sábado, junho 07, 2014

A Pessoa em Santo Tomás de Aquino

A fé e a razão de Santo Tomás de Aquino leram textos ficcionais da Grécia Antiga. No livro “Por trás das palavras - manual de etimologia do português”, de Mário Eduardo Viaro, o sentido original de ficção é “formação”. Do teatro grego, que nos remete à personagem, Tomás retirou o sentido de pessoa (persona), que significava “máscara”. Assim, por ser máscara, a pessoa é a guardiã de algo e, dessa forma, por trás da máscara, guarda-se o mistério da pessoa. Os estudos de Tomás o desvelam.
  
Seguindo os passos de Aristóteles, Tomás de Aquino afirma que pertence à natureza do homem ser ajudado por outros homens, porque não é possível um homem só abarcar todo conhecimento pela razão, por isso ser necessário viver em multidão a fim de que “a mão lave a outra mão”. Para o autor da “Suma Teológica”, é natural, portanto, que o homem viva em sociedade. Dito isso, emerge, entre tantos homens, isto é, a multidão, a definição de pessoa. Sabemos que todos os seres possuem a totalidade em si, mas também possuem a individuação própria que os distingue dos demais seres. O ser humano é definido como pessoa, segundo Tomás, não apenas pela alma, mas pela alma e pelo corpo. Ora, é por meio destes compostos que a pessoa subsiste. O homem não é uma pessoa simplesmente porque tem uma alma, mas é uma pessoa pela alma e pelo corpo, já que é por meio de ambos que subsiste. Entendida como substância primeira ou hipóstase, eis a pessoa.

Entretanto, a natureza humana não corresponde à pessoa tomasiana, porque, como a singularidade humana subsiste em corpo e em alma, isto é, subsiste na pessoa, o humano singular é mais do que a natureza humana porque em si a singularidade possui elementos e características que não se encontram na natureza humana. O que faz com que Santo Tomás de Aquino seja Santo Tomás de Aquino não se encontra em todos os homens, mas tão somente em Santo Tomás de Aquino, sendo, pois, o singular de sua existência à sua pessoa. O existir tomasiano é constitutivo da pessoa, isto é, a pessoa é que tem a existência ou, se quiser, o indivíduo tem a sua existência por intermédio da pessoa. É a pessoa que existe e não a natureza humana individualizada. Mas, quando se fala em existir, não se fala de um existir qualquer, mas de um existir racional, de um existir que busca conhecer e se conhecido, que busca pensar e ser pensado, por isso, entre outras substâncias, Santo Tomás de Aquino diz que os indivíduos de natureza racional têm o nome especial de pessoa, que aqui se define conforme Boécio: “uma substância individual de natureza racional”. E livre. Entendamos aqui como racional que a pessoa não está fadada a agir somente por causalidade natural, mas podendo desencadear uma causalidade própria.

 Se por um lado podemos interpretar que a pessoa existe sob a máscara, também podemos por outro admitir que a própria máscara é a pessoa. Assim sendo, nas comédias e nas tragédias gregas, representavam-se personagens célebres, e o termo pessoa veio a designar aqueles que estavam constituídos em dignidade. Personalidades são aqueles, portanto, que detêm alguma dignidade, ou seja, aqueles que detêm o merecer.

Pelo que já foi escrito até aqui, é correto então afirmar que o tema da pessoa em São Tomás une sua filosofia à teologia? Penso que a teoria da pessoa é um ponto de interseção entre filosofia e teologia no pensamento escolástico de Santo Tomás de Aquino. Sendo a pessoa amálgama entre corpo e alma, isto é, entre o sensível e o suprassensível, Santo Tomás, oposto ao platonismo, concebe o corpo não como túmulo, mas como meio inevitável para se chegar a uma dignidade para além do próprio corpo. Ao pensar a experiência do corpo por meio da filosofia de Aristóteles, que inclui o sensível, Tomás, por meio da teologia, oferta ao sensível a sua transfiguração, pois a pessoa também é alma, conceito que permite ao humano a transcendência.