terça-feira, junho 13, 2006

Josafá e suas matérias

Reviso textos jornalísticos há quase dez anos no Acre e, poucas vezes, meus olhos leram uma escrita singular, acima do comum, dos clichês. A imprensa acreana é enfadonha.
Josafá Batista, esse acreano de família simples, que sempre estudou em escola pública, foge aos clichês quando assim deseja. Há textos desse repórter que me lembram a repórter Neide Duarte, da TV Cultura, por causa de sua abordagem humana, intimista.
Na condição de mero revisozinho da TRIBUNA, eu não me sinto um estúpido quando leio certos textos de Josafá Batista, por exemplo, este:
Mães sem companheiros chefiam 19,5% das famílias acreanas
Josafá Batista
Com um aprendizado escolar suficiente para fazer cálculos matemáticos e assinar o próprio nome, Maria Auxiliadora Silva da Cunha, de 33 anos, é um exemplo típico da rio-branquense da última década.

Assim como 19,5% (53.995) das mulheres acreanas, ela cuida sozinha dos filhos e ainda arranja tempo para trabalhar fora. Auxiliadora tem seis filhos, que cuidam uns dos outros quando ela está fora.

O diagnóstico da situação social da mulher acreana foi divulgado pelo IBGE por meio do Sistema Nacional de Informações de Gênero. Os números incluem também os demais estados.

No caso do Acre, as “auxiliadoras” são realmente maioria: mesmo com a redução do analfabetismo em todas as faixas etárias, elas têm baixa instrução escolar, muitos filhos e salários baixos.

Mas há mais. Há histórias individuais que a pesquisa não contabiliza, como o próprio caso de Maria Auxiliadora. Abandonada pelo marido há dois anos, ela começou uma batalha judicial para conseguir a pensão das crianças.

“Ele disse que prefere ir para a cadeia do que pagar. Eu me arrependo muito de ter vivido com ele. Se tivesse que escolher criar meus filhos desde o começo sozinha, teria preferido assim”, revela.

Auxiliadora trabalha meio período como doméstica e ganha um salário mínimo.

Moradora da Travessa Baguari, no bairro Taquari, essa acreana é cercada por uma realidade que impede qualquer possibilidade de ascensão profissional, como exige o mercado moderno.

O pouco dinheiro que ganha é gasto com a feira do mês anterior, com impostos e com alguns gastos das crianças. Entre as vizinhas, a situação é parecida. Em comum, só as crianças na escola e a realidade dura, diária e impositiva. A família não pode escolher deixar de comer.

De acordo com o IBGE, a contribuição dos salários das mulheres para o sustento das famílias acreanas aumentou entre 1991 e 2000. A variação foi de 7,8%. O número, porém, inclui mulheres com e sem companheiros.

Mão-de-obra barata e disponível
Uma redução drástica nos índices de analfabetismo em nove anos, entre mulheres e entre homens, não surtiu o esperado efeito de melhorar o acesso ao mercado de trabalho. Pelo menos entre as mulheres. Segundo a pesquisa, as trabalhadoras acreanas somam 128.097, sendo 26.743 empregadas domésticas, mas a média dos salários caiu entre 1991 e 2000.

Hoje, uma acreana ganha em média R$ 226,38, menos de um salário mínimo. Em 1991, a média salarial era de R$ 255,5. A desvalorização é explicada pelos economistas como um excesso de mulheres de baixa renda no mercado, problema oriundo do grande número de filhos - que obriga os empregadores a pagar gratificações e extras - e da alta informalidade em diversos setores.

Nas famílias chefiadas por mulheres e que ganham até meio salário mínimo, há em média 3,7 filhas. O número caiu em relação a 1991, quando era de 3,8 filhas.

Dos 15 aos 17 anos, 90,1% das mulheres chefes de família se disseram brancas.

Uma vida de sacrifícios
Maria Auxiliadora Silva da Cunha teve o primeiro filho aos 18 anos. Em sua casa, no bairro Taquari, a doméstica respondeu a uma curta entrevista. Estava apressada. Queria sair para o trabalho, de onde retira o sustento diário dos seis filhos. Leia.

Valeu a pena ter se casado?
Se tivesse que escolher, eu não me casaria. Só agradeço a Deus pelos meus filhos, que são a minha razão de viver. Amo muito todos eles e cuido de todos com carinho, mas, do marido, não gosto. Ele nunca ajudou em nada.

Como assim não ajudou em nada?
Ele trabalhava e ganhava algum dinheiro, mas nunca me dava nada nem comprava coisa alguma para as crianças. Quem fazia tudo era sempre eu. Então, achei melhor acabar o casamento, não adiantava nada. Hoje, eu sou pai e mãe das crianças.

Como a senhora faz para cuidar dos seis e ainda trabalhar fora?
Dá-se um jeito. Como eu trabalho só à tarde, pela manhã, eu fico em casa cuidando de todos e, durante a tarde, coloco alguém pra cuidar deles. Pago R$ 50 só para ficar olhando. Não é muito, mas não posso pagar mais, mas, na maior parte do tempo, eles cuidam uns dos outros.

Quantos estudam?
Todos, menos o mais novo, que ainda não tem idade para estudar. Tem só quatro anos. O mais velho tem 13.

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