A morte física de José Saramago não se assemelha à morte de um Airton Senna, porque as páginas abertas de um livro exigem um esforço que o controle remoto de uma tevê não exige.
Pelo simples fato de nunca ter nascido como livro para muitos, Saramago nem morreu.
A multidão televisiva encontra exemplo de vida em Fórmula 1 ou em futebol, não em estantes ou em bibliotecas. A burrice é uma generalidade pelo único motivo de ser bem mais barata, vulgar.
Em qual escola os alunos leram "Caim"?
Em nossas escolas públicas, ler um livro em sala de aula se equivale a encontrar um homem culto na Câmara de Vereadores de Rio Branco, ou seja, não se lê livro em salas desconfortáveis.
Na escola, em época de Copa do Mundo, professores e alunos se enfeitam, torcem. A diretora aparece na tevê. Se não existe sala de leitura na rede pública de ensino, onde se encontrar com José Saramago? A escola só soube do nome porque a tevê noticiou sua morte.
Em uma sociedade onde neopentecostais se alastram como capim, o livro "Caim" seria perseguido pela verdade absoluta dos incultos. Nessa obra, o irmão de Abel é a imagem do marginalizado que questiona as leis de Deus.
Na página 101, leio que "Caim mal podia acreditar no que os seus olhos viam. Não bastavam sodoma e gomorra arrasadas pelo fogo, aqui, no sopé do monte sinai, ficara patente a prova irrefutável da profunda maldade do senhor, três mil homens mortos só porque ele tinha ficado irritado com a invenção de um suposto rival em figura de bezerro, Eu não fiz mais que matar um irmão e o senhor castigou-me, quero ver agora quem vai castigar o senhor por estas mortes, pensou caim, e logo continuou, Lúcifer sabia bem o que fazia quando se rebelou contra deus, a quem diga que o fez por inveja e não é certo, o que ele conhecia era a maligna natureza do sujeito."
Se existissem menos neopentecostais e mais ateus como Saramago, o Brasil seria melhor.