domingo, julho 08, 2012

Tear. Teor. Teatro

Na peça, o suicida não consegue se livrar de si mesmo 
No palco, o suicida não é a cópia do real

Em Rio Branco, os bons filmes são escassos; e as peças de teatro, raras.



Na sexta, dia 6, meus olhos tocaram no que o realismo rejeita: o sensível. 

Em uma cidade onde cultura é ir à Expo-Acre, a peça Instantâneos ofertou a mim a vida transfigurada por meio de gestos, de cores, de som, de formas.

Na sexta, saí da realidade, fatigada de objetos, de matéria, de utilitarismo, de banalidade, para sentir a presença de outro ambiente, o da representação.

Ver o mundo como ele se apresenta, isto é, vê-lo em sua condição de superfície ou de aparência, é limitar-se à matéria fixa, à ordem domesticada das coisas, dos objetos.

Um suicida na calçada da Avenida Ceará não sensibiliza quem passa a seu lado. Sua face de moribundo, seu passo cambaleante e sua fala solitária não só são indiferentes aos seus "semelhantes" como sua loucura de matar-se enfeia o trânsito da cidade. 

Nesse realismo, o suicida é coisa, objeto, obstáculo, impedimento de qualquer ato de comoção. 

A matéria por si não sensibiliza. No máximo, o suicida irá atrapalhar o trânsito e, dessa forma, virar notícia em página policial.

Poderia dizer Drummond que...

prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Na peça "Instantâneos", instaura-se a desordem porque no palco pulsa o estranho, o confuso, a inadequação. Não vemos, portanto, a cópia da realidade.


"Eu não estou entendendo", diz alguém a si mesmo.

Depois, aos poucos, nenhum pouco objetivo, entende-se, e o suicida no palco nos comove, nos toca. E não menos: afeta-nos.

O teatro, com o seu poder das formas,        re-apresenta o suicida, agora, mistificado, isto é, transfigurado, isto é, livre da matéria fixa, livre da condição de coisa, livre do realismo da Avenida Ceará.

Saio do teatro mais humano.  
  
 

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