terça-feira, março 18, 2008

Exemplo de Negro (2)

Para você que debruça teus olhos sobre este insignificante blog, esta bolha, oferto estes versos de Cruz e Sousa. Hoje, 19 de março, 110 anos de sua morte carnal, prove de suas palavras.

Sorriso interior

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo este brasão augusto
Do grande amor, da grande fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsia e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tu em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe esta glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser transforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!




Exemplo de Negro (1)















Não sei se Matilde Ribeiro leu Cruz e Sousa, mas, se o poeta negro tivesse um cartão corporativo, não teria envergonhado a raça. Disse-me esse negro aos meus olhos: "Que importa que morra o poeta? Importa que não morra o poema!"

Hoje, 19 de março de 1898, faleceu João da Cruz e Sousa. Ele nasceu em 24 de novembro de 1861 em Nossa Senhora do Desterro, capital da Província de Santa Catarina, atualmente, Florianópolis.

Texto abaixo do portal http://www.spectrumgothic.com.br/

O nome João da Cruz é uma alusão ao Santo homenageado no dia de seu nascimento, San Juan de la Cruz. Filho dos escravos alforriados Guilherme, pedreiro; e de Eva Carolina da Conceição, cozinheira e lavadeira, João da Cruz foi criado pelo Coronel Guilherme Xavier de Sousa (que viria tornar-se Marechal) e sua esposa Clarinda Fagundes de Sousa, que não tiveram filhos.

Assim, acabou por herdar o nome Sousa e obteve uma educação proporcional à educação dos brancos abastados de seu tempo. Com apenas 9 anos de idade, já escrevia e recitava seus poemas para os familiares. Com o falecimento de seu protetor em 1870, as condições de vida tornaram-se menos confortáveis para o jovem João da Cruz.

Em 1871, entrou no Ateneu Provincial Catarinense. A partir de 1877, lecionava aulas particulares por necessidade financeira e impressionava seus companheiros de estudo pela capacidade intelectual.

Conhecedor profundo de francês, chegou a ser citado numa carta do naturalista alemão Fritz Muller. Nesta carta dirigida ao próprio irmão em 1876, o naturalista citava João da Cruz como um exemplo contrário das teorias de inferioridade intelectual dos negros.

No ano de 1877, suas obras poéticas passaram a ser publicadas em jornais de Santa Catarina. Ao lado dos amigos Virgílio Várzea e Santos Lostada, João da Cruz fundou um jornal literário intitulado "O Colombo", em 1881. No ano seguinte fundo a "Folha Popular".

Nesta mesma época, partiu em excursão pelo Brasil com uma companhia teatral e declamava seus poemas nos intervalos das apresentações. Também se engajou na luta social e passou a liderar conferências abolicionistas.

Em 1883, foi nomeado promotor da cidade de Laguna. Mas não chegou a assumir o cargo devido ao furor preconceituoso de chefes políticos da região.

Em 1885 publica seu primeiro livro de co-autoria de Virgílio Várzea, intitulado Tropos e Fantasias. Até 1888 atuou em jornais, revistas e no centro da Imigração da Província de Santa Catarina. Neste mesmo ano, viajou para o Rio de Janeiro a convite de Oscar Rosas.

Em 1891 transferiu-se definitivamente para a então capital da República, Rio de Janeiro. A partir daí entrou em contato com novos movimentos literários vindos da França. Neste caso, João da Cruz e Sousa identificou-se especialmente com o chamado Simbolismo. O negro sulista que se enveredava pelos caminhos do Simbolismo, sofria duras críticas do meio intelectual de sua época; já que nesse momento, o Parnasianismo era a referência literária emergente.

Em novembro de 1893 casou-se com Gavita Rosa Gonçalves, também descendente de escravos africanos. Deste matrimônio nasceram quatro filhos, Raul, Guilherme, Reinaldo e João. Mas todos faleceram de tuberculose pulmonar. Sua esposa, ainda sofreu de distúrbios mentais que chegaram a refletir até mesmo nos escritos do poeta.

Ainda em 1893 publicou dois livros: Missal (influenciado pela prosa de Baudelaire) e Broquéis; obras que marcaram o lançamento do movimento simbolista brasileiro. Em 1897, concluiu um livro de prosa poética denominado Evocações. Quando preparava-se para publicá-lo, viu-se abatido pela tuberculose e partiu para Minas Gerais em busca de tratamento. Faleceu em 19 de março de 1898 aos 36 anos de idade.

Seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro num vagão para transporte de gado. O amigo José do Patrocínio pagou as despesas com o funeral e o enterro no cemitério São Francisco Xavier. No ano de sua morte ainda foi publicado Evocações. Em 1900, Faróis; e em 1905, o volume de Últimos Sonetos.

O negro que contrariou o preconceito racial e se pôs a liderança do Simbolismo brasileiro, é autor de uma obra que traz versos como: "Anda em mim, soturnamente / Uma tristeza ociosa / Sem objetivo, latente / Vaga, indecisa, medrosa" (Tristeza Do Infinito - Últimos Sonetos). Além de: "De dentro da senzala escura e lamacenta / Aonde o infeliz / De lágrimas em fel, de ódio se alimenta / Tornando meretriz" (Da Senzala – O Livro Derradeiro).

Percebe-se num primeiro momento o sofrimento de uma alma que ecoou diretamente em sua obra. Mas posteriormente, a consciência social e humanista de um cidadão. Cruz e Sousa, o Dante Negro ou Cisne Negro, foi um poeta Simbolista que ainda não obteve o reconhecimento literário devido, mas agrega em sua obra a essência única de um autor que cativa e comove por sua autenticidade.

"Amigo-urso"

Tempo atrás, chamaram-me de "amigo-urso". Sei que tenho um defeito: sou claro, muito mais do que a água do Saerb; não compactuo com o cinismo a fim de tirar proveito de algo ou de alguém. No meu trabalho, não articulo por trás para derrubar alguém. Sempre exponho idéias à luz do dia e, à noite, sempre levo vela ou lanterna.

Você que me chamou de "amigo-urso" deveria escrever para este blog, publicando quando e como fui falso com algum colega de profissão. O "amigo-urso" não fica em cima do muro. Minhas posições sempre foram evidentes.

Se eu fosse falso, acredite, seria tão perfeito que você nem perceberia, porque meus olhos leram mais de uma vez O Príncipe, de Maquiavel. Se eu fosse falso, faria um trabalho irreparável como fazem os canalhas.