quarta-feira, março 07, 2007

No dia das mulheres, eu quero a minha mãe


Texto completo, publicarei no domingo por meio da TRIBUNA

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Mulheres do lar lutam por seus direitos,
de Aldo Nascimento

Mulheres americanas que trabalham em casa reivindicam o que feministas acreanas rejeitam: o serviço familiar. Elas querem que os anos dedicados aos filhos, aos maridos e aos pais idosos sejam contabilizados na hora da aposentadoria. Um pouco atrasadas, isso ocorre há anos na Europa.
O sistema de previdência do governo dos Estados Unidos não reconhece o trabalho de donas-de-casa para fins de aposentadoria. Elas só podem contar com poupanças privadas e com parte dos benefícios de seus maridos.
Mulheres que tenham permanecido casadas por mais de dez anos têm direito à metade da quantia paga pelo sistema de seguridade social a seus ex-maridos. Mas, se não fizerem um acordo na hora da separação, perdem o direito às poupanças e aos planos empresariais.
Muitas, então, acabam tendo de entrar no mercado de trabalho para viver. Mesmo assim, por elas começarem a trabalhar tarde, várias jamais atingem o tempo mínimo necessário para recolher a aposentadoria empresarial.
Confirma-se, assim, uma desigualdade entre homens e mulheres. O Instituto de Pesquisa de Políticas para as Mulheres reconhece isso e uma de suas propostas para diminuir a desigualdade entre maridos e esposas, entre os trabalhadores e as trabalhadoras, é a criação de um “crédito de serviço familiar”, igual ao modelo europeu.
Esse crédito poderá ser oferecido a mulheres que deixam a força de trabalho para tomar conta das crianças, para cuidar dos maridos e para tratar dos parentes idosos.

Cuidar da casa
No Brasil, as donas-de-casa têm direito à aposentadoria desde a Constituição de 1988, porém o benefício ainda é muito pouco usado, menos de 1%. Mas, assim como as americanas, as brasileiras não recebem nenhum crédito extra pelos anos dedicados à criação dos filhos ou a pais idosos.
Essa remuneração às mulheres que se dedicam ao lar na condição de mães e de esposas deu seus primeiros sinais no final do século 19, na Europa. É o chamado “maternalismo feminista” ou “feminismo maternal”.
Esse pensamento, porém, recebeu a indiferença de mulheres que lutavam pelos direitos iguais aos dos homens. As falas da feminista alemã Käthe Schirmacher não ecoaram no Brasil, no Acre. Para essa mulher, o trabalho doméstico representa um trabalho que “cria valores”.
“Não existe trabalho mais ‘produtivo’ do que o da mãe, que, sozinha, cria o valor dos valores, que se chama um ser humano”, disse Käthe em 1905, na Liga das Associações Femininas Progressistas.
Para Gisela Bock, ex-professora no Instituto Universitário Europeu (Florença), Käthe Schirmacher “protestou contra essa exploração da dona-de-casa e da mãe, argumentando que as mulheres, em nome de sua emancipação, não deveriam ter ainda de suportar a exploração acrescida de um emprego mal pago, mas que a sociedade lhes devia o reconhecimento social, político e econômico do seu trabalho doméstico”.
Por ter vivido na França, Käthe encontrou essas idéias na década de 1890. Mas antes, em 1878, em Paris, no Congresso Internacional dos Direitos das Mulheres, foi exigido que os municípios apoiassem as mães pobres durante um período de 18 meses.
“Em 1892, a primeira conferência de mulheres a autodenominar-se ‘feminista’ sublinhou a necessidade da proteção social para todas as mães”, escreveu Gisela Bock em História das Mulheres, volume 5.

Nega-se a família
Nos finais dos anos 20, mulheres, uma minoria, rejeita o feminismo maternal em nome dos direitos iguais entre homens e mulheres. A família passa, com isso, a ter menos importância.
Na segunda metade do século 20, esse feminismo ausentou-se praticamente, porque as mulheres consideraram mais fácil conseguir a emancipação pelo trabalho assalariado e pela redistribuição de responsabilidade no seio do casal.

A identidade materna
N
o início do século 21, estudos e pesquisas, elaborados por feministas, retomam as idéias de Käthe Schirmacher. O feminismo maternal voltou à luz.
Professora emérita da Universidade de Provence, Yvonne Knibiehler publicou Quem cuidará das Crianças? Se Simone de Beauvoir (1908-1986) estivesse viva, jamais leria o livro. A companheira de Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi útil a mulheres que desejavam direitos iguais entre elas e os homens; Yvonne, no entanto, discordou de Beauvoir.
“Em seu livro, O Segundo Sexo, ela definiu a maternidade como obstáculo à vocação humana de transcendência”, e conclui Yvonne. “A minha relação com as crianças que ponho no mundo é feita também de inteligência, e é precisamente isso que abre a possibilidade de uma superação, de uma transcendência.”
Para essa historiadora, o feminismo precisa, antes de mais nada, repensar a maternidade, a família, a importância da mulher no lar. A violência contra mulheres de classes sociais mais pobres deve-se também a uma concepção de feminismo que destruiu a representação simbólica da casa. A mãe é menos que uma trabalhadora. O escritório da secretária, menos importante que o lar.
Assim, ocupando funções que antes pertenciam somente ao sexo masculino, a mulher pensou que tivesse tirando o poder do homem. Para a autora de Quem cuidará das crianças?, sair de casa para trabalhar no escritório nunca foi suprimir a dominação masculina nem mesmo a atenuou. “As feministas apenas obrigaram que a dominação mudasse de lugar”, provoca Yvonne Knibiehler.
A mulher na política não eliminou ou enfraqueceu a dominação masculina, porque tamanha dominação fecunda-se na representação simbólica. Mulheres podem jogar futebol, mas o jogo, criado por homens, mantém-se o mesmo. A estrutura, a mesma. Ela pode ocupar os sindicatos, porém a estrutura sindical permanece patriarcal ou “machista”. A questão, portanto, não é ocupar os espaços dos homens, mas transformar o conceito de estrutura.
Como escreveu Françoise Thébaud no livro História das Mulheres, o século 20, “a mulher necessita de uma evolução da simbólica do poder e bem poderia vir a modificar o modo como este poder se exerce”.

Retorno ao lar
O clichê “as mulheres estão ocupando seus espaços na sociedade”, proferido por feministas acreanas, caducou. Oriana White, psicóloga e pesquisadora do comportamento humano da Universidade de São Paulo (USP), constatou em sua pesquisa que as mulheres estão voltando seus desejos para a vida em família. “Elas querem uma rotina mais simples, com maridos e filhos por perto”, diz Oriana.

Uma breve entrevista

Publicado em 1997 e editado no Brasil três depois, o livro A Terceira Mulher – permanência e revolução do feminino -, de Gilles Lipovetsky, emudece as banalidades de muitas feministas. Essa obra, portanto, leitura obrigatória para que saiamos do óbvio. Pensando nisso, esta breve entrevista com o autor mostrará um pouco de seu pensamento nesse provocante livro.

Em seu livro, constata-se que a mulher ocupou o espaço na sociedade pós-industrial?
A resposta em uma entrevista é insuficiente. Busco responder a isso em 305 páginas e aqui é impossível em poucas linhas. Entretanto, o que posso afirmar é que o homem permanece prioritariamente associado aos papéis públicos e “instrumentais”, a mulher, aos papéis privados, estéticos e afetivos. Quero dizer com isso que, longe de operar uma ruptura absoluta com o passado histórico, a modernidade trabalha em reciclá-lo continuamente.

Quando o sr. diz “reciclar”, isso significa a tradição revista pelo moderno?
Sim, a terceira mulher conseguiu reconciliar a mulher radicalmente outra e a mulher sempre recomeçada.

A mulher não deixou o lar?
Elas continuam mantendo relações privilegiadas com a ordem doméstica, sentimental ou estética, e não é por simples peso social, mas porque essas relações se ordenam de tal sorte que já não entravam o princípio de livre posse de si e funcionam como vetores de identidade, de sentido e de poderes privados.

O que o sr. pensa sobre o feminismo?
O feminismo como movimento social está marcando passo.

Por quê?
Nesse caso, melhor ler o livro.







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