terça-feira, março 27, 2012

A sociologia da poesia


No início do ano letivo, deparei-me com uma surpresa: o prof. Hildo Montezuma na escola Heloísa Mourão Marques. 


Antes, diretor do ensino médio; hoje, sala de aula. Hildo saiu do gabinete para retornar à escola, fazendo o percurso contrário ao dos militantes políticos. Hildo é membro do PC do B.

Não demorei muito para conversar com ele. Sempre bom ouvir suas críticas por serem ponderadas e agudas. Hildo é o tipo de professor que não tem medo de pensar.

Hildo, um adolescente com seus 40 anos

Ele leciona sociologia para 15 turmas. Isso mesmo, 15 turmas ou seiscentos alunos. Eu chamo isso de "qualidade de ensino do primeiro mundo".


Ainda sim, esse professor de sociologia e militante do PC do B propôs que professores e alunos recitassem poesias na hora do lanche.

No primeiro dia, Hildo declamou versos de Maiakóvski, poeta "assassinado" pelo Partido Comunista da União Soviética.

No segundo dia,  minha vez. Hildo me chamou. Peguei o microfone, subi à cadeira, abri o livro de Ferreira Gullar e, diante de muito alunos, recitei "Dois e dois = Quatro".

A primeira estrofe:

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena.


Pessoas como Hildo possibilitam isto: bons encontros ou sinceros encontros. Bom dividir uma escola pública com um ser humano que não se contenta com a rotina escolar. A sociologia deseja poetizar.

Para alguns, pode ser insignificante subir a uma cadeira para recitar grande nomes da literatura, mas é, para nós, outra forma de se relacionar com os alunos, com os jovens.

Expomos a adolescentes nossos 30, 40, 50 ou 60 anos de idade que apreciam a boa palavra, a sedutora poesia.

Concluída a estrofe, fala-se aos comensais "devolvam o prato à cantina".

Para quem se interessar, a Escola de Frankfurt, na pessoa de Adorno, publicou um ótimo livro sobre a linguagem lírica ou linguagem poética, chama-se "Lírica e  Sociedade", um expressivo trabalho de sociologia.

Leia este breve trecho:

O eu que ganha a voz na lírica é um eu que se determina e se exprime como oposto ao coletivo, à objetividade.


Vladimir Maiakóvski [1893-1930]

Leia com doçura a poesia recitada
por Hildo Montezuma


Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades.



Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

é agitado.

As ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas.









   

























































Obrigado, comunista, por este momento poético e por outros que virão!!!