocorrido em 6 de junho de 1944, é comemorado até hoje na Europa, a Operação Bodyguard, ocorrida meses antes, caiu no esquecimento. A fim de desviar a atenção de Adolf Hitler, os aliados posicionaram o Primeiro Grupo de Exércitos dos Estados Unidos tanques, caminhões e embarcações em Kent e em Sussex, Inglaterra, para que os alemães cressem que o segundo desembarque ocorreria em Calais, e eles creram. O que Hitler não sabia era que o Primeiro Grupo de Exércitos dos Estados Unidos não passava de objetos bélicos inflados de ar. Se esse fato tivesse acontecido antes de 1924, o Führer teria escrito em Mein Kampf que caiu no engano do tenente-general George Patton.
            No Brasil, poucas não foram as guerras da representação. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas dá o golpe do Estado Novo, deixando no país marcas profundas de autoritarismo. Um fato que determina a ruptura com a Constituição de 1934 passa por Olímpio Mourão Filho, capitão do Exército e diretor do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira, cuja mão escreve o Plano Cohen, vindo a público em 30 de setembro, 41 dias antes do golpe de 1937.
            Ao ser emitido pelo general Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, no programa oficial da rádio Hora do Brasil (atualmente Voz do Brasil), a população acredita que comunistas internacionais e brasileiros se preparam para derrubar Getúlio e tomar o poder. Dessa forma, dissemina-se a “notícia verdadeira” de que existe uma ameaça vermelha, “verdade” para criar um ambiente passional que legitimasse o golpe.
            No dia seguinte, a imprensa escrita publica o documento, “assinado” pelo líder comunista Bela Kuhn - governante da Hungria entre março e julho de 1919 - e com uma lista negra de políticos brasileiros. Em 1º de outubro, Getúlio Vargas solicita ao Congresso Nacional a decretação do Estado de Guerra. Semanas depois, no Rio de Janeiro, o Exército cerca o Congresso Nacional. Outorga-se a nova Constituição.
            Nas páginas de Xambioá, Pedro Corrêa Cabral - na época, capitão-aviador e piloto de helicóptero - registra o que ocorreu na guerrilha do Araguaia a partir de abril de 1973, quando começa a segunda investida. Bem diferente da primeira, a segunda, chamada Operação Sucuri, veste os militares como civis: a guerra agora é a da representação. Um “civil” chegou a vender munição aos guerrilheiros. De abril a outubro de 1973, os civis mapearam a guerrilha, nomes foram catalogados. Embora Xambioá não seja o principado não hereditário de César Bórgia, Maquiavel “esteve” no Araguaia, onde mostrou, após 441 anos, que guerra da representação é guerra de enganos.
            Quem foi motorista de Luís Carlos Prestes e de Olga Benário? Se Marighella fosse vivo na época do Estado Novo, teria dito ao casal comunista: “camaradas, leiam o que escrevi no Minimanual do Guerrilheiro Urbano, onde chamo a atenção para a Segurança da Guerrilha”. Segundo Marighella, o pior inimigo da guerrilha e o maior perigo que ele corria era a infiltração na organização de um espião, de um informante. Pois bem, quem guiava o carro de Prestes e de Olga, ela: agente dupla. A resposta a esse pior inimigo da guerrilha, Marighella escreve que “a maneira fundamental para assegurarmos a segurança da guerrilha é de ser rigoroso e cauteloso no recrutamento”. Ainda que os dois comunistas lessem a certeza do guerrilheiro, o rosto da espiã ou a sua representação teria sido, ainda sim, engano. Marighella foi traído por “amigos” dominicanos.

2. GUERRA, TUA PRINCIPAL ARMA SE CHAMA ENGANO

            Embora Heráclito de Éfeso tenha pensado como guerra a relação entre physis e logos, foi Platão o primeiro filósofo a pensar a guerra como conflito político ao ter escrito A República ainda que tal imagem da guerra tenha ficado mais nítida em As Leis. Platão divide a guerra em duas, a interna e a externa, sendo que, nesta, ela é representada pelo guerreiro; e, naquela, o guardião a representa. Como nos interessa a guerra da representação, o filósofo a pensou como mentira nobre, cujo “confronto” ocorre no espaço interno da pólis.
            Uma das funções do guardião é educar a criança para que seja apta a ser o futuro guardião da cidade e, com efeito, preservar a ordem natural ou a ordem divina. Para tanto, o guardião educa a tenra idade por meio da arte (tekhné) da representação ou a arte do Ser. 
 Ainda que a primeira cópia olhe para o Modelo, Platão sabe: a representação é mentira nobre. Mentir, sabemos, diz o que não-é e não diz o que é; mentir, portanto, não-é o que é e é o que não-é. O rosto do mentiroso, portanto, está Entre.a intenção, que é dentro, e o fora. Se cabe à mentira esse sentido, por que nobre? Ela é mentira nobre porque nobre relaciona-se ao real, ou seja, a cópia mais próxima do Modelo e, por ser a mais semelhante, por ser a menos falha, é a cópia com menos falta, menos vaga. Só o Modelo é ab-soluto, só ele é íntegro, só ele é ser enquanto ser. A cópia, contudo, é e não-é; mostra-se e se contém. A representação, uma falha; mas, por causa da condição de mentira nobre, a natureza do que é nobre busca contrair a falta, a falha ou o Entre.
Nietzsche lavra a ideia de que nobre, de origem política, transformou-se em conceito psicológico a separar, segundo a natureza de cada um, os aptos dos não aptos. E onde são separados? Os nobres dos não nobres separam-se no campo de batalha, onde a guerra seleciona os melhores guerreiros, e os melhores não falham porque o nobre não pode querer o bom ou o bem sem saber guerrear. Na guerra, para ser o vitorioso, não pode haver falhas.
A representação (ou mentira nobre) é, por ser mentira, uma falha; mas, por ser nobre, a falha não se (ex)põe pela razão de a mentira nobre dizer a “verdade”. Assim, porque nobre, estreita-se o Entre a fim de que a cópia seja vista como a mais próxima do Ser. Nobre, portanto, origina-se do que é guerreiro, ou seja, do que é autodomínio (enkrateia). A luta da nobreza é a luta contra o erro. Não por outra razão que ser nobre é ser aristos, “o melhor, o exímio, o magnífico”, entendendo que seu movimento, para muito além dos comuns, é o excedente que o grau de sua natureza mereceu receber do que é divino.
O Príncipe, de Maquiavel, como obra política, é o poder do rosto, poder da mentira nobre. “O rosto é o ser irreparavelmente exposto do homem e, ao mesmo tempo, o seu permanecer oculto precisamente nessa abertura” (AGAMBEN, 2015, p. 87); a abertura da mentira nobre, entretanto, limita-se a seguir o Modelo, e o rosto de César Bórgia (1475-1507), príncipe, cardeal e filho do papa Alexandre VI, é o exemplo maior, para o autor de O Príncipe, de poder da representação.
A mentira nobre encontra-se na Carta de Pero Vaz de Caminha, onde se escreve que “são muito mais nossos amigos que nós seus” (2004, p. 72, quinta-feira, 30 de abril, f. 11 v./). Mais: as páginas de Xambioá, escritas por Pedro Correa Cabral, ampliam o que o poder da representação elaborou contra a guerrilha do Araguaia, que, guardadas as proporções, a representação realizou os mesmos fundamentos no rosto da camarada Helena Kruger, motorista de Prestes e de Olga; mas, na verdade, espiã que recebia dinheiro do serviço secreto britânico por meio dos Estados Unidos. No Minimanual do guerrilheiro urbana, Marighella destaca que “o pior inimigo da guerrilha e o maior perigo que corremos é a infiltração em nossa organização de um espião ou um informante” (Segurança da Guerrilha). Ora, o significado de infiltração nos remete a um movimento sutil a penetrar nos interstícios, isto é, a ação de infiltrar é de passar por Entre, o que a representação faz muito bem por ela ser mentira nobre.         
           
3. PLATÃO E A NÃO REPRESENTAÇÃO OU MENTIRA FALSA

Embora Nietzsche tenha invertido o platonismo mais de 20 séculos depois, somente com as páginas de Prefácio a Platão, de 1963, que Eric Havelock descobre o que permaneceu até então visível-oculto no Livro V de A República (477a, p. 258), onde Platão pergunta: “mas se houver uma coisa que seja de tal maneira, que existe e não existe, não ficaria em posição intermediária entre o Ser absoluto e o Não-ser absoluto?”. Ainda que seja tímido o olhar de Havelock, Platão, após séculos sobre séculos fixado como filósofo do mundo suprassensível, revela-se também como quem pensa o Entre, o qual, não sendo uma coisa nem outra, é “objeto errante no espaço intermediário” (479e, p. 264). O objeto errante encontra-se como fuga nas linhas de O Sofista, e se chama o falso.
Em Timeu (2012, p. 77), o filósofo grego nos apresenta a imagem clara do vago ou do Entre: chama-se água vindo a ser pedras e a ser terra mediante a condensação; e novamente se percebe essa mesma coisa vir a ser sopro do vento e do ar por dissolução e por dilatação; além disso, percebe-se o ar vindo a ser fogo por meio da combustão; e, inversamente, o fogo voltando à forma de ar ao ser contraído e ao ser arrefecido; e, mais uma vez, o ar convertendo-se em nuvem e em névoa por combinação e por condensação; e, resultando disso, sob o efeito de maior compressão, em água corrente; e, da água, novamente, terra e pedras.
“Essa mesma coisa vir a ser”, a que Platão se refere, flui entre os quatro elementos, que transferem entre si o seu vir a ser num círculo ininterrupto, não podendo sequer, com efeito, permanecer idêntico em sua aparência. O filósofo chama essa coisa de semelhante a; e, por estar próximo a, a coisa (es)capa a qualquer conceito que a estabilize. “Desse modo, não devemos chamar os diversos elementos de ‘issos’, mas com relação a cada um deles e todos no seu conjunto cabe empregar o termo semelhante a fim de representar o que se mantém circulando” (PLATÃO, 2012, p. 78). Logo a seguir, Platão observa: “mas aquilo ‘em que’ cada um deles aparece individualmente para manter o vir a ser e ‘do que’ sucessivamente cessam de ser é a única coisa que para descrever lançamos mãos das expressões isso e aquilo” (2012, p. 78). Pergunta-se: o que é aquilo onde cada um dos elementos aparece individualmente para manter o vir a ser[3] ? e o que é isso de que cada um dos elementos deixa de ser? Aquilo ou isso são os únicos termos de que se pode fazer uso, dado que, sempre mudando enquanto se menciona, não se pode chamar de ser. Em A República, Platão o chama de “objeto errante no espaço intermediário” (479d, p. 264). Em Filebo, diz Sócrates a Protarco “que qualquer mistura, não importa como constituída, a que falte naturalmente medida e proporção, destrói necessariamente seus componentes e, sobretudo, a si mesma” (64d-e). Platão, porque ignora a coisa cuja mudança ocorre continuamente de um estado para outro, afirma que essa coisa não pode ser descrita como isso (água) ou como aquilo (pedras), mas como semelhante a (ou o que chega perto de), o que significa dizer que, uma vez semelhante a por causa da imagem do círculo ininterrupto dos quatro elementos de physis, captura-se o objeto errante à medida que é representação, havendo, portanto, algum grau de segurança por nomear a coisa semelhante a.
Logo após ter escrito semelhante, Platão observa que “é necessário, porém, nos esforçarmos para reexplicar esse tópico ainda mais claramente” (2012, p. 78) ainda que seja, mesmo assim, impreciso representar o que, ao ser mencionado, transforma-se, esquiva-se. Es-capa. Matriz de todo vir a ser, mas de um vir a ser sem representação, o objeto errante do espaçamento tem “a significação do discurso provável” (2012, p. 76), posto que, não havendo determinação ou teleologia, o terceiro gênero, vago de toda representação porque está entre o ser e o não-ser, gera no espaço indeterminado uma imagem como não inerente a essa imagem porquanto ela “sempre se move rapidamente como um fantasma de uma outra coisa” (2012, p. 83).

4. MENTIRA FALSA

            Em A República (Livros II e III), diferente do guerreiro, cuja guerra externa da pólis ergue-se contra o inimigo, o guardião desloca-se na guerra interna da cidade contra o amigo. Mas por que, contra o amigo, a guerra? Porque a representação não é confiável. A dialética platônica, porém, não forma síntese em O Sofista e, não havendo representação, visto que Platão afirma a multiplicidade ou fuga sobre fuga, o filósofo a chama de mentira falsa; esta, por sua vez, aproxima-se da dialética serial de Proudhon pela razão de não haver síntese, mas também se afasta porque a dialética serial não ultrapassa o conceito de representação. 
Sendo a mentira a evidência de um Entre, sua condição de falsa expande o Entre, permitindo que seja brotada uma força plástica, e tal plasticidade cria-se no desprendimento da coisa em si: o que é não-é e o que não-é é, em outros termos, o entrelaçamento entre dessemelhantes proporciona a potência do falso, cuja origem emerge no instante da mistura assimétrica, sua própria etimologia confirma. De origem grega, plástico nos oferta uma extensa malha semântica: platô é plató, criar; platós significa “largura”; platis, “largo, vasto, amplo”; platia é “plateia”, e plateia, “largo”; plani é “erro, engano”; planis, “vagabundo, errante”; plastós é “falso”. Assim, por causa de seu significante tão expansivo, o falso é passagem, no sentido de que nos leva da condição natural de ser sempre o mesmo à liberdade expressiva de criar o Outro do mundo. Não pertence à ordem da natureza o falso, pois, sendo passagem entre o natural e o não natural, o falso é engano, sabendo que engano significa abertura, passagem, permitindo entrar em fuga o que não é o mesmo do mundo. E não só isso: enganar, passagem subterrânea a possibilitar encontros entre contrários, desestabilizando a representação ou a mentira nobre.
Qual o sentido de ser falsa a mentira? Por causa de sua plasticidade, que é a repetição do mesmo da diferença ou da criação sobre criação, a mentira, quando falsa, se vê tão mais como o Entre, espaço intermediário onde o falso é o excedente que a natureza, por estar na ordem do necessário, não pode nos ofertar. Se mentir é o que não-é e não-é o que é, mentir é Entre: quando falsa, a mentira adere à plasticidade da máscara; e, quando nobre, à ambiguidade do rosto. Eis, portanto, o sentido: o falso dilata, ainda mais, a fenda, o Entre ou ainda ele: o erro.
                
5. PROUDHON E A DIALÉTICA
           
           
A dialética platônica é síntese que forma a imagem da mentira nobre (representação), mas também é sem síntese enquanto mentira falsa (sem representação), por isso não forma imagem. Segundo Célestin Bouglé em A Sociologia de Proudhon, o anarquista francês leu a obra Timeu, de Platão; entretanto, ainda que Pierre-Joseph Proudhon a tenha lido, sua dialética serial, que foge à síntese, ainda se prende à representação. Para ser explicada, precisa-se entender a relação entre unidade e série. Nos estudos de teoria do conhecimento (ou de epistemologia, ou de ciência da natureza), pode ser lida tal teoria em De la création de l’ordre dans l’humanité, onde Proudhon (Capítulo I, Definições) apresenta seus axiomas: o primeiro, o conceito de ordem. Segundo o pensador anarquista, a “ordem não é real, mas apenas formal; é a ideia inscrita na substância” (subdivisão 7). Ora, se a ordem é a ideia inscrita na substância, é porque a ideia não pode se inscrever no movimento, ou seja, é porque a ideia não pode ser inscrita Entre a ordem e a desordem, por isso a ideia só pode ser inscrita na substância, quer dizer, só pode se inscrever no fixo, no imóvel, podendo o homem, dessa “forma”, chamar de “ordem qualquer disposição serial ou simétrica” (subdivisão 1).                                                     .
         Outra manifestação da ordem, a relação. Como a ordem não deixa de ser um corte no movimento, a substância é o limite da série. Para Proudhon, porém, os seres permanecem impenetráveis em substância para nós, sendo só possível percebermos relações ou leis. Proudhon altera o sentido clássico de substância, que, para ele, é matéria, do grego hýle (madeira), o que adquire várias formas. Assim, esse sentido marca a ideia de substância indeterminada comum aos corpos. Substância é, portanto, movimento. Vale ressaltar que o anarquista francês se antecipa a Henri Bergson.
            Escrito isso, a série não é unidade, a noção de série são duas: 1) a de uma composição de elementos inter-relacionados a um fenômeno; e 2) a de uma compreensão dessa composição de uma maneira que seja deliberadamente esquematizada, simetrizada. Com isso, porquanto elementos inter-relacionados a um fenômeno, diferentes séries podem ser geradas. A série é, portanto, o máximo que se concebe de multiplicidade, sendo que a menor série possível é uma série de dois elementos ou composição de dois elementos, posto que a série não pode ser uma unidade. A menor série possível é a dialética serial; e, com efeito, as relações entre dois polos (tese e antítese) são na verdade fluxo de transformação que segue seu curso de um polo a outro, é como se o primeiro se transformasse no segundo. Não se captura esse fluxo de transformações, operado na passagem de um polo ao outro, mas se capturam polos (tese e antítese) como se fossem momentos isolados do fluxo, é o que a dialética científica faz. Tal captura, porém, conduz ao ab-soluto, ao real ou à coisa em si mesma, quer dizer, nega-se toda relação.
            No livro De la création de l’ordre dans l’humanité (Capítulo III, A Metafísica, subdivisão 172), seu autor escreve que “a natureza, combinando os elementos e os átomos, começa com a série mais simples e aumenta gradualmente até o mais complexo: porém, tão pequena e tão estreita, que essa graduação ainda é abismo que as separa, não há continuidade”.
    Do grego phýsis, natureza é “movimento”, e esse movimento, fluxo de transformações, não pode ser capturado porque a dialética serial é passagem, concepção profundamente plural, múltipla, sem síntese, bem oposta à dialética hegeliana, herdada por Karl Marx. Ora, havendo nesta sempre a (sín)tese, isto é, havendo sempre a mistura como consequência da relação entre tese e antítese, é porque, em determinado instante, não há “abismo” entre os opostos. No entanto, na dialética serial, como existe sempre o abismo, ou o vago, ou o Entre, ou a fissura, uma falta mantém distante a tese da antítese. Ao invés de síntese, o que existe na dialética serial é sempre movimento sem síntese.
           
Quanto à unidade, o que torna falsa uma teoria é sua fixidez, e esta participa da constituição da ideia de unidade. Falso, portanto, a unidade, cujo princípio de identidade, A = A, nega o movimento. Para Proudhon, o princípio de identidade é falso porque, como não se transforma, não pode transformar. Entretanto, mesmo para a dialética serial, o princípio de identidade é útil, e Proudhon deixa essa evidência em
De la création de l’ordre dans l’humanité (subdivisão 269), onde escreve que “a série dialética se forma, portanto, em virtude de uma relação de identidade (...)”.                                                                      .
            Como a série possível
é uma série de dois elementos ou composição de dois elementos, o pensador francês escreve em De la création (subdivisão 172) que “o estado molecular dos corpos é outra prova de não-continuidade: o ouro, o mais denso metal, tem mais vazio que plenitude, pois suas moléculas não se tocam”.  Aqui, surge o conceito de vazio entre moléculas, havendo o que Proudhon chama de “tensão elástica”. Em Timeu (2012, p. 103), diferente dos quatro elementos, Platão pensa uma base muito sólida, qual seja, o ouro, que, sem vazio, trata-se de uma forma inelástica por ser muito densa e por possuir máxima rigidez. Concentrado sobre si mesmo ou assegurada a identidade de si, o ouro não tem vazio.

6. O ENTRE ENQUANTO LUTA POLÍTICA

            Como sabemos, é o princípio de identidade que forma a ideia de representação, a que Platão se refere como mentira nobre. Por ser um tipo de fuga marcada pela ambiguidade, a mentira nobre se move entre o ser que não-é e o não-ser que é. O filósofo grego não a chama de falsa, porque falso para ele é a consequência de uma dialética que vê seu objeto sempre errante, quer dizer, o objeto sempre em fuga sobre fuga ou deixa entrar em fuga a pluralidade, a multiplicidade, as variações, as diferentes combinações; é o que, não podendo ser fixado, foge à representação. Assim, se por um lado Platão, como podemos ler em O Sofista, chama a disseminação do múltiplo sobre o múltiplo de falso, Proudhon chama de falso a unidade. Quanto ao conceito de falso, portanto, os dois se afastam. No entanto, quanto ao conceito de Entre, ambos se avizinham, conceito que suspende o ab-soluto, só que Platão abre uma zona livre e vazia, onde a vida é abandonada em uma zona de exceção, mas Proudhon não viu no Entre, ou na fissura, ou no espaçamento, ou no vazio, o falso, mantendo-se no campo da representação.
           
Voltemos à dialética serial. Por causa da variação da série, existe também em Proudhon a compreensão da dialética sistêmica ou dialética com síntese; porém, no tocante à dialética sem síntese ou serial, existe a noção de que a oposição dialética, tese e antítese, tende ao neutro ou ao Entre. Vejamos: se de A emerge a oposição B, não é preciso que A desapareça para que de B emerja a oposição C: A permanece oferendo resistência a B e é possível que ocorra um equilíbrio instável ou uma constante flutuação entre A e B, ao mesmo tempo em que C vai emergindo de B, e este passa a resistir a B, ao mesmo tempo em que enfrenta a resistência de A.                                                                             Entretanto, segundo João Ribeiro de Almeida Borba, autor de Relativismo e ceticismo na dialética serial de Proudhon, tese de doutorado pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
“tais equilíbrios (ou oposições) não ocorrem sempre e necessariamente, porque pode não haver suficientes resistências do polo anterior para caracterizá-los, e assim um elo da cadeia pode se romper; nem tampouco há qualquer garantia de que esses elos de oposição e equilíbrio instável perdurem para sempre quando se firmam”. Mas alguns são mais fundamentais e duráveis que outros, por sua vez mais superficiais e circunstanciais, de dissolução mais fácil – e é importante detectar quando se trata de um caso ou de outro” (p. 246, subdivisão 342).

            Se, por meio da metafísica proudhoniana, podemos afirmar, de uma certa forma, que ela é ontologia do vago, esse vago no campo político chama-se educação, conceito importantíssimo para o anarquista francês. Pergunta-se: não seria a escola espaço Entre o capital e o trabalho? Se é Entre, seu poder simbólico pertence ao neutro. Diz Roland Barthes em seu livro O Neutro: “pode-se dizer que o neutro é suspensão da violência, mas enquanto desejo, o neutro é violento” (2003, p. 30). Mais: no belo livro Da Clausura do Fora ao Fora da Clausura, Peter Pál Pelbart completa: “trata-se do desejo de neutralizar tudo aquilo que me solicita sob o modo da coação, seja ela suave, hostil ou tirânica” (2009, p. 82).                                                                                                                                                             Em 1848, Proudhon publica - resposta a quatro insurretos armados que pedem explicações sobre suas ideias - Solução do Problema Social, em que deixa muito óbvio seu pensamento em relação à guerra interna da pólis francesa: não violência armada, e sim a criação do Banco de Troca (no ano seguinte, Banco do Povo), onde elabora a teoria de crédito à taxa zero. “Um gênio sintético e reconciliador. Adora as atitudes intermediárias. Assume de bom grado a posição equidistante das doutrinas extremas”, observa Bouglé em A Sociologia de Proudhon (2015, p. 38). Sem fixar o conceito de Banco na ponta extrema do capital, o anarquista francês o situa Entre o capital e o trabalho, ou seja, Proudhon neutraliza o símbolo do capitalismo por tê-lo posto ou na condição de Neutro, ou na condição de Entre, ou na condição de mentira nobre. Por causa disso, em outras palavras, por causa do Entre - e Célestin Bouglé deixa claro e repete em suas páginas que Pierre-Joseph Proudhon movimenta-se no Entre -, esse anarquista possibilitou um devir. 
            Em 1867, pouco mais de dois anos após a morte de Proudhon, nasce Fernand Pelloutier, herdeiro da dialética serial, visto que, por meio de sua ideia das Bolsas de Trabalho, sua luta política transita entre o capital e o trabalho quando proporciona aos operários franceses acesso a bibliotecas, a teatros, a livros, a artes. As Bolsas de Trabalho se opunham ao que surgiu, em Chicago, Estados Unidos, em 1892, a Propaganda pelo Feito ou atos de violência, marcada na história, por causa de Ravachol, por ações diretas com bombas. Se o anarquista Errico Malatesta aderiu a essa propaganda, ele mesmo chega à conclusão mais tarde de que a violência revolucionária levaria a lugar nenhum. Pelloutier é esse anarquista que aproxima os trabalhadores de uma luta cujas armas são livros, artes; luta em prédios onde existem escolas profissionalizantes, debates, conferências, espetáculos.                                                                                                                                    .
            Vivendo em uma pequena casa num subúrbio de Besançon, Entre a cidade e o campo, ele foi patrão, operário, tipógrafo, jornalista, filósofo, sociólogo, economista, enfim, sua profissão Proudhon é Entre profissões, Entre que Karl Marx não compreendeu. Em 1849, Karl Marx acusou, com violência, Proudhon de ser um campônio pequeno-burguês, irremediavelmente incapaz de compreender a noção dialética da superação (Aufhebung), que é a essência da negação da negação hegeliana, e, como consequência, Proudhon irá, segundo Marx, eternizar-se na oposição intransponível da tese e da antítese, em virtude de ter suas raízes franco-sociais mergulhadas na classe média. O autor de A Ideologia Alemã interpreta a dialética De la création de l’ordre dans l’humanité como consequência de sua incapacidade pequeno-burguesa de escolher entre o economismo da burguesia e o comunismo do proletário. Enquanto Karl Marx diminui o pensamento de Proudhon por este não ocupar um dos extremos, a dialética proudhoniana, sem síntese, é movimento que acontece Entre. Ainda Marx: “a natureza de Proudhon leva-o à dialética; porém, jamais tendo entendido a dialética científica, não alçava senão o sofisma” (MENEZES, 1966, p. 36).  Com essas palavras, o pensador alemão, sem saber, talvez, possibilitou o encontro entre Platão e Proudhon nas páginas de O Sofista. Marx estava certo: o anarquista francês é um sofista pelo motivo de sua dialética conduzi-lo ao que está Entre a tese e a antítese, ainda que com diferentes nuanças da dialética platônica, porque, enquanto Platão chamou de falso a multiplicidade sofista, que se movimenta no vago, Proudhon chamou de falso a unidade pela razão de ela (se) fixar a partir da negação do movimento, reduzindo todas as diferenças à unidade, o que não corresponde à natureza ou à vida, pois tudo é relação.                                                                                                                             .
            Ao ter dito que Proudhon é incapaz de escolher entre o economismo da burguesia e o comunismo do proletário (MENEZES, 1966, p. 36), Marx tende a um dos extremos da luta política; e Proudhon, ao Entre. Em 1848, aos 39 anos, Proudhon, segundo Célestin Bouglé, “assume deliberadamente a defesa dos operários insurretos. Mas, no fundo, o escândalo insurrecional repugna-lhe” (BOUGLÉ, 2015, p. 114), pois seu anarquismo não é o do confronto direto. “Essas mobilizações do povo em armas nas ruas não lhe dizem nada que valha” (2015, p. 114).
           
CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Quem afirma que a guerra é só confronto corpo a corpo ou violência bruta e direta, Platão nos diz, há mais de dois mil anos, que a guerra da representação é a guerra das guerras, pois sua natureza, não se reduzindo ao orgânico como instrumento de violência, amplia-se como jogo estético do engano. A representação, por ser o real, é a duplicidade do rosto, muito bem pensada por Giorgio Agamben em Meios sem fim: “o meu rosto é o meu fora: ponto de indiferença em relação a todas as minhas propriedades, em relação àquilo que é próprio e àquilo que é exterior” (2015, p. 94).
Indiferente, isto é, nem bom nem mau, o rosto é Entre. Representado por César Bórgia - rosto preferido de Maquiavel -, podemos afirmar que o poder é Neutro porquanto a sua natureza é a da representação. Mais: como escreve Pál Pelbart, “o Fora será sempre um Entre” (2009, p. 107), e tanto o Fora quanto o Entre são o Neutro, “um estado intensivo cujo poder de microcorrosão é capaz de desmanchar cristalizações capturantes, liberando o movimento para fora dos circuitos existentes” (2009, 82).
Na guerra da mentira nobre ou do Neutro, Proudhon usa o símbolo maior do capitalismo em 1848, o Banco; e, como toda representação, o Banco de Troca engana, porém engana o crédito capitalista. Ao ter pensado a dialética serial, Proudhon encontra o Entre, que, não havendo síntese, assemelha-se à mentira falsa de Platão, porque esta também não tem síntese, mas a dialética proudhoniana não foge à representação, movimentando-se, portanto, em direção à mentira nobre, posto que esta permanece na representação.

 REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim. Traduzido por Davi Pessoa Carneiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.  

BARTHES, Roland. O neutro. Traduzido por Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BOUGLÉ, Célestin. A sociologia de Proudhon. Traduzido por Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Intermezzo; Edusp, 2015.

CABRAL, Pedro Corrêa. Xambioá, guerrilha no Araguaia. São Paulo: Record, 1993. 
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Kafka, para uma literatura menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003. 

ERIC, Havelock. Prefácio a Platão. Traduzido por Enid Abreu Dobránzsky. Campinas: Papirus, 1996.

MENEZES, Djacir. Proudhon, Hegel e a dialética. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.

MAQUIAVEL. O príncipe. Traduzido por Diogo Pires Aurélio. São Paulo: 34, 2017.

MARIGHELLA, Carlos. Mini-manual do guerrilheiro urbano. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2015/08/carlos-marighella-manual-do-guerrilheiro-urbano.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2019.
NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. São Paulo: Moraes, 1991.
PELBART, Peter Pál. Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão. São Paulo: Iluminuras, 2009.

PLATÃO. As leis. Traduzido por Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2010.

____. A república. 6.ed. Traduzido por Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.

____. O sofista. Traduzido por Henrique Murachco, por Juvino Maia Jr. e por José Trindade Santos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

____. Timeu. Traduzido por Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2012.

PROUDHON, Pierre-Joseph. De la création de l’ordre dans l’humanité ou principles d’organization politique. 2ª. ed. Paris: Garnier, 1849.    

____. A solução do problema social. Traduzido por Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Intermezzo; Edusp, 2015.

Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações – TEDE. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/11789>. Acesso em: 03 jun. 2019.   

sábado, abril 27, 2019

QUANDO UM MINISTRO NÃO SABE O QUE É ESCREVER E PENSAR

            Ungido por padres e pastores, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, soube escolher, pela segunda vez, o melhor nome para ministro da Educação: Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, conhecedor profundo da educação brasileira - em particular, da Filosofia - pela razão de ter dedicado sua vida à economia. Mestre em administração na área de finanças pela Fundação Getúlio Vargas, o ministro da Educação trabalhou no Banco Votorantim por 18 anos, onde foi economista-chefe e diretor. O presidente o escolheu porque Abraham Weintraub foi indicado por outro conhecedor profundo da educação brasileira e da Filosofia, Onyx Dornelles Lorenzoni, formado em medicina veterinária. O que esperar do MEC quando médico veterinário indica executivo do mercado financeiro para ministro da Educação e capitão do Exército bate continência?       
            Abril, 26. Abraham Weintraub declara por redes sociais que recursos públicos serão retirados das faculdades de Filosofia e de Sociologia por serem muito mais úteis aos ensinos fundamental e médio, pois crianças e jovens devem aprender a ler e a escrever. “Acho que a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto. Então, o que a gente tem de ensinar para as crianças, para os jovens? São, primeiro, habilidades de poder ler, de escrever, de fazer contas”, disse. Com tais palavras, Weintraub mostra que conhece a fundo os problemas da leitura e da escrita nas escolas, além de conhecer mais do que franceses e alemães a inutilidade da Filosofia e da Sociologia nas faculdades públicas. 
            Sobre o que o ministro disse acima, destaco “habilidade de escrever” e sua relação com a Filosofia, que Weintraub ignora. Quando escrevo, meu raciocínio busca adequar o pensamento a uma estrutura textual; entretanto, antes de escrever, conheci o que é pensar por meio, por exemplo, de Parmênides, de Heráclito, de Platão, de Aristóteles, de Santo Agostinho, de São Tomás de Aquino, de René Descartes, de Espinosa, menos por meio de Olavo de Carvalho, que não é filósofo. Então, pergunto: quem aprende a escrever nas aulas de Língua Portuguesa não tem de aprender o que é pensar antes? Se crianças e jovens franceses estudam René Descartes, visto que “pensam, logo existem”, crianças e jovens brasileiros não deveriam ser educados a pensar. Ministro, o que vem antes, aprender a escrever na aula de Língua Portuguesa ou aprender a pensar na aula de Filosofia? Com que disciplina, ministro, aprende-se a pensar? O que é pensar?  
            Por meio da gramática, a Língua Portuguesa ensina a estruturar textos; a Filosofia, porém, estruturou a gramática na época helenista porquanto o saber filosófico estruturou, antes da ciência gramatical, o pensamento enquanto pensamento, ou seja, a Filosofia subjaz a gramática. Abraham Weintraub deve ter lido “A vertente grega da gramática tradicional”, de Maria Helena de Moura Neves, onde se lê o surgimento da ciência gramatical em sua nascente, a Filosofia; na Pátria Amada, porém, a gramática se esqueceu de que nasceu da Filosofia. 
            “A habilidade de escrever” não se reduz às aulas de Língua Portuguesa, já que o professor de Filosofia pode ensinar o aluno a produzir texto filosófico, compreendendo texto filosófico como rede conceitual dissertada ou argumentada, por exemplo, no Enem. O ministro da Educação, entretanto, forma um abismo entre a Filosofia, mãe de todas as disciplinas, e um de seus frutos: a gramática, ciência que ensina a ler e a  escrever. 
            “Habilidade de escrever” é habilidade de estruturar, o que significa dizer que “habilidade de escrever” é também organização semântico-sintática. No sentido comum, “estrutura” é sinônimo de “organização”, ou seja, se “habilidade de escrever” é habilidade de estruturar ou de organizar correlações semânticas em muitas sintaxes correlacionadas, estrutura ou organização é meio por que passa o pensamento. Pensar antecede ao pensamento. 
            O Facebook pergunta “no que você está pensando?”, e o ministro Weintraub acredita que escrever em Face é pensar. O mínimo que se escreve são recognições, assim como eu as escrevo neste artigo. Segundo Deleuze, “pensar é criar conceitos”. O aluno deve adquirir “habilidade de escrever” nas aulas de Língua Portuguesa, mas isso não significa “habilidade de pensar”, e sim habilidade de recognição, isto é, ele pode repetir ideias ordinárias e obter nota máxima no Enem, pois seu texto apresenta correção gramatical, estrutura organizada, clareza de ideias comuns. Porque pertence a ela educar a pensar, fora da Filosofia não existe pensar, só recognições.   
            “A função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto”, só que Weintraub não o respeita, pois, com seu currículo lattes de executivo do mercado financeiro e indicado por um médico veterinário, o contribuinte mais exigente não pagaria imposto para manter no MEC Abraham Weintraub, que ignora o diálogo entre  professores de Filosofia e de Gramática, relação interdisciplinar desde a Grécia antiga. Diz Aristóteles: “a grammatiké compreende o ensino da escrita e da leitura”. Mas eis o problema: não se lê Aristóteles no Banco Votorantim, só Olavo de Carvalho é lido.

domingo, março 10, 2019

LULA E A JURISPRUDÊNCIA


Em 10 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a prisão de condenados em segunda instância. Indicados pelo PT ao Supremo, o desentendimento mais recente entre os ministros Enrique Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso alude ao HC-152752, onde, por questão de presunção de inocência, os advogados defendem a liberdade de seu cliente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quer dizer, ainda que o ex-presidente Lula tenha sido condenado em segunda instância, ele deve permanecer em liberdade, até o STF reparar algum erro de segunda instância e, com efeito, julgar de forma suprema.

Com longas e preciosas argumentações que reverenciam o saber para fundamentar a liberdade, Ricardo Lewandowski defende a presunção de inocência por existir, segundo ele, “uma barreira intransponível com relação ao acolhimento da mutação constitucional, e essa barreira intransponível é, exatamente, aquela que é constituída pelas cláusulas pétreas, e a nossa Constituição, a Constituição de 88, definiu essas barreiras de forma muito explícita no artigo 60, parágrafo 4º”, onde são assegurados “os direitos e as garantias individuais”, equivalendo-se à outra cláusula pétrea, à do voto universal. Por causa dessa barreira, a liberdade, na argumentação de Lewandowski, é “núcleo duro”, quer dizer, o sentido da liberdade do homem permanece imóvel na mutável realidade. A liberdade é o que é, ab-soluta, quer dizer, não se movimenta em direção ao externo porque o que é ab-soluto não se movimenta, permanecendo enclausurado nele mesmo, por isso pedra. Porque é relação a si-mesmo, sempre igual a ele mesmo (A=A), o sentido de liberdade não se altera, é imóvel na realidade, que está em constante movimento.     

Irrefutável para o ministro por sua natureza, a cláusula pétrea se opõe a um conceito defendido pelo ministro Luís Roberto Barroso, ao de mutação constitucional. Em seu livro Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo (capítulo V), a mutação constitucional pressupõe a superação, segundo Barroso, da “separação metodológica rígida entre o mundo do Direito (o ser) e a realidade fática (o dever-ser), imposta pelo positivismo jurídico”. Posto isso, podemos afirmar que a cláusula pétrea é o ser, a coisa em si-mesma; e a mutação constitucional, o devir, o movimento; e tais conceitos subjazem as argumentações sobre presunção de inocência, tendo, portanto, fundo filosófico a questão, a partir de duas fontes pré-socráticas: Parmênides (o ser) e Heráclito (o devir).

Lewandowski e Barroso encontram-se no campo da jurisprudência, e a jurisprudência, segundo Gilles Deleuze, “é filosofia do direito”, onde forças serão aplicadas na interpretação, onde a semântica “tenderá a”. Luís Roberto Barroso tende à modificação da Constituição por via informal, que se dá pela denominada mutação constitucional, “mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance de normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação de seu texto. A mutação está associada à plasticidade de que são dotadas inúmeras normas constitucionais”, escreve o ministro.

No sentido plástico, quando se fala na liberdade do homem, não se fala mais do homem universal, atemporal, a-histórico, fora da realidade movente, mas de homens em condições sociais diversas, no caso, do político corrupto, que sempre recorreu ao fórum privilegiado; e do empresário riquíssimo, que sempre entrou com recursos sobre recursos a fim de protelar a sentença no Supremo Tribunal Federal. Ora, se a liberdade desses homens corruptos e ricos não se equivale à liberdade do ladrão comum e pobre, a justiça precisa igualar tais liberdades para que ambas sejam julgadas e condenadas em segunda instância, é o que defende a filosofia do direito do ministro Barroso. Como ele mesmo escreve em seu livro, “o tema da mutação constitucional tem o seu ambiente natural na fronteira em que o Direito interage com a realidade”, ou ainda, em que o ser interage com o devir.


Artigo de jornal não cobre a complexidade deste tema; porém, ainda assim, busquei, no limite de linhas, destacar que “a filosofia do ser” liberta Lula até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e que “a filosofia do devir” o condena em segunda instância. Abril, 10: é o dia.                         

sexta-feira, fevereiro 22, 2019

Quem disse que "Marighella" tem algo a dizer às esquerdas de hoje?

            Se uns dizem revolução e outros, ditadura, a história registra que, de 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985, militares governaram esta Pátria Amada por longos 21 anos, sem os devidos conflitos naturais da democracia. Para o baiano Carlos Marighella, o que houve em 64 foi um golpe militar fascista e, para ele, só havia uma forma de combatê-lo: pegar em armas.
            Em 1934, aos 23 anos, Marighella abandonou o curso de Engenharia Civil para ser militante profissional do Partido Comunista Brasileiro, tendo sido expulso em 1967. Um ano depois, funda o grupo armado Ação Libertadora Nacional (ALN) e, em 4 de novembro de 1969, seu corpo tomba dentro de um Fusca, na alameda Casa Branca, no Jardins, rua próxima ao centro de São Paulo, após ter sido traído pelos frades dominicanos Ivo e Fernando.
            Após 34 anos do último militar governar o Brasil, o diretor Wagner Moura projeta na tela do cinema brasileiro Marighella, filme que surge no momento em que ideologias se extremam e no período histórico em que as esquerdas necessitam rever suas formas de luta política diante da sociedade civil. Não há dúvidas de que um homem que abandona a vida pessoal para se entregar à luta armada em nome da justiça social merece todo respeito. Entretanto, se sua vida deve permanecer na memória desta Pátria Amada, é para que percebamos que lutar contra o poder é muito mais profundo do que pegar apenas em armas. Quero dizer com isso que o filme só se torna importante neste momento do Brasil para nos mostrar que a ideia revolucionária de Marighella é inútil para a complexidade política do século 21, não passando essa ideia, portanto, de peça de “museu de grandes novidades”.
            O filme encantará jovens que defendem a violência como único meio de destruir o capitalismo, pupilos inocentes de um marxismo maniqueísta, cuja inglória utilidade se reduz a azeitar a engrenagem social. Jovens revolucionários, porém, não leem Platão, por isso ignoram que o poder “não-é o que é” e “é o que não-é”, explico: tanto no governo getulista quanto nos governos pós-64, o poder inventou inimigos políticos a fim de que esse mesmo poder propagasse a imagem de que ele combateu adversários. Há nesse jogo ambíguo uma liturgia política a fixar a luta entre o bem e o mal. Em O Príncipe, Maquiavel evidencia isso na relação entre César Bórgia e Ramiro Orco, onde o poder do príncipe Bórgia necessita da violência de Ramiro para aquele ser amado por seus súditos. A ideia de luta política de Marighella é a violência de que os militares necessitavam a fim de que, em sua propaganda ideológica (Brasil, ame-o ou deixo-o!), a aparência do governante fosse querida como aquela que luta contra o mal.
            Se o filme de Wagner Moura seduzirá jovens que defendem “a violência contra o sistema opressor”, saibam que a violência da extrema-direita é bem mais elaborada pela simples razão de ela se apresentar como ato estético nacionalista. Sobre o conceito de estética, vale lembrar, o Minimanual do guerrilheiro urbano, escrito em 1969 por Carlos Marighella, não concebe o guerrilheiro como “artista numa obra”. Já os militares, no entanto, conceberam que seus homens fossem atores em um palco chamado região do Araguaia, teatro escrito no livro Xambioá, de Pedro Corrêa Cabral, na época capitão-aviador e piloto de helicóptero. Se Marighella não podia admitir a arte como luta política, os militares a admitiram, a ponto de se transformarem, na fronteira entre Tocantins e Pará, em “artistas numa obra”. A narrativa Xambiá é exemplar aula de como o poder militar soube fazer uso da arte da representação - arte que Platão chamou de “mentira nobre”.
            Exilado o artista de seu Minimanual, jovens herdaram de Marighella um dos modelos de ação política, qual seja, o de ocupação, tendo influenciado outros manuais, entre eles, o de Ocupação das Escolas. Ao ler o Minimanual, um jovem, sem fundamentos teóricos para entender que a luta política atual não é lida em manuais, pode defender, conforme Marighella, que “ser ‘violento’ ou ‘terrorista’ é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada" contra o vergonhoso capitalismo e suas atrocidades. Após 50 anos de sua morte, muitos revolucionários de manual ignoram que o capital tornou-se estético.

            O filme de Wagner Moura é muito bem-vindo à democracia, e assistirei por duas razões: importância para a história recente da Pátria Amada e profunda importância de não ter nada a dizer de criativo como luta política para a atual realidade das esquerdas brasileiras.