De Aldo Nascimento
Quem
vive na capital acriana há anos percebe o quanto esta cidade quantifica-se a
cada tempo de um semáforo. As formas urbanas de Rio Branco alargam-se, a
voracidade do comércio expande-se, as imobiliárias desejam mais altura e a
estreiteza de ruas cede à travessia longa de pedestres em avenidas.
A
cidade cresce: os 196.923 habitantes que dormiram em 1991 despertaram-se, nove
anos depois, com mais 138.873 indivíduos, totalizando 335.796 bocas em 2010.
Rio Branco se amealha: mais supermercados, mais pneus, mais lojas, mais
empresas, mais bares. Rio Branco empanturra-se: mais garrafas, mais bêbados,
mais ladrões, mais putas, mais assassinatos. A vida urbana avoluma-se do
tamanho espesso da pressa.
Desse
excesso, o luxo emerge e diz a si mesmo a necessidade fútil de desfilar. Assim,
adornados de opulência, os ricos exibem seu excedente de capital em colunas
sociais, em revistas eletrônicas, em festas. Porque seu nome é moeda de troca,
o empresário recebe os holofotes da imprensa, e, em revistas eletrônicas, a
bela cozinha da oligarquia, saciada, apresenta o prato que pobres não podem
lamber. Diante das câmeras de tevê, os ricos acrianos pavoneiam-se.
E A FESTA DO LIVRO?
Diante
de uma Expo-Acre, qual valor de uma bienal do livro? Se comparado à raça Nelore,
qual importância de um romance de milton hatoum? Perante a ração de um cavalo
Mangalarga, para que servem os versos de drummond? Em 2011, a festa do caubói
gerou, segundo o governo, uma riqueza de R$ 100 milhões.
Mas em
Rio Branco nem tudo é excedente. Quando expuseram pela primeira vez livros em
uma bienal, eles, acanhados em barraquinhas vexatórias, estavam na Praça da Revolução,
centro, entre o quartel da Polícia Militar e a Biblioteca Estadual. O poder
público expôs, na verdade, o acanhamento
de nossa cultura literária por não haver nela a presença do grande capital público
e por haver nela a grande ausência de leitores – a 1ª Bienal do Livro do Acre
escreveu a história de sua própria escassez pelo simples fato de livros não
gerarem no Acre a riqueza de R$ 100
milhões.
A FESTA DO BOI
No
lugar da monumental insignificância econômica dos livros - mesmo porque não se
lê nas escolas acrianas, e nem há salas de leitura -, o poder gasta muito para
edificar todo ano a Expo-Acre, esse espetáculo do cavalo, do comércio, do gado,
da indústria, das grandes terras. Para sua abertura, a tradicional Cavalgada
exibe nobres cavalheiros com o poder econômico de comprar luxuosas
caminhonetes, carretas, cavalos de raça, expondo sobre eles o padrão da moda country, a fartura de bebidas
alcoólicas, o modelo feminino de beleza. A Cavalgada, por ser o exibicionismo
dos que exercem o poder na cidade, ostenta o narcisismo da riqueza, da griffe de roupas bem acochadinhas, da
bota de couro mais cara, do cinto de couro mais viril. Enquanto mortais pensam
na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), enquanto as bienais do livro
de São Paulo e do Rio de Janeiro representam riqueza cultural a cada dois anos,
a pecuária acriana, que gera milhões ao estado e não ao povo, seduz a massa com
musiquinhas pseudossertanejas, com seu vestuário norte-americanizado, ou seja,
o gado no pasto gera não só riqueza econômica para poucos; mas, sobretudo, o
seu efeito mais nefasto para a identidade de uma região: alienação cultural. No lugar do caipira,
este homem simples do roçado, a festa do corte aplaude seu mito: o caubói. Nossos alunos, portanto, não
precisam de festas de livro, eles sorriem quando seus pais os fotografam ao
lado de um boi Nelore.
Depois do boi, não se lê na escola
Sem
bienal acriana do livro à altura do espetáculo bovino, a criança que foi
fotografada ao lado de um Nelore estuda em uma escola pública de um bairro
periférico de Rio Branco. Sua professora não lê monteiro lobato em sala de aula
e muito menos a aluna lê na sala de sua casa as estórias da boneca emília. No
Acre, o aluno conclui o ensino médio sem ter o domínio da leitura.
A
paisagem de Rio Branco transformou-se muito por causa do dinheiro público:
edificaram-se pontes, estádio, aeroporto; construíram-se estradas, avenidas.
Esse mesmo dinheiro, no entanto, foi incapaz de ensinar aos alunos do ensino
fundamental a ler. Não saber ler,
entretanto, não atrasará, segundo nossos políticos, o nosso desenvolvimento
econômico, não é mesmo? Rio Branco não irá parar por causa de alunos que não
sabem a diferença entre Machado de Assis e a ração de um boi. A capital irá se
avolumar do mesmo jeito. A Expo-Acre gerará mais de R$ 100 milhões para poucos.
Na foto guardada em casa, Maria de Jesus dos Santos da Silva, de 11 anos, está
ao lado de um boi Nelore. Seu pai não sabe ler. Em 2009, os homens públicos
deixaram no Acre 15,4% de analfabetos, o maior índice do Norte. Se a riqueza
econômica irá nos redimir e se a miséria cultural nos resignará, para que serve
mesmo a bienal do livro?
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