quinta-feira, dezembro 03, 2009

Blogue ao Márcio Chocorosqui

"Bem, caro Aldo, tenho lido o seu blogue. Belas palavras são ditas aqui. Mas não deixo de fazer uma ressalva a essa postagem, quando você cita a Profª. Laélia. Não a vejo tão defensora da história da literatura. Com ela conversei mais sobre estética da recepção, entre outras coisas. Outra ressalva: José Guilherme Merquior, que você também cita, escreveu o livro “De Anchieta a Euclides — Breve história da literatura brasileira”, de 1977. Talvez ele tenha mudado de ideia."

Márcio, antes de mais nada, quebrei todos os espelhos de minha casa. Todos. Não preservo nem a minha imagem. Neste espaço virtual, onde minha liberdade é lida, defendo ideias, e elas não são refletidas em espelhos.

Citei a professora-doutora Laélia por ser parte de uma elite que deveria problematizar a literatura na educação pública por meio de inquietantes artigos publicados, por exemplo, em um blogue. Assim como outros, ela formou professores segundo uma concepção de literatura, no caso, Márcio, historicismo literário.

Digo-lhe isso com toda propriedade, porque, antes de "ser exilado" da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Acre, recolhi todos os planos de curso do corpo docente de Literatura. Todos. A professora-doutora Laélia deixou as marcas do historicismo literário em seus planos. Estão lá.

"Com ela conversei mais sobre estética da recepção", você escreveu. Se você conversou, bem, estética da recepção, eu li em minha graduação, 1986, mas a Teoria Literária segue outros passos em 2009. O relógio biológico da professora atrasou-se.

Não digo que a estética da recepção encontra-se superada, longe disso, mesmo porque a Nova Crítica ou o Formalismo Russo podem orientar o professor de Literatura em uma escola pública; digo-lhe que, se a professora-doutora Laélia conversou sobre estética da recepção com você, mais uma vez, na condição de intelectual, ela não se antecipou ao tempo. Hoje, em 2009, a Teoria Literária se pensa de outra forma.

Quanto a José Guilherme Merquior, Márcio, esse pensador brasileiro publicou em 1977 De Anchieta a Euclides - breve história da literatura brasileira - para se contrapor aos livros didáticos da época embora tenha mantido uma história linear em suas páginas, mas o livro é profundo, problematiza. Ainda que submeta a literatura à história linear, Merquior supera o historicismo.

No Rio de Janeiro, no lugar do livro didático tradicional, já se lia no final dos anos 70 esse livro de Merquior. Acredito que você ironizou sem conhecimento de causa. Merquior, diferente de nós, foi precoce, um gênio. Em 1975, ele escreveu em Os Cadernos da PUC-RJ (primeiro encontro nacional de professores de literatura) um ensaio com o título "Comentário a 'Considerações sobre o Estudo e o Ensino de Literatura Brasileira''', onde critica o historicismo literário.

Sabe, Márcio, a tese de doutorado da professora Laélia encontra-se sepultada em uma biblioteca. Lê-la depende de uma exumação. Não digo isso para depreciar sua tese, entenda, não é isso, se fosse, eu escreveria, digo isso para afirmar que Altino Machado, que não é doutor, sem nível superior, intervém mais na realidade social do que certos doutores. Seu blogue incomoda. A palavra em seu blogue vive, circula. A tese de um professor de Literatura representa um título, às vezes, indiferente à realidade da escola pública.

Precisamos incomodar o poder (se é que isso é possível). Precisamos apresentar outras falas, outros textos. Como diz Marcelo D2, "vamos fazer barulho, porra". Certos doutores não fazem. As teses não circulam entre nós. Quem fará a exumação?

Conflito de ideias em águas rasas

Na segunda-feira, a Secretaria de Educação do Estado do Acre proporcionará um encontro entre professores de Literatura e de Língua Portuguesa para que os referenciais curriculares sejam refeitos, legitimados e aprovados.

Nas escolas públicas, o corpo docente reuniu-se para concordar e/ou discordar a respeito. Com dois colegas de profissão, um professor discrepou quando escreveu que “o texto deixa margem para uma interpretação de ensino historicista de literatura, não deixando claro que a ênfase deve ser na produção de sentido, ao invés da simples listagem das características dos estilos literários”.

Para sua justificativa, retirou este trecho dos Cadernos de Orientação Curricular da Secretaria de Educação: “Leitura, análise e comparação de textos com função literária, considerando contextos de produção em espaços e épocas distintos (Idade Média, Humanismo e Classicismo / Barroco, Modernismo e Contemporaneidade):”

Retirar um pedaço de um todo textual para afirmar que “o texto deixa margem para uma interpretação de ensino historicista de literatura, não deixando claro que a ênfase deve ser na produção de sentido, ao invés da simples listagem das características dos estilos literários” é, repito, mutilar o todo.

O trecho retirado dos cadernos não se encontra isolado, ou seja, o trecho retirado não “deixa margem para uma interpretação de ensino historicista” porque não se trata de “texto”, mas de um fragmento do texto. Retalham o texto e, a parte retalhada, os senhores a chamam de “texto que deixa margem”. Ora, não se trata de “texto”, mas de um pedaço do texto.

A coisa em-si disse pelo todo textual. Um trecho isolado passou-se como todo. A parte é o todo. Ora, senhores, quem leu o todo, o texto, não a parte como o todo, sabe que os Cadernos de Orientação Curricular da Secretaria de Educação sepultaram o historicismo literário. As partes entrelaçadas, ou seja, o todo, explicitam isso. Texto não é parte isolada, mas partes que se combinam, formando, aí então, o todo.

Não leram o texto, por isso a parte lida arvora-se de todo. A folha fala como se fosse árvore.

Sou apaixonado pela estética Barroca. Belos versos estes de Gregório de Matos e Guerra:

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte.
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo
.

A maioria, o todo, concorda com o “texto deixa margem”. Eu, a parte, discordo. A gestora diz que a parte deve se submeter ao todo no dia 7 de dezembro.

Antes, lerei Nelson Rodrigues.