domingo, setembro 07, 2008

Gosto desses homossexuais

Com a tempestade que se chama ‘espírito’ soprei sobre o teu mar revolto e expulsei dele todas as nuvens e até estrangulei o estrangulador que se chama ‘pecado’.” Assim falou Zaratustra, de Nietzsche.

De
Aldo Nascimento

Há dois anos, fui ao calçadão da Gameleira para assistir a um ótimo espetáculo. Era a semana da diversidade. Como havia um encontro de evangélicos no estádio Hélio Melo, saí do local de lésbicas, de travestis e de gays para ouvir, segundo alguns homens, a palavra de Deus.

Em um palanque, um dos pastores, em nome do Senhor, afirmou que os filhos de Deus ocupariam o calçadão da Gameleira no dia seguinte para limpar um lugar que tinha sido sujado por homossexuais. Na Alemanha nazista, Hitler não perseguiu somente judeus - homossexuais também.

Deuteronômio

Por que tamanha intolerância? Por que tal desrespeito? “Porque a palavra de Deus, escrita na Bíblia, não aceita a sodomia”, dizem os fiéis. Tudo, portanto, parte do Livro Sagrado para que homossexuais sejam impuros, condenados. Tudo parte da palavra. Sendo assim, se a palavra do Senhor deve ser obedecida à risca, cumpramo-la segundo Deuteronômio: “Se um homem for achado deitado com uma mulher que tem marido, então, ambos morrerão, o homem que se deitou com a mulher e a mulher; assim, eliminarás o mal de Israel.” (22-22) Obedeçamos ainda: “Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer sem filhos, então, a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará, e a receberá por mulher, e exercerá para com ela a obrigação de cunhado.” (25-5)

Esses dois exemplos – e poderia citar outros – evidenciam que a palavra nem sempre se aplica no tempo presente, porque a Bíblia não foi escrita por um Deus imóvel, fixo, imutável, mas pela cultura de um povo situado na história. Se algum pai evangélico quer seguir a palavra, seguir a lei, cumpra o que está escrito em Deuteronômio: todos os homens da sua cidade o apedrejarão até que morra, porque teu filho é teimoso e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à da sua mãe. Mate-o, está escrito.

Esses exemplos em Deuteronômio são absurdos no mundo hodierno. Nenhum evangélico submeteria, por exemplo, seu filho ao apedrejamento por ser rebelde, mas pastores usam palavras violentas em seus cultos contra homossexuais porque a palavra de Deus abomina criaturas que contrariam a natureza humana de heterossexuais. O passado secular do povo judaico determina quem é sujo, quem é limpo. Mas esse passado, repito, sendo histórico, pode ser questionado.

Como sabemos, na Bíblia, as relações são patriarcais, e esse patriarcalismo se matém em uma sociedade agrária. Nessa sociedade, por questão de propriedade da terra, as relações de direito são consangüíneas. Ora, como em uma sociedade patriarcal perpetuar a propriedade e as relações familiares depende de relações consangüíneas, o homossexual não representa esses laços por negar a procriação. Sei que estou sendo lacônico, mas estudos indicam que a violência contra homossexuais parte de um passado agrário e patriarcal.

Igrejolas

Neste ano, a semana da diversidade trouxe mais uma vez algo muito importante para os homossexuais e para os simpatizantes, que é o debate. Se evangélicos os satanizam por meio da palavra, é a palavra, situada na história, que deve ser estudada. Os homossexuais precisam estudar a história do povo judaico para que sua cultura seja questionada, e não Deus. Eles precisam conhecer mais a Bíblia do que certos pastores incultos e desequilibrados pela escuridão densa da ignorância. Um suposto saber de igrejola, senhores, combate-se com um saber autêntico de um estudo sério e profundo de viados, de gays, de lésbicas, de travestis, de homossexuais.

Meus homossexuais

Na história, muitos foram os homossexuais sérios que contribuíram para o saber. Sigam os passos deste que teve problema com a família por gostar de outro homem: Michel Foucault. Prefiro ler este a ter que ouvir cultos de certos impostores da fé: Roland Barthes. Abrir um livro e ler outro homossexual: Mário de Andrade. O que são evangélicos tolos diante dos belos versos dos homossexuais What Whitman, Rimbaud, Verlaine e Mário de Sá-Carneiro? E o que falar do canto das lésbicas Ângela Ro Ro, Cássia Eller e Ana Carolina perante ruídos em igrejicas? Que pastorzinho há de negar que em Renato Russo e em Cazuza habita um belo Deus?

Um irlandês

Poderia citar tantos bons outros, porém não poderia deixar de esquecer dele: Oscar Wilde. Às 13h50, em 30 de novembro de 1900, uma sexta-feira, morria de meningite encefálica, após sofrimento de quase dois meses, o escritor irlandês Oscar Wilde, nascido em Dublin, em 1854. O seu fim ocorreu em um quarto precário do humilde Hôtel d’Alsace, situado no número 13 da rua des Beaux Arts, no bairro de Saint-German-desPrés, em Paris. Hospedou-se com nome de Sebastian Melmoth, inútil tentativa de esconder sua identidade, enxovalhada após o escandaloso processo a que fora submetido no tribunal inglês.

Em seu enterro, havia 14 pessoas. O autor de O retrato de Dorian Gray foi condenado por “ato de indecência grave” ou por homossexualismo, punido com a pena de dois anos de prisão. Casado com Constance, ele a abandonou para viver seu amor com Alfred Douglas, de 21 anos; e ele, 37, quando se conheceram em 1891. Mas seu amor, no dia do julgamento, fugiu para não testemunhar. Na cadeia, Oscar Wilde escreveu para Douglas: “Nossa desgraçada e lamentabilíssima amizade acabou para mim na ruína e na vergonha pública.” Mais tarde, o amante de Wilde passou a perseguir homossexuais e judeus.

Depois de Shakespeare, o homossexual Oscar Wilde é o dramaturgo inglês mais representado mundialmente e é considerado um dos maiores escritores do século 19. Esse escritor teve a coragem de enfrentar o tribunal inglês, mas, só em 1967, foi regulamentada a lei que descriminalizou o homossexualismo na Inglaterra.

Além de debates na semana da diversidade, que gays, lésbicas, travestis, simpatizantes, homem e mulheres dancem, cantem, brinquem, divirtam-se porque “eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar”, escreveu Nietzsche em Assim falou Zaratustra.

Dancemos!!!

6 comentários:

Jozafá Batista disse...

Homossexuais formam a categoria de maior potencial revolucionário atualmente. Além de desafiarem o stablishment sociopolítico - que ainda é marcado pela herança do patriarcalismo, como você observou -, eles conseguem ampla mobilização de vários setores e classes sociais em prol da sua causa.

Como a resistência à causa homossexual se funda em premissas dogmáticas, obscuras, nasce daí todo o enorme apoio que cresce a cada passeata gay. E também aumenta o potencial transformador desse grupo, que deveria aproveitar esse protagonismo na luta por justiça social.

A libertação do homossexual está ligada umbilicalmente à libertação política da sociedade.

Unknown disse...

Aldo e seus bons textos...

Carlos Gomes disse...

Seu artigo enriqueceu o Jornal Atribuna!
Estamos vivenciando novos embates...
O Movimento LGBT além de organizado está incessantemente na luta por DIREITOS HUMANOS.
E como você mesmo reforçou, a semana da diversidade tem debates e, é de suma importância que a sociedade faça parte desse processo de discussão.
Fico muito feliz quando outras opiniões são colocadas dispertando curiosidade e um outro olhar, rompendo com a redoma que muitos estão condicionados!
Parabéns!
Sucessos sempre.

Rutemberg Crispim disse...

Caro Aldo

Parabéns pelo texto.
Parabéns por sua postura.

Algumas pessoas precisam entender que somos livres para fazer nossas escolhas e lutar pela felicidade.

Não é justo que usem Deus para justificar uma opinião própria.

O mais importante é que sejamos felizes.

Afinal, nascemos do amor, com amor e para o amor...

Abraços

Luca Harzög disse...

Meu caro colega e amigo!

Sem palavras para dizer o ke sinto ao ler teu texto! Seu posicionamento claro e decidido não contempla somente a questão da causa LGBT, mas a causa dos direitos humanos!

PS: Tomo licença de publicar seu texto em meu blog, com todos os créditos, é claro!

VÍTOR FARIAS disse...

Eu disse que continuaria lendo... E escrevendo. Por isso, vou direto: não precisamos de um deus que saiba dançar apenas, mas que, fundamentalmente, ensine aos seus seguidores a apreciar essa arte, afinal de contas, a vida é uma dança, somos todos bailarinos (cada um com seu ritmo, seu gingado, sua vontade de ARRASAR nesse palco colorido). Eu mesmo, quero um deus que nao me condene por dançar (ser) diferente, que me aceite como sou. Por que se há tanto poder em suas mãos para MOVER O MUNDO DE LUGAR - falando como um neopentecostal amigo meu - não perderia tempo brincando de gato e rato com seres que ele mesmo criou, pôs no mundo e depois, talvez por não gostar da voz afeminada ou do jeito rebolante de andar, resolveu mudá-los. Acho que, por isso, e ja basta - é possível contestar até a onipotência desse referido deus.

Dancei dia 14 e dançarei sempre. Com Deus no corpo todo.