sexta-feira, outubro 21, 2011

Onde ler?

De Aldo Nascimento, publicado no jornal "O Rio Branco", na coluna Ler.

A palavra ler, como muitas palavras, provem da cultura rural, dos hábitos agrários: o ato de escolher os grãos de um cereal era o ato de ler. Se separarmos a raiz “leg” da palavra latina “legere”, encontraremos essa mesma raiz em eleger. Em português, “leg” transformou-se em “l(e)”, da palavra lei; transformou-se em “lh(e)”, da palavra colheita; transformou-se em “le.ç”, da palavra seleção; e transformou-se em “lei.t”, das palavras leitor, eleitor. “Leg” também surge sob a forma apofônica “lig”, que está na palavra inteligente. A palavra colega, por mais que possa soar estranho, significa “quem lê junto”.

           
O que significa, afinal, ler? Como escrevi no início, o ato de escolher os grãos de um cereal era o ato de ler, ou seja, ler significa escolher, selecionar – ora, quem escolhe (ou quem sabe ler bem) jamais escolhe o pior. Mas entendamos que, se ler é “escolher o melhor”, isso quer dizer que o melhor nos aproxima do outro. De um cereal, separamos (ou lemos) os melhores grãos dos piores não só por serem os melhores – óbvio! - que nos alimentarão, mas porque, quando servidos, os melhores grãos unirão os comensais à mesa. O melhor, portanto, nos aproxima. Porque cria repulsa, o pior nos afasta.

Antes de ler, porém, é preciso haver o espaço selecionado para a leitura, por isso esta pergunta: onde ler “O Pequeno Príncipe”? O ato da leitura exige conforto, por exemplo, o conforto do silêncio. A temperatura deve ser agradável, entre 20º e 25º. O leitor deve estar prazerosamente acomodado em um ambiente que o faça se sentir separado dos ruídos e dos desconfortos da rua.

Centro de Rio Branco. Na Biblioteca Estadual, segundo piso, encontra-se o conforto do leitor infantil: paz, temperatura agradável, acentos confortáveis, silêncio, tudo selecionado para que o lugar da leitura seja aprazível. Entretanto, na escola, a sala de aula se nega a espaço de deleite, de aprazimento. Muito longe de ser oásis de leitura, o chão de uma sala é infecundo para a abertura de bons livros. Entre suas quatro paredes, não há o conforto do silêncio, muito menos temperatura agradável e acentos confortáveis. Porque cria repulsa, a sala de aula nos afasta do ato de ler.

Uma estrada rasga a floresta. Um viaduto se ergue sobre casas. Milhões de reais gastos com o que o discurso político chama de progresso e de desenvolvimento. Ler, no entanto, nunca representou em propagandas de governos a grandeza cultural de um povo, por isso a sala de aula vale menos do que estradas e viadutos, por isso a sala de aula é esse lugar desinteressante e desagradabilíssimo para ler Ruth Rocha, Ziraldo, Carlos Eduardo Novaes, Fernanda Lopes de Almeida.

O que pensar de escolas que, inadequadas à leitura, roubam de seus alunos a paixão pelos livros? Pela editora Casa da Palavra, os organizadores Júlio Silveira e Martha Ribas publicaram “A Paixão pelos Livros”, páginas simples e repletas de ternura pelo ato de ler. Drummond, Flaubert, Caetano Veloso, Montaigne são alguns nomes que pensam o gesto da ler, que é separar o melhor grão do pior, de preferência, em um lugar agradável.