sexta-feira, abril 27, 2007

Os ombros suportam o mundo






Na escola Heloísa Mourão Marques, em uma reunião, os professores decidiram não haver os estilos de época da literatura. Para o aluno, somente análise de texto literário.


Com isso, prevalece o estudo de vocabulário e de conceitos, além de interpretação e de observações gramaticais relacionadas à produção redacional.

Uma poesia que ofertei aos olhos deles foi Os ombros suportam o mundo, de Carlos Drummond de Andrade. Estudamos esse texto para tecer um contraste entre ele e a poesia de Cruz e Sousa, de Vinícius de Moraes e de Camões.

Nesse eu-lírico, vigora a ausência do místico. No mundo hodierno, desejo que eles percebam no texto de Drummond o que representa a ausência do místico e a sua presença, por exemplo, na poesia de Cruz e Sousa.

Leio livros não para saber se é realista ou romântico, mas eu os leio para repensar o mundo em que estou com os outros.

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Onde estão minhas luvas?


No terminal, uma trabalhadora limpa o espaço público sem luva. Errado.
Penso que isso se relaciona à saúde pública.
Que a administração do terminal urbano saiba agir.

Resposta a um bloguista

Um bloguista pergunta se eu não gostei dos alunos irem à rua. Penso que a manifestação deve ser muito mais organizada e sedutora. Ocupar as ruas exige uma forma sensível a fim de chamar a atenção das pessoas que andam pela cidade.
Os sindicalistas são péssimos com seus discursos, porque não há no movimento sindical a preocupação com o ato estético. Deveriam ler sobre isso para alterar suas ações empobrecidas. O capital há tempo vem usando a estética para seduzir e alienar.
No dia da passeata, os sindicalistas poderiam, por exemplo, colocar músicas dos Titãs, do Gabriel, do Renato Russo, mas eles se reduziram uma verborréia infecunda. É preciso ironizar, é preciso debochar, é preciso transformar a passeata em um ato estético para sensibilizar os que passam.
O mundo mudou e as passeatas devem mudar e, para tanto, a organização exige outros procedimentos. Os estudantes precisam ser criativos.

Fui de movimento estudantil no Rio de Janeiro, na década de 80 e, na UNE, no Catete, discutíamos isso naquela época. Em outras palavras, alguns defendiam o protesto como ato cultural e estético.

Protestei nas ruas com o companheiro Willam, ligado a Wladimir Palmeira. Mais tarde, esse petista seria secretário de Educação do Rio de Janeiro no governo de Benedita da Silva. Naquela época, ainda que muito jovens, pensávamos sobre o porquê dos sindicatos não seduzirem.

Como diz Fernando Pessoa: "viver não é preciso; criar é preciso."
Deveria haver uma campanha nesta cidade para as pessoas usarem em certos dias úteis somente a bicicleta como forma de protesto. Isso me recorda Martin Luther King. Os negros deixaram de usar os ônibus e andaram a pé como forma de protesto. Deu resultado.

Assim como Gandhi, Martin Luther King leu sobre os anarquistas.
Jovens, rebelem-se contra as injustiças, mas saibam que a revolta deve ter o sabor da criatividade.