Há muito tempo, recolhi meus gestos entre quatro paredes. Muito longe de minha família, as companhias têm sido namorada, filha, colegas de trabalho, alunos e páginas de livros. Cada vez mais, limito-me ao reservado.
Não tenho visitado pessoas por quem tenho enorme apreço, como o prof. Carlos Alberto, o médico Matheus, o prof. João Bosco e... são poucos a quem, hoje, dôo palavras, à beira do rio Acre, à minha acreana filha, ela me olha, "pai, eu sou carioca".
Como!? Menina, você nasceu em Rio Branco, Acre, em 1997, deu para entender?
Um sorriso, de 9 anos, maroto. "Não, pai, eu sou carioca."
Morena, cor de índia, linda pele, sempre procurei mostrar à Lara Valentina a beleza de sua origem, expressada por meio, por exemplo, de sua avó materna, uma mulher-índia, mulher-aldeia.
Mas a floresta não a seduziu como a seduziu o mar. Desde o dia em que visitou os avós paternos no Rio de Janeiro, Lara, em seu íntimo, foi deixando de ser acreana para se deslumbrar com a Cidade Maravilhosa: Barra Shopping, McDonald's, Bob's, C&A e.. o mar.
Minha filha, eu sei, ainda é pequena, não alcança o tamanho de certas palavras, não as que tocam no consumo da cidade grande, mas na identidade de uma pessoa. Ela levará um certo tempo para subir a palavra-rio e ouvir a palavra-silêncio da palavra-floresta.
Conversávamos no Mercado Velho, o novo. O dia estava lindo. Está vendo esse rio, filha? Sente esse vento? Percebe a beleza do céu? Vê esse lugar, as pessoas? " Sim, hoje o dia tá lindo, pai." Então, não é Rio de Janeiro, não é o Acre, filha, é a vida. O sentido da tua vida não está em ser carioca.