Na peça, o suicida não consegue se livrar de si mesmo |
No palco, o suicida não é a cópia do real |
Em Rio Branco, os bons filmes são escassos; e as peças de teatro, raras.
Na sexta, dia 6, meus olhos tocaram no que o realismo rejeita: o sensível.
Em uma cidade onde cultura é ir à Expo-Acre, a peça Instantâneos ofertou a mim a vida transfigurada por meio de gestos, de cores, de som, de formas.
Na sexta, saí da realidade, fatigada de objetos, de matéria, de utilitarismo, de banalidade, para sentir a presença de outro ambiente, o da representação.
Ver o mundo como ele se apresenta, isto é, vê-lo em sua condição de superfície ou de aparência, é limitar-se à matéria fixa, à ordem domesticada das coisas, dos objetos.
Um suicida na calçada da Avenida Ceará não sensibiliza quem passa a seu lado. Sua face de moribundo, seu passo cambaleante e sua fala solitária não só são indiferentes aos seus "semelhantes" como sua loucura de matar-se enfeia o trânsito da cidade.
Nesse realismo, o suicida é coisa, objeto, obstáculo, impedimento de qualquer ato de comoção.
A matéria por si não sensibiliza. No máximo, o suicida irá atrapalhar o trânsito e, dessa forma, virar notícia em página policial.
Poderia dizer Drummond que...
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Na peça "Instantâneos", instaura-se a desordem porque no palco pulsa o estranho, o confuso, a inadequação. Não vemos, portanto, a cópia da realidade.
"Eu não estou entendendo", diz alguém a si mesmo.
Depois, aos poucos, nenhum pouco objetivo, entende-se, e o suicida no palco nos comove, nos toca. E não menos: afeta-nos.
O teatro, com o seu poder das formas, re-apresenta o suicida, agora, mistificado, isto é, transfigurado, isto é, livre da matéria fixa, livre da condição de coisa, livre do realismo da Avenida Ceará.
Depois, aos poucos, nenhum pouco objetivo, entende-se, e o suicida no palco nos comove, nos toca. E não menos: afeta-nos.
O teatro, com o seu poder das formas, re-apresenta o suicida, agora, mistificado, isto é, transfigurado, isto é, livre da matéria fixa, livre da condição de coisa, livre do realismo da Avenida Ceará.
Saio do teatro mais humano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário