A
fé e a razão de Santo Tomás de Aquino leram textos ficcionais da Grécia Antiga.
No livro “Por trás das palavras - manual de etimologia do português”, de Mário
Eduardo Viaro, o sentido original de ficção é “formação”. Do teatro grego, que
nos remete à personagem, Tomás retirou o sentido de pessoa (persona), que
significava “máscara”. Assim, por ser máscara, a pessoa é a guardiã de algo e,
dessa forma, por trás da máscara, guarda-se o mistério da pessoa. Os estudos de
Tomás o desvelam.
Seguindo
os passos de Aristóteles, Tomás de Aquino afirma que pertence à natureza do
homem ser ajudado por outros homens, porque não é possível um homem só abarcar
todo conhecimento pela razão, por isso ser necessário viver em multidão a fim
de que “a mão lave a outra mão”. Para o autor da “Suma Teológica”, é natural,
portanto, que o homem viva em sociedade. Dito isso, emerge, entre tantos
homens, isto é, a multidão, a definição de pessoa. Sabemos que todos os
seres possuem a totalidade em si, mas também possuem a individuação própria que
os distingue dos demais seres. O ser humano é definido como pessoa, segundo
Tomás, não apenas pela alma, mas pela alma e pelo corpo. Ora, é por meio destes
compostos que a pessoa subsiste. O homem não é uma pessoa simplesmente porque
tem uma alma, mas é uma pessoa pela alma e pelo corpo, já que é por meio de
ambos que subsiste. Entendida como substância primeira ou hipóstase, eis a
pessoa.
Entretanto,
a natureza humana não corresponde à pessoa tomasiana, porque, como a
singularidade humana subsiste em corpo e em alma, isto é, subsiste na pessoa, o
humano singular é mais do que a natureza humana porque em si a singularidade
possui elementos e características que não se encontram na natureza humana. O
que faz com que Santo Tomás de Aquino seja Santo Tomás de Aquino não se
encontra em todos os homens, mas tão somente em Santo Tomás de Aquino, sendo,
pois, o singular de sua existência à sua pessoa. O existir tomasiano é
constitutivo da pessoa, isto é, a pessoa é que tem a existência ou, se quiser,
o indivíduo tem a sua existência por intermédio da pessoa. É a pessoa que
existe e não a natureza humana individualizada. Mas, quando se fala em existir,
não se fala de um existir qualquer, mas de um existir racional, de um existir
que busca conhecer e se conhecido, que busca pensar e ser pensado, por isso,
entre outras substâncias, Santo Tomás de Aquino diz que os indivíduos de
natureza racional têm o nome especial de pessoa, que aqui se define conforme
Boécio: “uma substância individual de natureza racional”. E livre. Entendamos
aqui como racional que a pessoa não está fadada a agir somente por causalidade
natural, mas podendo desencadear uma causalidade própria.
Se
por um lado podemos interpretar que a pessoa existe sob a máscara, também
podemos por outro admitir que a própria máscara é a pessoa. Assim sendo, nas
comédias e nas tragédias gregas, representavam-se personagens célebres, e o
termo pessoa veio a designar aqueles que estavam constituídos em dignidade. Personalidades
são aqueles, portanto, que detêm alguma dignidade, ou seja, aqueles que detêm o
merecer.
Pelo que já foi escrito até
aqui, é correto então afirmar que o tema da pessoa em São Tomás une sua
filosofia à teologia? Penso que a teoria da pessoa é um ponto de interseção
entre filosofia e teologia no pensamento escolástico de Santo Tomás de Aquino. Sendo
a pessoa amálgama entre corpo e alma, isto é, entre o sensível e o
suprassensível, Santo Tomás, oposto ao platonismo, concebe o corpo não como
túmulo, mas como meio inevitável para se chegar a uma dignidade para além do
próprio corpo. Ao pensar a experiência do corpo por meio da filosofia de
Aristóteles, que inclui o sensível, Tomás, por meio da teologia, oferta ao
sensível a sua transfiguração, pois a pessoa também é alma, conceito que
permite ao humano a transcendência.