Ângela Vieira |
Lembro-me
ainda de minha avó aos 60 anos. Senhora de idade sem o aroma do erótico, ela
era a imagem de quem não sentia mais desejo por nenhum homem - a não ser pelos
netos -, mesmo porque não despertava mais nenhum. Aparentando ter saído de algum conto de fadas
de Charles Perroult (1628-1703), a minha Esther representava o modelo clássico
da vovó: o da censura, o da moral rígida. Inimaginável ela falar de prazer, de
sexo, de gozo. Depois dela, outras vovós vieram para ler contos clássicos de
fadas; porém, diferentes de minha avó, elas agora encantam homens mais novos. Essas
vovós ainda podem até cuidar dos netos; mas, na intimidade, são os homens os
seus bebês.
Se
Esther representou para uma época o final de uma vida, a vovó do século 21
deseja intensamente viver o corpo e a mente por meio de encontros que a
potencializem ou, como diria o filósofo Espinosa (1632-1677), deseja “encontros
alegres”, porque, embora não possa evitar a morte, ela pode chegar aos 60 anos com
uma vida para ser amada para além do quartinho do neto. Vovó quer ser devorada
pelo lobo bom, e digo bom porque uma mulher sexagenária, uma vez bem madura,
não vê só a boa aparência da “fruta”, mas deseja uma suculenta alma a fim de
provar a essência. Uma mulher madura, quando madura mesmo, não quer o corpo
pelo corpo, pois ela viveu muito para saber que inteligência, bondade,
compreensão, ternura, preliminares, verdade, por exemplo, são ótimos para
temperar a carne. Seu paladar é apuradíssimo. O sabor do gozo após os 60 anos assemelha-se
ao divino, pois, afinal, ela, a vovó, é divã – deusa que deixa as mortais de 20
aninhos insossas.
Por
isso e por muito mais, o orgasmo pós-60 anos jamais é vulgar, visto que o
vulgar é fácil como é fácil destruir objetos, e a vovó soube muito bem preservar
a idade-corpo e a idade-mente, não se deixando competir com uma adolescente. A
vovó se reconhece como não adolescente, não engana sua idade; ela só preserva,
na justa medida do tempo, o charme, a elegância, como se fosse brisa que
preserva o sutil movimento. Mais: ela seduz porque também pulsa nela, em sua
alma, o vigoroso tempo vivido das perdas, das alegrias, das derrotas, dos que
se foram antes dela. Por causa disso, ela tem muito a dizer com a calma que o
tempo exigiu dela. Nada em sua idade é apressado: chegar ao orgasmo e levar o
outro a ele é movimento suave de que quem adquiriu sabedoria, mas também é
explosão sexogenária de quem grita pela vida por causa de alegres
encontros. Sexagenária era a minha avó.
Os
rígidos sentenciarão que essas vovós são imorais, mas eu pergunto, pergunto e
pergunto: a rigidez é valor supremo para a vida? será a vida, a vida em si,
rígida? se for rígida como declara a rigidez dos moralistas, por que a vida se
renova? o que é rígido ou inflexível renova-se? a beleza da vida não será por
causa de ela ser divino movimento, divina inconstância?
As
atrizes Eliane Glardini (64), Ângela Vieira (62) e Bruna Lombardi (62) - só
para ofertar três sensuais exemplos -, caso sejam avós, devem contar estórias à
noite para seus netos, mas essas vovós, que não são rígidas, vivem mais e mais quando
seus “bebês” sorriem ao embalo de sussurros ou de gemidos ao pé do ouvido, à
sombra daqueles que secam a vida com rigidez.
Aldo Bourdieu (língua.portuguesa@uol.com.br) é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.
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