segunda-feira, junho 09, 2008
O Futuro dos Jornais
MARCANDO A ASCENSÃO DA BURGUESIA, IMPRENSA TEVE PAPEL DECISIVO AO ELEVAR AS MASSAS A PROTAGONISTAS DA HISTÓRIA; HOJE, CRESCIMENTO DO SETOR NOS MERCADOS EMERGENTES, EM CONTRASTE COM OS EUA, AJUDA A REDEFINIR A DISCUSSÃO DE IDÉIAS EM PAÍSES COMO O BRASIL
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ELEONORA DE LUCENA
Editora-executiva da Folha
A invenção de Gutenberg foi fruto da ascensão da burguesia, que começava a disputar a liderança do processo histórico com a aristocracia. Em sua trajetória, a imprensa pavimentou a incorporação das massas ao papel de protagonista, sempre em compasso com as disputas pelo poder.
Se na Inglaterra e na França a liberdade de expressão foi por muito tempo contida pelas forças do antigo regime, nos Estados Unidos a independência colocou a livre manifestação como dado constitutivo do país e possibilitou a criação de periódicos sem as amarras reais.
No Brasil, a Impressão Régia -que aportou no Rio de Janeiro com a fuga da corte portuguesa de Napoleão - estabeleceu em seus primeiros atos "fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes". Não foi à toa, portanto, que o primeiro jornal brasileiro -o "Correio Braziliense"- nasceu em Londres. Foi há 200 anos, comemorados na semana passada.
De lá para cá, o jornalismo nacional marcou sua presença na história, destacando-se nos momentos de polarização, como nas campanhas pela abolição da escravatura, pela república, pela democracia, pelas eleições diretas.Enfrentou períodos sombrios de censura e sufocamento econômico. Como no resto do mundo, acompanhou a chegada das novas mídias que disputam o tempo e o bolso do cidadão.
Nos últimos anos, a discussão sobre o futuro dos jornais passou a freqüentar o debate sobre comunicações. A internet - e suas infinitas possibilidades de informação e interação- é colocada como rival dos meios impressos, tachados de lerdos e opacos. Preocupados com a adesão avassaladora dos jovens à rede de computadores, os jornais buscam a renovação e discutem sua função nesse momento e seu espaço como negócio.
Tradicionais empresas jornalísticas já há muitos anos investem na internet e aproximam suas plataformas de informação. Embora sejam âncoras importantes na rede e ganhem audiências em crescimento exponencial, não encontram contrapartidas em suas receitas que possam justificar uma eventual transição do papel para a tela.
Ao mesmo tempo, a venda de jornais continua a crescer no mundo (2,6% em 2007), muito impulsionada por países como China e Índia -e Brasil, que teve alta de 11,8%.
Bússola para o leitor
Por aqui, onde a televisão ainda reina quase absoluta como em nenhum outro lugar do globo, a fatia dos jornais no bolo publicitário engordou. Foi de 19,4%, em março último. A internet ficou com apenas 3,2%. Só no primeiro trimestre deste ano, a publicidade em jornais brasileiros aumentou 24%.
Esse vigor mostra o interesse e a confiança de leitores e anunciantes nos diários impressos e coloca em xeque previsões pessimistas. Os jornais condensam uma credibilidade difícil de ser replicada em outros meios e funcionam como uma bússola para o leitor imerso no caos informativo atual. Apresentam um resumo organizado das notícias mais importantes das últimas 24 horas, selecionando e hierarquizando fatos, análises e opiniões. Já foi dito que editores atuam como curadores de notícias para seus leitores.
Os jornais também são os principais responsáveis pelos chamados furos de informação, fatos inéditos e relevantes que são trazidos à luz contra interesses e em benefício da democracia. Trazem um mosaico de opiniões único e se tornam referência na discussão de idéias do país. Finalmente, são elogiados também por serem práticos, portáteis.
Nem por isso deixam de enfrentar questionamentos variados. Nos Estados Unidos, sempre referência nesse e em outros debates, os jornais registram vendas estáveis ou declinantes e sofrem golpes -muitos advindos da internet- que atingem sua imagem de credibilidade e independência. O oficialismo e o adesismo na cobertura da Guerra no Iraque, por exemplo, deixaram cicatrizes incômodas.
Além disso, a pulverização do capital das empresas jornalísticas norte-americanas, a partir dos anos 60, introduziu novas lógicas para avaliação dos resultados dos produtos perante seus acionistas. Hoje, eles passam por mudanças sensíveis em seus controles -e em suas linhas editoriais. Movimento que coincide com um dos momentos mais ricos da história política recente nos EUA.
Há uma disputa de mercado e de poder. Os jornais estão nesse emaranhado tratando de achar o seu rumo. É disso que trata o texto que a Folha publica a seguir. O autor garimpa nos 300 anos de história da imprensa nos Estados Unidos explicações para os desafios de hoje.
Lá e aqui não existem respostas definitivas sobre os caminhos para os jornais. Como podem ampliar seu universo de leitores -especialmente em países, como o Brasil, onde o analfabetismo ainda é uma vergonhosa realidade? Como conseguir atrair as novas gerações bombardeadas pela multimídia? Como trabalhar com a internet? Como, enfim, melhorar a qualidade do produto despachado diariamente até a porta do consumidor antes do seu café da manhã?
No texto que segue, publicado originalmente na revista norte-americana "The New Yorker", o autor lembra que bons jornais devem ser como um país conversando consigo mesmo. Numa sociedade extremamente desigual e cada vez mais preocupada com o bem-estar em escala privada, os jornais colocam foco sobre o interesse público. Têm a tarefa de fazer uma reflexão cotidiana sobre a realidade. É o seu papel e o seu futuro.
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ELEONORA DE LUCENA
Editora-executiva da Folha
A invenção de Gutenberg foi fruto da ascensão da burguesia, que começava a disputar a liderança do processo histórico com a aristocracia. Em sua trajetória, a imprensa pavimentou a incorporação das massas ao papel de protagonista, sempre em compasso com as disputas pelo poder.
Se na Inglaterra e na França a liberdade de expressão foi por muito tempo contida pelas forças do antigo regime, nos Estados Unidos a independência colocou a livre manifestação como dado constitutivo do país e possibilitou a criação de periódicos sem as amarras reais.
No Brasil, a Impressão Régia -que aportou no Rio de Janeiro com a fuga da corte portuguesa de Napoleão - estabeleceu em seus primeiros atos "fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes". Não foi à toa, portanto, que o primeiro jornal brasileiro -o "Correio Braziliense"- nasceu em Londres. Foi há 200 anos, comemorados na semana passada.
De lá para cá, o jornalismo nacional marcou sua presença na história, destacando-se nos momentos de polarização, como nas campanhas pela abolição da escravatura, pela república, pela democracia, pelas eleições diretas.Enfrentou períodos sombrios de censura e sufocamento econômico. Como no resto do mundo, acompanhou a chegada das novas mídias que disputam o tempo e o bolso do cidadão.
Nos últimos anos, a discussão sobre o futuro dos jornais passou a freqüentar o debate sobre comunicações. A internet - e suas infinitas possibilidades de informação e interação- é colocada como rival dos meios impressos, tachados de lerdos e opacos. Preocupados com a adesão avassaladora dos jovens à rede de computadores, os jornais buscam a renovação e discutem sua função nesse momento e seu espaço como negócio.
Tradicionais empresas jornalísticas já há muitos anos investem na internet e aproximam suas plataformas de informação. Embora sejam âncoras importantes na rede e ganhem audiências em crescimento exponencial, não encontram contrapartidas em suas receitas que possam justificar uma eventual transição do papel para a tela.
Ao mesmo tempo, a venda de jornais continua a crescer no mundo (2,6% em 2007), muito impulsionada por países como China e Índia -e Brasil, que teve alta de 11,8%.
Bússola para o leitor
Por aqui, onde a televisão ainda reina quase absoluta como em nenhum outro lugar do globo, a fatia dos jornais no bolo publicitário engordou. Foi de 19,4%, em março último. A internet ficou com apenas 3,2%. Só no primeiro trimestre deste ano, a publicidade em jornais brasileiros aumentou 24%.
Esse vigor mostra o interesse e a confiança de leitores e anunciantes nos diários impressos e coloca em xeque previsões pessimistas. Os jornais condensam uma credibilidade difícil de ser replicada em outros meios e funcionam como uma bússola para o leitor imerso no caos informativo atual. Apresentam um resumo organizado das notícias mais importantes das últimas 24 horas, selecionando e hierarquizando fatos, análises e opiniões. Já foi dito que editores atuam como curadores de notícias para seus leitores.
Os jornais também são os principais responsáveis pelos chamados furos de informação, fatos inéditos e relevantes que são trazidos à luz contra interesses e em benefício da democracia. Trazem um mosaico de opiniões único e se tornam referência na discussão de idéias do país. Finalmente, são elogiados também por serem práticos, portáteis.
Nem por isso deixam de enfrentar questionamentos variados. Nos Estados Unidos, sempre referência nesse e em outros debates, os jornais registram vendas estáveis ou declinantes e sofrem golpes -muitos advindos da internet- que atingem sua imagem de credibilidade e independência. O oficialismo e o adesismo na cobertura da Guerra no Iraque, por exemplo, deixaram cicatrizes incômodas.
Além disso, a pulverização do capital das empresas jornalísticas norte-americanas, a partir dos anos 60, introduziu novas lógicas para avaliação dos resultados dos produtos perante seus acionistas. Hoje, eles passam por mudanças sensíveis em seus controles -e em suas linhas editoriais. Movimento que coincide com um dos momentos mais ricos da história política recente nos EUA.
Há uma disputa de mercado e de poder. Os jornais estão nesse emaranhado tratando de achar o seu rumo. É disso que trata o texto que a Folha publica a seguir. O autor garimpa nos 300 anos de história da imprensa nos Estados Unidos explicações para os desafios de hoje.
Lá e aqui não existem respostas definitivas sobre os caminhos para os jornais. Como podem ampliar seu universo de leitores -especialmente em países, como o Brasil, onde o analfabetismo ainda é uma vergonhosa realidade? Como conseguir atrair as novas gerações bombardeadas pela multimídia? Como trabalhar com a internet? Como, enfim, melhorar a qualidade do produto despachado diariamente até a porta do consumidor antes do seu café da manhã?
No texto que segue, publicado originalmente na revista norte-americana "The New Yorker", o autor lembra que bons jornais devem ser como um país conversando consigo mesmo. Numa sociedade extremamente desigual e cada vez mais preocupada com o bem-estar em escala privada, os jornais colocam foco sobre o interesse público. Têm a tarefa de fazer uma reflexão cotidiana sobre a realidade. É o seu papel e o seu futuro.
A Senhora Gramática (1)
Quando a noite chega com seu frio, um bom livro me acolhe para eu apreciar a fachada da catedral de Notre-Dame com as estátuas de Botticelli. Uma delas representa uma senhora de idade que viveu na Ática e usa trajes romanos; num cofrinho de marfim, ela guarda uma faca e uma lima para corrigir os erros das crianças. Seu nome, Grammatica
Como sabemos, as crianças vivem do excesso, e a senhora Grammatica, com a faca e a lima, precisa podar os exageros infantis por meio da razão instrumental. Para essa austera senhora, faca e lima fatiam a linguagem em partes para, em um segundo momento, classificá-la
Em Crátilo, Platão é quem, primeiro, faqueia a língua no Ocidente. Mais tarde, Aristóteles aprimora o trabalho do mestre. Durantes séculos, alunos aprenderam a instrumentalizar a língua segundo classificações e análises por causa desses dois filósofos
No caso de Aristóteles, o que ele determinou para a biologia, para a medicina, o pensador transplantou para a língua, concebendo-a como um corpo a ser autopsiado pela faca das classificações e pela lima das análises. No livro A vertente grega da gramática tradicional, de Maria Helena de Moura Neves, evidencia-se essa intervenção cirúrgica
Isso, entretanto, não representa a morte de um corpo. Embora tenha sido retalhado (adjetivos, substantivos, verbos, advérbios), os professores de Língua Portuguesa sabiam o que fazer com essa “matéria” em sala de aula. No primeiro ano do ensino médio, por exemplo, o currículo formal apresentava com clareza os conteúdos, o mesmo ocorrendo em anos posteriores. O sistema funcionava, porque, para cada ano letivo, o conteúdo desse corpo estava bem exposto. Havia organização. O organismo funcionava. “Hoje, estudaremos fonologia e, depois, morfologia.” Partia-se do menor (fonemas) para o maior (sintaxe
Hoje, com a presença do texto, de onde partir? Sem unidade, visto que o corpo se fragmentou, isto é, as partes não se combinam, o professor de Língua Portuguesa leciona um conteúdo no primeiro ano do ensino médio; entretanto, à tarde, seu colega, no mesmo ano do ensino médio, leciona outro conteúdo. O aluno Evandro, da tarde, se transferiu para manhã, surpresa, o conteúdo é outro. As partes não se completam. Desorganizado, o organismo não funciona. Perdeu o que havia de bom na senhora Grammatica: sistematização.
Como sabemos, as crianças vivem do excesso, e a senhora Grammatica, com a faca e a lima, precisa podar os exageros infantis por meio da razão instrumental. Para essa austera senhora, faca e lima fatiam a linguagem em partes para, em um segundo momento, classificá-la
Em Crátilo, Platão é quem, primeiro, faqueia a língua no Ocidente. Mais tarde, Aristóteles aprimora o trabalho do mestre. Durantes séculos, alunos aprenderam a instrumentalizar a língua segundo classificações e análises por causa desses dois filósofos
No caso de Aristóteles, o que ele determinou para a biologia, para a medicina, o pensador transplantou para a língua, concebendo-a como um corpo a ser autopsiado pela faca das classificações e pela lima das análises. No livro A vertente grega da gramática tradicional, de Maria Helena de Moura Neves, evidencia-se essa intervenção cirúrgica
Isso, entretanto, não representa a morte de um corpo. Embora tenha sido retalhado (adjetivos, substantivos, verbos, advérbios), os professores de Língua Portuguesa sabiam o que fazer com essa “matéria” em sala de aula. No primeiro ano do ensino médio, por exemplo, o currículo formal apresentava com clareza os conteúdos, o mesmo ocorrendo em anos posteriores. O sistema funcionava, porque, para cada ano letivo, o conteúdo desse corpo estava bem exposto. Havia organização. O organismo funcionava. “Hoje, estudaremos fonologia e, depois, morfologia.” Partia-se do menor (fonemas) para o maior (sintaxe
Hoje, com a presença do texto, de onde partir? Sem unidade, visto que o corpo se fragmentou, isto é, as partes não se combinam, o professor de Língua Portuguesa leciona um conteúdo no primeiro ano do ensino médio; entretanto, à tarde, seu colega, no mesmo ano do ensino médio, leciona outro conteúdo. O aluno Evandro, da tarde, se transferiu para manhã, surpresa, o conteúdo é outro. As partes não se completam. Desorganizado, o organismo não funciona. Perdeu o que havia de bom na senhora Grammatica: sistematização.
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