segunda-feira, junho 16, 2008

A pornografia de Nelson Rodrigues


De Aldo Nascimento

Entre os dez livros da Universidade Federal do Acre, a tragédia de Nelson Rodrigues, Álbum de família, foi ótima escolha. Alunos do terceiro ano do ensino médio precisam ler esse autor caso queiram ingressar na faculdade. Jovens nunca acessaram tanto a obscenidade como hoje, por isso a leitura de Álbum de família, que dramatiza as reais intenções da devassidão.

O mundo hodierno retirou a pornografia das sombras ou dos cantos obscuros das ruelas para exibi-la à luz do cotidiano aos tolos com “senta que é de menta”. Ora, se debruçamos nossos olhos sobre as linhas de um ótimo livro, é para perdermos a inocência, diz Jean-Paul Sartre no livro Que é a literatura?. Ler Álbum de família significa, portanto, perder a condição de tolo para perceber a real intenção da pornografia, qual seja: violar o sagrado.

Sobre o móvel da sala, o álbum pertence à aparência de uma família rica. Jonas, de 45 anos, o pai, vaga semelhança com Jesus, é candidato ao Senado. Situada na década de 20 do século passado, a imagem dessa família rica precisa ser preservada pelo speaker, a fala da compostura, da superfície, das aparências, mas o teatro, artifício dionisíaco, nos liberta da aparência de um álbum quando D. Senhorinha conta ao marido quem foi seu amante. Jonas mata o jornalista Teotônio. D. Senhorinha, entretanto, mentiu para ocultar a verdade. Seu amante, verdadeiro e único, um garoto de 13 anos, ele: seu filho Nonô.

Por causa desse incesto, a cria de D. Senhorinha cai no abismo da desgraça, passando o resto da vida nu em volta da casa. O ato de rodear a residência significa um ciclo que se repete sem gerar a vida. Nesse espaço circundante, nu como uma criança, Nonô, que não renasce para a vida, perpetua uma espécie de loucura, uma espécie de morte que ronda a família patriarcal de Jonas.

Tudo no texto de Nelson exala a morte, próprio da tragédia. D. Senhorinha mata o esposo para viver com Nonô, tamanha loucura não deixa de ser sepultamento. Edmundo, seu outro filho, a deseja, porém, quando descobre o incesto pela boca do pai, mata-se diante da mãe. Guilherme, filho mais velho, tem desejo carnal por Glória, caçula e lésbica; entretanto, como a irmã deseja o pai, Guilherme a mata e se mata.

Dessacralizada por sua pornografia, pelo excesso da carne, o corpo familiar se reduz a objeto. Impera, aqui, a matéria. Jonas submete meninas pobres à sua devassidão animalesca. “São umas porcas e eu também”, delira diante da esposa. Onde a carne é senhora absoluta, onde o naturalismo se alastra, comparando o humano a animal, a vida se coisifica. Sem poesia, sem existência espiritualizada, sem transcendência, a violência é inevitável. Tudo se brutaliza. “Mas o pai tem o direito. O pai até se quiser pode estrangular, apertar assim o pescoço da filha!”, diz Jonas à esposa.

Embora tenha escrito Álbum de família em 1945, Nelson é atualíssimo. Aprendemos com esse autor que a pornografia não é a exposição de imagens, opondo-se nesse sentido a Marques de Sade, mas uma trama que se opõe ao sagrado, ou seja, à sagrada família. ___________________________
Ronda Gramatical
Internet, internet ou internete?

Em jornais, registram-se as três formas. Usa-se “Internet” quando quem escreve admite o termo ainda como sigla. A LÍNGUA, entretanto, por ser móvel, altera-se, isto é, “internet” deixa de ser sigla para ser um veículo de comunicação, um substantivo comum, igual à palavra televisão, à palavra rádio. Na história da língua portuguesa, não há terminação com “t”. Por causa disso, escrevia-se Tibet, mas hoje se escreve Tibete. Escrevia-se “parquet”, hoje se escreve “parquete”. Escrevia-se “shoot”, hoje se escreve “chute”. Escrevia-se “report”, hoje se escreve “repórter”, mas antes se escrevia “reporte”. Por esses inquestionáveis exemplos, registra-se também “internete”. Por causa da LÍNGUA se transformar como se fosse organismo vivo, penso que os repórteres do jornal A TRIBUNA deveriam escrever “internete”.