quarta-feira, dezembro 14, 2011

Só há um problema com o cinema do Acre

Se formos falar de sala de cinema, ela chegou ao Acre em 2011, não devendo nada às salas do Rio de Janeiro.

Só há um problema: está prevalecendo o filme comercial.

"O Palhaço", de Selton Mello, estava em cartaz e logo sumiu. Em Rondônia, ele continua.

A belíssima película de Almódovar, "A pele que habito", nem roçou por aqui.

Se prevalecer o filme comercial, filme só como entretenimento, a sala ficará pequena para tanta futilidade visual.

O Acre não existe e, se existe, é o fim do mundo

Depois de a jovem afirmar que o Acre não existe e da matéria jocosa do G1 sobre o shopping acriano, deixo aqui meus retalhos.

Resido aqui há quase 21 anos, porque aqui, depois da Frente Popular, a vida ficou melhor. Tenho uma filha rio-branquense, ela queria ser carioca.


Por que ser carioca? "Porque aqui não tem nada, pai", respondeu a inocente. Mas o que significa não ter nada? Na época, ela disse que no Acre não havia nem 
shopping. Haver esse templo profano de consumo representa para ela retirar o Acre do nada.


Na escola, certa vez, um aluno me disse que não compreendia como eu, vindo do Rio de Janeiro, permanecia no Acre. Para ele, o Acre não era desenvolvido porque não havia shopping na época. Hoje, com shopping, o Acre já é desenvolvido. 


Esse, portanto, um primeiro ponto: o shopping.
E o segundo?

Nesses anos, uma classe social, representada por pessoas cujos nomes não posso revelar, sempre negou a sua origem. Passando dias no Rio de Janeiro, um acriano diz: "Sou de Brasília". Em São Paulo, afirma: "Sou do Pará".


Ouvi muitas histórias de acrianos que, passando pela "Cidade Maravilhosa" ou estudando em São Paulo, negavam suas origens.

Ora, não precisa alguém de o Rio Grande do Sul dizer por meio da internete que o Acre não existe, porque, para muitos acrianos da classe média, média-alta ou alta, o Acre não existe: "Sou de Brasília", "Sou do Pará".

Muitos acrianos dessas classes sociais têm vergonha de ser acriano. Mas por que a vergonha?     



Não educo minha filha para ser carioca; educo-a para ser acriana. Mas o que é ser acriano? Em um blogue, não cabe a resposta. É preciso um artigo, uma dissertação ou uma tese; é preciso uma ideia escrita com o olhar de estrangeiro.


Mas, a ela, eu digo oralmente; eu a educo oralmente. No entanto,  não sei se ela ficará convencida de ser acriana ao longo dos anos, o que lamento.


Esse, portanto, o segundo ponto: trair sua própria origem.


Não existe em nossa bibliografia um trabalho escrito e profundo sobre nossas vergonhas, sobre nossos rostos, sobre nossas identidades. Ainda existe um vácuo sobre nós, acrianos.


No Rio de Janeiro, talvez um primo babaca de minha filha ria dela por ela ser acriana, essa terra que não existe para ele e para o pai dele.


Minha filha, se responder à altura do cupuaçu, do açaí ou do suco de maracujá com pó de guaraná, não dirá que na terra dela tem viaduto,  tem Expo-Acre, tem shopping, tem estádio de futebol, porque não serão construções que irão diferenciá-la do primo do Rio de Janeiro.


Para se defender, para não ser motivo de riso, Lara precisa de conhecimento, de cultura, de educação, de livros e de percepção apurada da vida. 


O Acre só existe segundo a tua palavra, a tua defesa e, se ele, o Acre, é o final do mundo para alguns, diga-lhe, filha, que é o final, por isso estamos tão longe do "desenvolvimento" do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde a miséria dessas metrópoles não se compara à  simplicidade de quem é pobre em Feijó, em Tarauacá.


Lecionei em Feijó durante duas semanas em 1994 e, nesses dias, conversando em uma praça, um homem me disse que não retornou ao Ceará porque em Feijó ele nunca passou fome.


Até hoje e durante muitos anos, em Feijó não haverá shopping. Mas não passar fome, convenhamos, minha filha, é muito mais humano. Sim, aqui é, graças a Deus, o fim do mundo.


E deixe São Paulo ser o começo com seus engarrafamentos de 100 quilômetros à margem de um rio que é só esgoto a céu aberto.


Prefiro o rio Moa.