quinta-feira, outubro 11, 2007

Pai

Há alguns dias, soube que meu pai teve um ataque cardíaco. Quase faleceu. Ruim ficar longe da família em momentos assim. Não houve, entretanto, necessidade de eu ir, porque tudo foi contornado.

Houve muitos problemas entre nós, mas aprendi com ele que o abuso é palavra que não se cultiva, porque, uma vez plantada, não semeia bons frutos. Aprendi com ele pisar o árido limite.

Lembro-me de minha tia-avó. Na sala de sua casa, havia muitos brinquedos, mas, com alguns, não podíamos brincar. Mais tarde, seus netos aprenderam a não ultrapassar também os limites.

Há pessoas vertiginosamente abusadas e usam "certas brincadeiras", talvez, não sei, para testar a paciência de alguns, a minha. Creio que boas amizades não se sustentam por meio do abuso, porque, com ele, o abuso, estende-se a vulgaridade.

Ronda Gramatical

Em Vírgula, de Celso Pedro Luft, página 49, o autor coloca três exemplos:

1. O aluno, todavia, nada respondeu.

2. O professor repetiu a explicação, todavia os alunos continuaram com dúvidas.

3. O professor repetiu a explicação; todavia, os alunos continuaram com dúvidas.

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Nas redações escolares, usa-se muito o "mas", não havendo a construção (3). Além do conteúdo, a forma de escrever marca a diferença. Em uma redação, a construção é tão importante quanto o conteúdo.

Um texto deve ter cadência.

Onde está a realidade?

Hoje, quando deixei a sala de aula, pensei sobre a atualização deste blog. Alguns alunos tinham apresentado um trabalho oral sobre conceitos do romantismo, do simbolismo e do arcadismo. Não somos que temos o juízo de um conceito, mas, antes de nós, o conceito emite juízo sobre a vida.

Por que o simbolismo retorna com a idéia de sagrado? Preciso pôr os pés nessa morada para, uma vez nela, perceber que a palavra me acolhe. Quando Winston é submetido à reeducação de O'Brien, este afirma que a realidade não é externa, que a realidade só existe no espírito humano.

Por causa disso, O'Brien diz que "o Partido não se interessa pelo ato físico, é com os pensamentos que nos preocupamos. Não apenas destruímos nossos inimigos; nós os modificamos".

Essa modificação atravessa o espírito por meio dela: a palavra. No romance de George Orwell, "1984", a palavra não tem apenas significado, mas, além de tudo, função social, qual seja: modelar o espírito humano para ele ver a realidade. Só existe realidade porque nós a nomeamos.

Em "1984", o personagem Syme, na condição de filólogo, é o responsável pela publicação da Décima Primeira Edição do Dicionário da Novilíngua, menção à 11ª tese contra Feuerbach:

"Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo."

Por meio de seu dicionário, Syme transforma a mente-palavra das pessoas. Como ele mesmo diz, "é lindo destruir palavras", isto é, é lindo destruir a realidade nomeada.

Ora, a etimologia nietzschiana sabe que não há "sentido original". As palavras, segundo o autor de Genealogia da Moral, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõe uma interpretação.

Por essa trilha bibliográfica, penso que a Literatura na escola tem a função político-ideológica de desalienar a palavra, de curá-la da enfermidade vulgar das ruas.

O que significa o sagrado em nossas vidas? Vou ao romantismo ou ao simbolismo para conhecer a morada-palavra antes da destruição de Syme.