A 24ª fase da Lava Jato é chamada
pela Polícia Federal de Operação Alétheia, que na escrita grega é άλήθεια. Os romanos a traduziram como veritas, que se transformou para nós,
falantes da língua portuguesa, em verdade.
Por causa da tradução, alétheia perdeu seu sentido original. Isso,
entretanto, não exclui a busca de entender um pouco a diferença entre a verdade
grega e a verdade latina.
No
jornal impresso, no telejornalismo e nas redes sociais, logo se propagou a
ideia de que alétheia é “busca da
verdade”; porém, se é “busca da verdade”, giramos em círculo ou substituímos
seis por meia dúzia, porque o sentido de alétheia
se prende ao que nossa cultura entende como verdade. Herdamos dos romanos o
entendimento de verdade, entendimento esse que tem como estrutura o direito
romano, isto é, a verdade que herdamos do Império Romano vincula-se ao “fato
objetivo”, “ao real em si”, “ao que está exposto às claras”. O direito precisa
de provas, e as provas são o fato. A verdade do senso comum, que tem como
estrutura o mundo jurídico romano, é o fato. Outra compreensão de verdade
segundo a língua latina é a qualidade daquele que faz o que diz e que diz o que
faz, isto é, a palavra dita só é verdadeira se a palavra se materializa
enquanto fato, enquanto realização.
Para
os gregos, contudo, verdade não é isso, por isso alétheia, que significa “não esquecimento”. Ora, se alétheia é “não esquecer”, é porque um
dia a alma esqueceu e esqueceu porque algo está coberto, velado (lethe). Alétheia é também “des-cobrir, não ocultar”, mas a verdade grega é o
momento em que o des-coberto emerge do encoberto. Essa é verdade originária:
junção desveladora do encoberto com o seu aparecer, alétheia ou des-cobrimento que irrompe desde o velamento, junção do
aparecer com o encoberto.
Bem
diferente da verdade romana, a verdade grega não é o fato, mas a interseção
entre o claro e o escuro, quer dizer, para o grego, a verdade não é a luz solar
em si e nem a luz lunar em si, mas a junção entre as duas, podendo ser representada
pela luz do pôr do sol. Há um belo livro de Guy Van de Beuque que pensa essa
questão, Experiência do nada como
princípio do mundo.
Até
aqui, eu disse que alétheia é a
verdade segundo os gregos. Incorreto. O filósofo Gilles Deleuze tem a ideia de
“consistência de conceito”, isso significa que o conceito de verdade, por
exemplo, depende de cada filósofo. Sendo assim, a verdade pensada por
Aristóteles não está na ideia de alétheia. Quem a pensa é Platão na bela obra Fédon.
A
Polícia Federal, por meio da Operação Alétheia, trouxe Platão a nós, caindo
perfeito para Luís Inácio Lula da Silva e para o PT. E por que perfeito? Porque
ambos se esqueceram de suas origens. Mais: eles se esqueceram de que uma das
causas de Lula ter sido obrigado a depor na Polícia Federal encontra-se em um dos
nomes do próprio partido: Delcídio do Amaral, cuja voz foi gravada pelo filho
de Nestor Cerveró em uma reunião onde Delcídio busca comprar o silêncio de
Nestor. E quem colocou Delcídio no governo de Dilma Rousseff? Quem ordenou
Delcídio comprar Nestor Cerveró? Lula e os militantes do PT se esqueceram, mas
Delcídio não se esqueceu. Será que o senador petista leu Platão?
Aldo
Bourdieu é professor
de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.
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