sábado, novembro 25, 2017

Política. Estrutura. Escola. Gramática


De Aldo Tavares
            
            Lecionei no Acre durante 20 anos e percebi, nesse tempo, a escola pública antes e depois do Partido dos Trabalhadores no governo. Não voto no PT. Defendo nenhum partido. Defendo ideias. Então, se escrevo para afirmar que a educação acriana melhorou com o PT, é porque eu estava com meus alunos em sala de aula desde o governo de Jorge Viana.
            Em grego, cidade é “pólis”, a mesma raiz de (polí)tica, que significa “muitos, diversos, múltiplos”, ou seja, “pólis” tem a marca das diferenças, a marca de valores não semelhantes. Já a raiz grega “-tica” nos remete “ao que é comum, ao que deve ser igual a todos”. “Política”, portanto, é palavra com dois significados que se contradizem, quais sejam, unidade e multiplicidade. Buscar encontrar a unidade na multiplicidade, esse é o sentido original da palavra política.
            Embora seja um dos lugares em que as diferenças se manifestam por meio de comportamentos, por meio de ideias, a escola tem de buscar sua unidade, o que não significa excluir a multiplicidade da própria vida. Nesse sentido, a escola é política. Mas por que meio se manifesta a unidade-multiplicidade escolar entre a direção e o corpo docente? Antes dessa pergunta, deveria haver esta: por qual meio coloca-se o professor ou a professora na direção escolar?
            Faço essa pergunta porque, antes da relação entre direção e corpo docente, o diretor foi escolhido pela democracia escolar. Passei por várias escolhas democráticas e vi de perto o que é a democracia escolar na rede estadual acriana de ensino. E aí retorno à minha pergunta: por qual meio coloca-se o professor ou a professora na direção escolar? O menos atento responderá que é a democracia, ignorando que a democracia é estrutura. É por meio da estrutura que se escolhe um professor para estar diretor escolar.
            Por causa do limite de linhas, evidente que este artigo não é o espaço mais apropriado para pensar o conceito de “estrutura”, mas podemos afirmar que ele não tem nenhuma relação com formalistas russos, com superestrutura e infraestrutura do marxismo, com a obra “As estruturas elementares do parentesco”, de Claude Lévi-Strauss, ou relação com o belo livro “A reprodução”, de Pierre Bourdieu. O conceito de estrutura a que me refiro se enlaça com a segunda fase de Bourdieu, com o segundo Wittgenstein, com as páginas de “O aberto”, de Giorgio Agamben, quer dizer, sem nenhum vínculo com o mecanicismo, estrutura é o que a filosofia pensa sobre “movimento”, ou seja, é e não é, enfim: estrutura é abertura.
            A atual estrutura que organiza e movimenta as relações humanas no processo democrático escolar assemelha-se à democracia que vota em vereadores, deputados, isto é, a estrutura democrática escolar no Acre não permite qualificar o ensino público, porque ela é feita para não escolher o melhor professor para estar diretor. Como eu disse antes que a estrutura é aberta, pode ocorrer que em alguma escola ou em algumas escolas o voto escolha o melhor candidato à direção; isso não tem predominado, no entanto. A regra tem sido brigas, tumultos, xingamentos, interesses de grupo contra outros interesses de grupo, porque a estrutura, subjacente às falas e às relações humanas, permite que o tumulto e o superficial se manifeste, impedindo a presença de diálogos muito qualificados a fim de que problemas e soluções sejam pensados com elegância e profundidade.
            Pergunta-se: é regra na escola pública acreana haver diálogo entre candidatos a diretor sobre o aluno escrever bem? é regra entre candidatos nessa democracia escolar haver diálogo sobre prática de leitura em sala? é regra debate sobre sala de leitura? Pergunto porque pertence à natureza da escola ensinar muito bem o aluno a escrever e a ler. A democracia escolar hoje escolhe o melhor candidato para que o aluno escreva e leia bem?
            A mais absoluta ausência dessas perguntas na atual estrutura democrática teve como resultado, por parte da Secretaria de Educação do Acre, a retirada do estudo de gramática e, em seu lugar, gêneros textuais. Leciono Língua Portuguesa há anos, mas é a Filosofia que aprofunda a ideia de quanto a gramática é importante para escrever e ler bem. Se debates na escola não aprofundam problemas e soluções de escrita e de leitura, a secretaria retira da escola a gramática, o que é uma insanidade. Digo insanidade porque retirar a gramática da Língua Portuguesa assemelha-se a retirar os números da matemática, porque, assim com a matemática, gramática é estrutura. Em seu livro “Antropologia estrutural dois”, Claude Lévi-Strauss afirma na página 133: “a estrutura é o próprio conteúdo”. Ora, se ele escreve isso, é porque a base do antropólogo Lévi-Strauss é filosófica. Em “Mito e significado”, ele registra na página 23: “falar de regras e falar de significado é falar da mesma coisa”. Por si mesma, a Língua Portuguesa não tem como entender essa relação entre estrutura e conteúdo, ela precisa dialogar com a Filosofia.
            É o filósofo Jacques Derrida quem pensa o conceito de “desconstrução” e, uma vez pensado pela filosofia, ele é transferido para outras disciplinas, por exemplo, para a Língua Portuguesa. Eu disse “transferido”, e não “pensado” pela Língua Portuguesa. A ideia de o aluno não estudar gramática na escola é consequência da filosofia derridiana, só que o conceito de desconstrução na filosofia é deformado quando cai de paraquedas na Língua Portuguesa.
            Derrida pensa a desconstrução porque a gramática é extensão do “logocentrismo” e, como o pensamento derridiano busca o fluxo da escritura, ele pensa a desconstrução da gramática, ou seja, pensa a desconstrução do lógos. Isso, porém, não tem nada a ver com a exclusão da gramática. Desconstruir não é excluir a estrutura. E mais: a gramática só pode ser pensada por meio da metafísica, ou seja, sem a metafísica, não se entende a origem da gramática, que é, por meio de conceitos inerentes à metafísica, origem estrutural. Seu complexo livro “Gramatologia” pensa isso e mais bem mais.
            Não tenho dúvida de que o PT melhorou a escola pública. Em 2018, completam-se 22 anos de Partido dos Trabalhadores na administração estadual, quer dizer, nesse longo tempo, o PT qualificou o ensino público, mas 22 anos é tempo demais para qualificar pouco. O aluno na escola pública acriana ainda conclui o ensino médio sem ler e sem escrever bem. Já são 22 anos, e uma maioria de alunos termina sai da escola sem dominar, por exemplo, o uso da vírgula, conhecimento importantíssimo para organizar e desorganizar estruturas sintáticas. Já são 22 anos, e uma maioria de alunos do ensino médio se forma sem ter lido sequer um clássico de Filosofia, de Sociologia, de História, mesmo porque não existe a prática de leitura na escola pública. Já são 22 anos, e as escolas públicas acrianas não têm salas de leitura. Já são quase 22 anos.

sábado, setembro 09, 2017

Palocci, Lula e Platão


De Aldo Tavares

Com o depoimento de Antônio Palocci a Sérgio Moro em 6 de setembro deste ano, Lula conheceu o que é capaz de fazer um “amigo”. Palocci já abriu a boca contra Lula e Dilma e, bem mais do que falar, o Italiano tem provas e mais provas, farta documentação de quem foi o centro do poder durante o governo de Lula.

Para os luletes e as luletes, Palocci foi pressionado por Sérgio Moro e pelos procuradores para mentir. Para os fãs, só Lula é a luz, a verdade e o caminho, não passando Palocci de um réu que só quer diminuir seus dias na cadeia e, para tanto, o Italiano mente, mente e mente.

Um dia após a delação, Dilma Rousseff disse em nota que “Palocci mente e ágio pago pela Odebrecht prova sua ficção”. Lula declarou que “Palocci é meu amigo, uma das maiores inteligências políticas do Brasil. Ele tá trancafiado, mas não tenho nenhuma preocupação com delação dele”.

Quem mente? A palavra “mentir” significa “esconder”. Dessa vez, Palocci assumiu que é o Italiano, ou seja, ele não se esconde mais, colocando-se como corrupto. Palocci assumiu a sua corrupção. Nesse sentido, ele não mente, porque não se esconde mais, quer dizer, ele não mente. Quanto a trair Lula para diminuir seu tempo de prisão, é bom lembrar que a delação não se limita à fala, são necessários os devidos documentos. Palocci já afirmou que os tem. O Italiano, enfim, não só abriu a boca contra Lula e Dilma como também abriu a boca contra ele mesmo. Palocci traiu os governos do PT e, mais do que isso, ele traiu a ele mesmo. 

O que dizer de uma pessoa que se diz corrupta? Podemos dizer que ela fala a verdade, porque ela não só coloca Lula como se coloca como corrupta. Quem dirá que Palocci não diz a verdade quando ele tem provas contra ele mesmo? No entanto, luletes e dilmetes dizem que só os seus mitos falam a verdade. Mas o que é a verdade? A verdade é o que é visto, é o que se apresenta aos olhos, ou seja, a verdade é o real. Só Lula e Dilma são reais, eles não traíram a esquerda e nem o Brasil. Eles falam a verdade.


Mas o que é o real? Ora, segundo Platão, o real é aparência, quer dizer, não podemos confiar nela porque não podemos confiar nos sentidos, sempre enganosos; porém não há outro meio de acesso ao real senão pelos sentidos. Assim, os sentidos, que são enganosos, sempre escondem algo do real, por isso que em A República Platão afirma que o real é mentira, mas mentira nobre, em outras palavras, por ser nobre, a mentira diz ser verdadeira. 

O traidor encontra-se na instância da mentira nobre, não podendo ser (des)coberto no espaço público à luz do dia, podendo ser (des)coberto somente no espaço do íntimo - como no filme Coração Valente – ou ele, a público, dizendo e provando ser traidor, como o caso de Palocci.

Enquanto Lula não afirmar publicamente que é traidor da esquerda e da Nação, luletes o defenderão. Entretanto, caso Lula assuma sua culpa, seus fãs ainda pedirão provas e, caso ele as apresente, ainda dirão que Lula as forjou. O real é patológico.