sexta-feira, julho 23, 2010

Faltam 24 dias

Eu, esta individualidade contorcida, deformada por um grau saudável de anormalidade em sala de aula, leciono há 20 anos, talvez mais, porque, desde minhas 14 ou 15 primaveras, desejei pagar minhas contas com inquietude de lecionar.

Eu leciono para não morrer.

Em sala, quando o cansaço não me domestica, meus alunos percebem em mim a voracidade de lecionar. Minha palavra se rebela, ou seja, nela, pulsa o gesto livre de ler um livro ou de refazer textos. Não admito aula sem vida intensa. Meu palco, a sala.

Mas meu corpo já dá sinais de imperfeição. Um dor aqui. Uma dor ali. Há quase 14 anos na rede pública de ensino, não tirei sequer uma licença-prêmio. Preciso de mim para eu cuidar de mim. Partirei no dia 17 de agosto e, como a vida não é cálculo matemático, isto é, a vida é inexata como as nuvens, não sei quando retornarei.

Meus pais também precisam de mim. A imperfeição deles está bem exposta, muita mais do que a minha.

Já sinto saudade de meus alunos e de meus ex-alunos. Por causa disso, por causa de uma partida e de um retorno "não sei quando", tenho ficado nos corredores conversando com eles. Gosto de ouvi-los. Gosto de ouvir suas vidas.

Prometi a alguns deles que, pela manhã, antes de entrarem em sala, dedicarei poesias a cada. Sentados no banco do pátio, ouvirão Fernando Pessoa, Drummond, Chacal, Cazuza e outros tão desobedientes como a juventude.

No primeiro dia, dei a um deles estes versos de Fernando Pessoa:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
.

Um abraço fraterno em seus destinos!