terça-feira, maio 30, 2006

Frei Betto testemunha desmoralização da esquerda no poder

MICHAEL LÖWY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Como se sabe, o autor deste belo ensaio sobre o papel corruptor do poder -a picada da "mosca azul" do titulo- é um dos mais importantes teólogos da libertação e um "companheiro de caminhada" do Partido dos Trabalhadores. Se eu não aderi, explica ele com ironia, é porque temia que os partidos reproduzissem os vícios das igrejas.
É com nostalgia que ele se lembra do PT que conheceu anos atrás, o partido do trabalho de base, do sonho socialista, do orgulho de ser de esquerda, da luta pela reforma agrária e contra o pagamento da dívida externa.
Insensivelmente, no curso dos anos 90, o PT foi se distanciando tanto dos movimentos sociais como de seus objetivos institucionais, para privilegiar as posições de poder. Betto atribui essa mudança em grande parte à queda do Muro de Berlim, que teria obscurecido o horizonte utópico do PT e sua perspectiva socialista.
É o único argumento do livro que me parece discutível: a maioria dos quadros do PT -em suas diferentes sensibilidades- nunca teve por referência ideológica principal os assim chamados "países do socialismo real". Aliás, em 1990, um ano depois da queda do muro, por ocasião de seu congresso, o partido aprovou um documento, "O Socialismo Petista", que reafirma, da forma a mais categórica, o compromisso anticapitalista e socialista do PT.
Em todo caso, Frei Betto, como a grande maioria da população brasileira, e os militantes e simpatizantes do PT em particular, recebeu com grande entusiasmo a vitória de Lula nas eleições de 2002.
Nesse contexto é que ele aceita organizar, com um outro amigo de Lula, Oded Grajew, a mobilização social no quadro da grande iniciativa do novo governo, o programa Fome Zero. Dois anos mais tarde, desencantado, ele se demite: "Quando me dei conta", escreve, "de que o barco não ia na direção prevista, mas em sentido contrário, não tive outra escolha senão deixar ali minhas bagagens e mergulhar no rio...".
Segundo Betto, o governo ensaiou algumas políticas sociais inovadoras, mas, no essencial, ficou refém das elites e dos mercados financeiros. Resultado: "Um pequeno núcleo dirigente do PT conseguiu em poucos anos o que a direita não obteve em décadas nem nos anos sombrios da ditadura: desmoralizar a esquerda".
Pior do que as maracutaias é ver o medo, frente às injunções dos banqueiros, vencer a esperança. O que aconteceu? A sede de poder -a "mosca azul"- e a adaptação à religião do mercado conduziram à perda de perspectiva estratégica e ao desmoronamento do horizonte histórico. A mística se tornou máquina.
O poder deixou de ser um instrumento de mudança social para se tornar - como o havia previsto Robert Michels em sua clássica obra sobre os partidos políticos de massas- um fim em si. E os dirigentes políticos, acavalados no poder, se tornaram amnésicos, fugindo de suas próprias palavras anteriores como o Diabo da cruz.
Em um dos comentários mais importantes do livro, Betto constata: "A política amesquinha-se quando perde o horizonte utópico". E agora, José? Convencido de que o capitalismo é intrinsecamente incapaz de construir um mundo de justiça e de liberdade, Betto se dispõe a recomeçar. Um outro mundo é possível, e devemos chamá-lo por seu nome: socialismo.
Na luta por esta nova sociedade, é legítima e necessária a convergência entre marxistas e cristãos, porque a divisão da sociedade não se dá entre crentes e não-crentes, mas entre opressores e oprimidos... Um livro que testemunha ao mesmo tempo a profunda crise que atravessa a esquerda brasileira e o obstinado engajamento ético e político do autor.

MICHAEL LÖWY é autor de "Walter Benjamin, Aviso de Incêndio" (Boitempo, 2005) A MOSCA AZUL: REFLEXÃO SOBRE O PODER Autor: Frei Betto Editora: Rocco Quanto: R$ 32 (317 págs.)

O Pobre

Essa boca grita "gooooool!!!" na final da Copa. Brasil consegue a sexta estrela, mas seu brilho não se encontra no céu dessa boca.

Os Ricos

"Junto à"

"Estava em negociação junto ao Banco do Estado."

Evite essa construção. O correto é "estava em negociação com o Banco do Estado".