Se você ler a obra com atenção, vai ver que Bentinho (apelidado de "casmurro", porque velho, viúvo e calado) decide contar sua história desde a infância para compreender algo mais do que o suposto adultério de sua mulher: ele quer saber se ela sempre fora como ele a via depois do casamento: falsa e dissimulada. Enquanto Bentinho narra seus amores, ele (leia para ver isso) manipula nossas opiniões, pois vai dando pistas de que ela poderia mesmo tê-lo traído e ter tido um filho com o melhor amigo dele. Mas fique esperto(a): é a voz dele, rico e bem-sucedido advogado, que você lê. Capitu não está mais lá no seu "julgamento" para se defender. Ela já morrera. E ele precisa entender o que houve com seu amor e seu casamento. Ele é, se não nos deixamos enganar e o lermos melhor, um homem conservador, patriarcal, inseguro (filho único de D. Glória, viúva rica). Inseguro e mimado desde menino, só soube, por exemplo, que gostava de Capitu quando ouve, aos quatorze anos, atrás da porta, uma conversa de José Dias com sua mãe.Leva um susto, pois descobre o amor pela voz de outra pessoa. Crescido, depois de conseguir se livrar do seminário a que estava destinado por promessa de sua mãe (leia a "negociação" que fizeram com Deus...é deliciosa), casa-se com Capitu. E pouco depois do nascimento do filho começam os ciúmes.Do romance "Dom Casmurro", se alguém nos pedir o tema, devemos dizer que é mais o ciúme que o adultério. Por que a questão central não é o adultério? Porque não sabemos (nem saberemos) se Capitu o traiu. Machado escreve o romance com total ambigüidade, dando sinais de que de fato a mulher poderia ter traído o marido, mas este, contando sua própria história e sendo tão frágil, também pode ser um psicótico. Esse romance é um exercício de escrita fabuloso, pois até hoje discutimos a força dos argumentos do narrador de "Dom Casmurro".