sexta-feira, setembro 09, 2011

Aos que dão [com alegria e com caráter] a bunda

Oferto meu texto aos homossexuais que, com muito caráter e com muita alegria, dão a bunda a seus homens. Ruim é ser homem e não ter caráter. Ruim é ser homem e ser canalha. Ruim é ser pastor adúltero e cínico. Se ela possuir caráter, se ela não for canalha, se ela amar de verdade, a bunda é apenas acessório.


Em Rio Branco, igrejas neopentecostais já ocupam espaços em tevê local para satanizar as relações homoafetivas. Baseando-me em um livro de um padre, escrevi um texto longo, mas muito apropriado para se opor à ignorância fanática de uns pastores imbecis.

Boa leitura!


  
O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade

Aldo Nascimento

                                                                                   
Apresentação


Este artigo parte do livro do padre Daniel A. Helminiak. Esse sacerdote, por sua vez, apoia-se nos estudos de John Boswell, professor de História da Universidade de Yale, e nos de L. William Countryman, professor de Novo Testamento da Escola da Igreja Divina do Pacífico, em Berkeley, Califórnia. Das páginas de “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”, sobressaem neste artigo as palavras em Levítico, o terceiro livro de Moisés. Assim como igrejas neopentecostais acrianas interpretam [ao seu bel-prazer sado-masoquista] a palavra bíblica para fecundar em igrejas, em escolas públicas e em campo de futebol o “Bem” contra homossexuais, nada mais justo do que lançar a palavra [interpretada] de Deus contra esse mesmo “Bem”.
                       
Apresentação. I - Quando uma pastora joga com Jesus Cristo em um campo de futebol; II – Pai, eles não sabem o que dizem e o que ouvem; III – O fanatismo não remove montanhas; IV - “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”; V - O terceiro livro de Moisés; VI – “Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é abominação”; e VII - Êxodo 32:27-29, o Deus que mata.       

I – Quando uma pastora joga com Jesus Cristo no campo de futebol
              
Final de tarde. Pessoas avolumam-se na entrada do estádio José de Melo, em Rio Branco, Acre. Atravesso a avenida Ceará para saber o que acontece. Não é dia de futebol. Estou na multidão. Entre pernas e braços, chego ao gramado e logo percebo que esta gente está aqui para torcer por Jesus Cristo.
     
No gramado, perto do gol, ergue-se um palanque. Ao microfone, uma pastora ergue a voz: “Amanhã, nós lavaremos com o sangue de Jesus a sujeira daqueles que pisarão na Gameleira.” Um dia depois, a parada gay deixava suas lascivas e alegres pisadas.
        
Não me lembro do nome da igreja, mas lembro que o deus da pastora se investia contra outros filhos de Deus: os homossexuais. Uma crente, aparentando uns 75 anos, ouvia o sermão. Me aproximei. Foi quando a pastora clamou em nome do Senhor: “É contra a natureza de Deus homem manter relações com homem e mulher manter relações com mulher. A pederastia, meus irmãos, é contra Deus, amém?” A idosa e a multidão elevaram uma só voz: “Amém!!!”
        
Esperei o espetáculo chegar ao fim para entrevistar essa evangélica. Dona Maria Aparecida das Graças se mantém viva com um salário mínimo em uma casa do bairro Sobral. Viúva, mãe de 9 filhos, avó de 8 e bisavó de 4 crianças, essa senhora defende as dez verdades que Deus gravou nas Tábuas de Moisés embora, caso estivesse no monte Sinai, não as lesse. Maria é analfabeta. Para poder pensar o homossexualismo, a escola foi substituída pela igreja em toda sua vida.

II – Pai, eles não sabem o que dizem e o que ouvem

Por que a senhora acredita que homem manter relação com homem é contra Deus? Está escrito na Bíblia que Deus criou o homem e a mulher para procriar, e o senhor sabe que a Bíblia é a palavra de Deus.

Onde Deus escreveu essa verdade?
Meu pastor disse que foi em Gênesis.

A senhora saber ler?
Não

A sua igreja, além dos cultos, não realiza trabalho de alfabetização?
Meu pastor disse que isso não é a tarefa da igreja, porque nós não precisamos saber ler para alcançar a salvação.

Mas o seu pastor sabe ler
. Ele sabe porque Deus deu a ele o dom.

Deus não deu à senhora o dom de ler, é isso?
É preciso ter dom para entrar na escola, para aprender, o Senhor dá a cada um o que merece.

E por que será que Deus não lhe deu o dom de aprender, o dom de estudar, o dom de ler?
Aí o senhor tem que perguntar a Deus, não é mesmo?

Nunca perguntei. Terminei a breve entrevista com a certeza de que a cidade não é regida pelo mesmo tempo. Parte dela encontra-se presa, por exemplo, à Idade Média, quando a fé erigia-se acima da razão. Dona Maria não tinha 75 primaveras; carregava na mente séculos de obscurantismo. Fé significa não querer saber o que é verdadeiro (Nietzsche, 2007, p. 63).

Acredito que a inocência dessa senhora deve buscar até hoje a luz do Deus bíblico, mas sua ignorância, mantida pelo dízimo a pastores alfabetizados, submete Maria à escuridão. Contra os homossexuais, essa evangélica defende, segundo a interpretação de homens, a verdade de Deus embora sua fé não saiba ler essa verdade no papel.

III – O fanatismo não remove montanhas

Paulo, apóstolo do amor, foi quem levou à religião cristã os preceitos contra os “sodomitas”. Com o passar dos anos, quando o cristianismo tornou-se no final do século 4 a única religião do Império Romano, uma lei do ano 390 previa a morte na fogueira para homossexuais. No século 12, em 1179, o Concílio de Latrão sentenciou que os leigos fossem excomungados por pederastia ou por safismo. Por meio de Paulo, a Igreja iniciou o preconceito, e, muitos anos depois, a partir do século 13, a homofobia espalhou-se a ponto de muitos países europeus adotarem leis severas contra a homossexualidade.

Século 20, Brasil. Em 2009, foram assassinados 198 homossexuais no maior país cristão do mundo, 11 a mais que em 2008 e 76 a mais que em 2007. As mortes foram registradas pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado em 1980 e único no Brasil a reunir estatísticas. Segundo o GGB, de 1980 a 2009, assassinaram 3.196 homossexuais, média de 110 por ano.

Os números também são altos no Programa Rio Sem Homofobia. De novembro de 2009 a novembro de 2010, cerca de 600 denúncias de agressão foram registradas contra gays. Em 2010, no feriado prolongado da Proclamação da República, militares do Exército agrediram e balearam um jovem de 19 anos após participar em Copacabana de uma parada gay. Em São Paulo, três jovens foram vítimas de um grupo de rapazes na avenida Paulista.

Em dezembro de 2010, o pastor Silas Malafaia, da igreja Assembleia de Deus, propagou no Rio de Janeiro estas palavras em painéis à margem de vias urbanas: “Em favor da família e da preservação da espécie humana, Deus fez macho e fêmea”, ou seja, em Gênesis 1-27, primeiro livro de Moisés, gay e lésbica, Deus não os criou.

Quase um ano depois dessa propaganda evangélica, em 28 de julho de 2011, o Universo On-Line (UOL), com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicou que evangélicos são os brasileiros mais resistentes à união homoafetiva, 77%.          

Em março de 2011, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), defensor dos bons costumes, da família e da ditadura militar, afirmou no dia 30, quarta-feira, que está “se lixando” para o movimento gay.

“Estou me lixando para esse pessoal aí [do movimento gay]. Eles criaram agora a Frente Parlamentar de Combate à Homofobia, a frente gay. O que esse pessoal tem a oferecer para a sociedade? Casamento gay? Adoção de filhos? Dizer para vocês que são jovens que, no dia em que vocês tiverem um filho, se for gay, é legal e vai ser o ‘uhuhu’ da família? Esse pessoal não tem nada a oferecer.”

Bolsonaro, capitão do Exército, declarou esse ódio cristão quando chegou ao velório do ex-vice-presidente da República José Alencar, no Palácio do Planalto, Brasília.

1º de abril de 2011. Na primeira partida da semifinal da Superliga entre Cruzeiro e Vôlei Futuro, realizada em Congonhas, Michael dos Santos, o meio de rede do Vôlei Futuro, foi hostilizado pela torcida, que, em coro, gritava “bicha” e “gay” quando o jogador ia para o ataque ou quando sacava. Para condenar a homofobia no esporte, Michael assumiu sua homossexualidade. Eis, portanto, a causa dos gritos.   

Califórnia, Estados Unidos. Seth Walsh caminhou ao jardim de sua casa para se enforcar. Só em setembro, seis adolescentes suicidaram-se na terra de Obama. Seth tinha 13 anos. Nova Iorque (o “Jornal do Brasil” sempre punha Nova Iorque), 3 de outubro, três jovens homossexuais foram sequestrados e torturados em um apartamento desabitado.

Uganda, África
. Em 2 de outubro de 2010, um jornal publicou uma matéria na primeira página identificando cem ugandenses como gays e como lésbicas. Ao lado de suas fotos, esta frase: “Enforquem-nos!”. Soweto, África do Sul. Uma manifestação chamou atenção para as violações contra as lésbicas nas “townships”, onde seus autores tentam corrigir a sexualidade das vítimas.

Belgrado, Sérvia
. Um grupo atirou coquetel molotov e granada paralisante contra uma parada do orgulho gay, ferindo 150. O fato ocorreu em 10 de outubro de 2010.     

Se a violência física mata e humilha homossexuais nas ruas, a violência verbal se normatiza em igrejas evangélicas acrianas - principalmente nas neopentecostais -, onde pastores disseminam em seus cultos (ou em campo de futebol) a intolerância do Velho Testamento. “Está escrito na Bíblia, Deus escreveu”, vociferam.

“Quando digo ‘meu Deus’,/ afirmo a propriedade./ Há mil deuses pessoais/ em nichos da cidade”, poetiza Carlos Drummond de Andrade. Deus, portanto, uma propriedade, um objeto pessoal confeiçoado por interpretações de fiéis à incompreensão. Com que palavras duelar contra aqueles que, em nome do Senhor, limpam, com o sangue de Jesus, lugares pisados por gays e por lésbicas? Duelamos com a mesma arma, qual seja, a palavra de Deus.

IV - “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”


Publicado nos Estados Unidos em 1994, o livro do padre Daniel A. Helminiak chegou ao Brasil quatro anos depois. Se os cristãos creem que Deus tenha escrito a Bíblia, a verdade, no entanto, não está no que Deus escreveu, mas no que os homens interpretam. Assim, na palavra do Senhor, habitam muitas verdades porque há muitas interpretações dos homens, é “O Deus de cada homem” de que fala Carlos Drummond de Andrade na obra poética “As impurezas do branco”, repito: “Quando digo ‘meu Deus’,/ afirmo a propriedade./ Há mil deuses pessoais em nichos da cidade.”                 

Segundo o prefácio da edição de 1994, desde 1977, O autor de “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade” ministra os sacramentos para a comunidade gay e lésbica como sacerdote católico romano em Boston, em San Antonio e em Austin. Ele presenciou horrores. Um deles, 30% dos suicídios entre os adolescentes são cometidos por jovens homossexuais. Para religiosos estreitos que interpretam a Bíblia contra homens que amam homens ou contra mulheres que amam mulheres, o padre Daniel afirma que “a Bíblia é indiferente à homossexualidade enquanto tal”.

Em seu pequeno livro, Helminiak interpreta a palavra de Deus para não cravar o punhal da homofobia em travestis, em lésbicas, em transexuais, em gays. Pastores, entretanto, julgam para condenar. Para esses falsos intérpretes de Deus, leiamos Romanos 14:13: “
Deixemos, pois, de nos julgar uns aos outros; antes cuidai em não pôr um tropeço diante do vosso irmão ou dar-lhe ocasião de queda.”

Embora os cristãos asseverem que a Bíblia tenha sido escrita por Deus, a palavra, por pertencer ao um processo histórico, passa por transformações porque o signo linguístico desalinha-se no tempo dos homens para que seu significado, oposto ao que foi, renasça no significante. Hoje, entre evangélicos da classe social de dona Maria Aparecida das Graças, nenhum, absolutamente nenhum deles, é capaz de se encontrar com os significados originais das palavras sodomia, adultério, abominação, sagrado, menstruação. Argola da corrente de culto evangélico, peça da engrenagem de máquina que ora, célula do corpo de igreja que prega, Maria Aparecida só reproduz o significado-função da palavra diabólico porque ela o escuta somente como eco do turbilhão de cristãos presos à argola, à peça, à célula. O todo fala por Maria. Maria só fala o que pensa por causa da sua comunidade linquística. Maria ignora; desconhece que “sua palavra” seja alienada, quer dizer, que pertença a outro, no caso, à congregação, ao culto, à máquina, ao corpo social cristão, a ela: igreja. A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais (Bakhtin, 1998, p. 35). Assim, como não pensa a palavra bíblica, Maria não pode falar seu pensamento, a não ser que seu pensamento seja o da igreja - e ele é. A própria palavra de Deus na igreja, sabemos, já é refratária.                          

No belo romance “1984”, de George Orwell, palavras são destruídas e, dessa maneira, a literatura do passado foi arruinada. O narrador não cita a Bíblia; mas, se a tivesse citado, teria dito que a palavra de Deus não apenas é transformada em algo diferente como transformada em palavra contrária ao que era. Todo mecanismo do pensamento será diferente. Com efeito, não haverá pensamento como hoje o entendemos. O objetivo é estreitar a gama de pensamento (Orwell, 1984, p. 52 e 53).

Bem antes da publicação da obra literária “1984”, Nietzsche, em 1887, publicara “A genealogia da moral”, trabalho que pretende dar um esclarecimento a propósito de “Para além do Bem e do Mal”, de 1886. Dona Maria não sabe, mas as palavras, segundo Nieztsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, dessa forma, não indicam um significado, mas impõe uma interpretação.        

Depois do pensador alemão, entre 1929 e 1930, Mikhail Bakhtin, assinando como V. N. Volochínov, edita “Marxismo e filosofia da linguagem”, cuja escrita revela que a consciência individual [de dona Maria Aparecida] é um fato socioideológico, sabendo que tudo que é ideológico possui um valor semiótico (Bakhtin, 1988, p. 32, 33 e 35).     

Em cultos enraizados em Rio Branco, a palavra sodomia é todo homem que mantém coito anal com outro homem. A palavra exerce poder, e esse poder pertence à Igreja. Porque o sacerdote interpretou o livro Gênesis 19:1-11, o significado de sodomia cristalizou-se nos dicionários. Desde o século 12, aproximadamente, a história de Sodoma representa uma condenação da homossexualidade. O padre Daniel A. Helminiak afasta-se dessa leitura para se aproximar de uma não literal, situando a palavra no tempo histórico sem perder o diálogo com o presente e com a etimologia.  

V - O terceiro livro de Moisés


Mas eu não desejo Gênesis para detalhes. Interessa-me Levítico 18:22: “Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é abominação.” Mais adiante, capítulo 20, versículo 13, escreve-se: “Se um homem dormir com outro homem, como se fosse mulher, ambos cometeram uma coisa abominável. Serão punidos de morte e levarão a sua culpa.”

Segundo o sacerdote Daniel A. Helminiak, Levítico condena outro pecado sexual à pena de morte: o adultério. Mas, entre o passado histórico da Bíblia e o século 21, o tempo não permaneceu congelado, imóvel, petrificado, por isso o adultério de hoje difere-se do adultério da Israel antiga.

 Em nossa sociedade, uma pessoa casada comete adultério ao ter relações sexuais fora do casamento. A ofensa é a de infidelidade, a traição da confiança ou do compromisso, e é perpetrada contra o cônjuge. Trata-se de uma ofensa pessoal. Na Israel antiga, o adultério era uma ofensa apenas contra o marido, pois se tratava do uso ilegal de sua propriedade – sua mulher, sua esposa. Mais do que uma ofensa pessoal, envolvia prejuízo financeiro: o homem havia pago ao sogro um dote por ela, e  a mulher era importante para a expansão da família, para o enriquecimento de sua propriedade. (Helminiak, 1998, p. 48)

Corpo feminino e herança legítima, portanto, equiparavam-se na organização patriarcal. Pertencer a um só homem assegurava ao marido, senhor da esposa (em latim, senhor é dominus, “aquele que domina”), a extensão de seu patrimônio. “O casamento e a procriação determinavam a herança na família patriarcal”, observa o padre Helminiak no capítulo 4 de seu livro. E ele pergunta: “Se a noiva de um homem não fosse virgem, como ele poderia estar seguro de que a criança nascida dela seria mesmo sua?” Se não havia teste de paternidade, quem teria direito de propriedade sobre a mulher e sobre o filho?

Assim, sem teste de DNA, com a verdade do filho legítimo corrompida pela mulher infiel, o significado da palavra adultério justifica-se: “alterar”, “falsificar”, “misturar”. Por guardar o nome do homem como segredo em seu ventre, a mulher, se não fosse fiel, desestabilizaria a ordem patriarcal, colocando em risco a herança consanguínea. Hoje, em nossa sociedade, o termo adultério perdeu a força dessa significação, ninguém condena o sexo feminino à morte por ser infiel. Mas o Senhor deixou escrito em Deuteronômio 22:13-24. Se está escrito, matem-na!

Em Rio Branco, bairro da Paz, uma congregação soube que a mulher do pastor mantinha relações sexuais com um jovem evangélico. Enquanto o marido realizava o culto na igreja, ela, diante do rapaz, ajoelhada em sua casa, abria a boca não em nome de Deus, mas em nome do sexo oral. Embora Deus tenha escrito que “se um homem for achado deitado com uma mulher que tem marido, então, ambos morrerão”, a adúltera e o amante, até hoje, permanecem vivos no bairro da Paz.           

VI - “Não te deitarás com um homem, 
como se fosse mulher: isso é abominação”

No terceiro livro de Moisés, em uma seção de Levítico chamada o Código Sagrado, encontramos a condenação dos atos homogenitais, que não correspondem a atos homossexuais. Por causa de um pacto com Deus, “esse contrato determinava que os israelitas não deviam participar das práticas religiosas dos canaanitas, o povo conquistado pelos judeus ‘com o auxílio de Deus’ e cujo território havia sido tomado para ser a sua ‘Terra Prometida’”. Na raiz da palavra, sagrado significa “separar”, ou seja, o Código Sagrado impunha o distanciamento entre os costumes do povo judeu e os costumes dos gentios. Em Levítico 18:21, Deus, por meio de Moisés, deixa isso bem claro: “E da tua descendência não darás nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome de teu Deus. Eu sou o Senhor.”                                                  

Na cultura dos canaanitas, sexo com mulher menstruada ofertava-se ao deus Moloque. A que separação entre judeus e canaanitas se refere Levítico? Óbvio: os homens deveriam se afastar de mulheres menstruadas. Outra separação. No Testamento hebreu, registra-se que, para os canaanitas, a fertilidade da terra relacionava-se ao prazer carnal. Os judeus separaram terra fértil dos rituais sexuais, fazendo com que a bênção sobre as estações, as colheitas e os rebanhos não dependessem mais de relações sexuais de famílias inteiras entre si e de grupos de família – maridos, mulheres, pais, mães, filhos, filhas, tias, tios, irmãos, irmãs, primos. (Helminiak, 1998, p. 50)

Nesses cultos a divindades vinculadas à fertilidade da terra, o sexo homogenital ocorria entre os canaanitas; o Código Sagrado do Levítico proíbe, segundo Helminiak, o ato sexual entre homens devido a considerações religiosas, e não sexuais. “A intenção era a de impedir Israel de participar das práticas dos gentios. O sexo homogenital era proibido porque estava associado a atividades pagãs, à idolatria e à identidade gentia”, escreve o padre na página 50.

E quanto ao homem deitar com outro homem ser abominação? Palavra escrita no capítulo 18, versículo 22, pergunto ao Senhor o que é abominação e colho sua resposta no capítulo 20, versículos 25 e 26. Como o padre Daniel A. Helminiak, segundo nota da tradução brasileira, “parte, no texto original em inglês, da Bíblia tida como padrão nos países da fala inglesa, mandada traduzir entre 1604 e 1611 por estudiosos de Oxford, na Inglaterra”, lê-se:

Fareis a distinção entre animais puros e impuros, entre as aves puras e impuras, e não vos torneis abomináveis por causa de animais, de aves ou de animais que se arrastam sobre a terra, como vos ensinei a distinguir como impuros. Sereis para mim santos, porque Eu, o Senhor, sou santo; e vos separei dos outros povos para que sejais meus.” (Helminiak, 1998, p. 52)

No próprio texto, abominável é sinônimo de impuro, quer dizer, “misturar-se a”, “confundir-se com”. Para os judeus, eram impuros porcos e camarões, por isso Deus ordenou que seu povo se afastasse desses animais. Como afirmei anteriormente, sagrado
significa “separar”, “não se confundir com”, e um homem relacionar-se com outro homem representava impureza porque dessacralizava sentimentos religiosos dos judeus, e não porque essa relação sexual fosse “suja” em si mesma. O Levítico não afirma que o fato de um homem se deitar com outro homem seja um pecado ou um erro. O Levítico diz que isso é uma violação do ritual, uma impureza; algo “sujo”. (Helminiak, 1998, p. 56)

Se fosse erro, isto é, pecado, o termo hebraico zimah poderia ter sido utilizado no lugar de toevah, porque este significa “abominação”; e aquele, “injustiça”, “pecado”, “erro”. “Zimah quer dizer não aquilo que é condenável por motivos culturais ou religiosos, mas aquilo que é errado em si”, observa o autor de “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”. Um homem na cama com outro homem assemelhava-se ao canaanita, não havendo por isso o erro em si mesmo porque a homogenitalidade em Levítico é reprovação religiosa.

VII - Êxodo 32:27-29, o Deus que mata

Lembro-me quando cada um cingiu a espada sobre o lado, cada um passou e tornou a passar pelo arraial de porta em porta, e matou cada um a seu irmão, cada um, a seu amigo, e cada um, a seu vizinho. Lembro-me, três mil homens assassinados a mando de um Deus vingativo para que cada um recebesse sua bênção. “Três mil homens mortos só porque ele tinha ficado irritado com a invenção de um suposto rival em figura de bezerro, Eu não fiz mais que matar um irmão e o senhor castigou-me, quero ver agora quem vai castigar o senhor por estas mortes”, pensou o personagem Caim, de José Saramago.

                                            Massacre de Sabra e Shatila                                         
                                     
                                             Crianças assassinadas por Israel, 1982                                      

Após séculos sobre séculos, a Israel de Moisés ainda mata crianças palestinas na Faixa de Gaza, um campo de concentração delimitado pelo Deus dos judeus. Quando, entre 16 e 18 de setembro, o exército de Israel invadiu o Líbano em 1982, as armas de Jeová mataram, estima-se, 3,5 mil civis inocentes.
  A Corte Suprema de Israel considerou o ministro da Defesa do país, Ariel Sharon, o responsável pelo massacre de Sabra e Chatila.

Sobre carnificinas, sobre assassinatos, sobre inocentes cadáveres, pastores acrianos calam-se; mas, quando o assunto é homossexualidade, pregam a ira do Senhor contra os que não foram, segundo eles, escolhidos por Jeová.

Dar o cu não pode. Um Deus que mata pode?