sábado, outubro 24, 2015

A BANDEIRA DO ACRE




Quando existem espetáculos no Rio ou em Sampa, não raro ver uma bandeira acriana. Nunca vi bandeira do Amapá. Jamais vi bandeira de Roraima.

Para estarem no show, não são acrianos que moram à margem dos rios, os ribeirinhos; não são pessoas pobres, classe social com pouco poder aquisitivo.

Pagar passagem de avião. Pagar ingresso. Pagar hospedagem No mínimo, uma classe média acriana vai aos espetáculos.

Por que essa classe social leva bandeira para ser vista por todo país?

Querem mostrar que o Acre precisa existir para o Brasil?

Tolos, escondam a bandeira, o Acre não existe, ou melhor, o Acre não precisa existir para o Rio de Janeiro, para São Paulo, para o Paraná.

Preservem o Acre como segredo; não o exponham aos que ignoram o que seja a brisa verde e molhada de um igarapé. Escondam o Acre dos que pensam - se é que pensam - que progresso é só consumir marcas, carros, bebidas.

O Acre não existe porque o tempo parou nele.

Parou entre um tambaqui em folha de bananeira e um cupuaçu à beira do rio vazante ou à beira de rios onde borboletas voam sobre melancias fartas.

Parou entre suas mulheres que desobedecem o excesso de igrejas para doarem seus corpos em forma de alegria nortista. Parou entre sexos que gozam sob um céu que cariocas e paulistas jamais gozarão.

O tempo no Acre parou entre amigos acrianos que, por não serem baixos, não apunhalam pelas costas, uma gente boa que não tem vergonha de comer o simples prato "Baixaria".

O tempo no Acre parou entre pobres que não passam fome caso queiram plantar em terras fartas de abacaxi maior do que cérebro de políticos atrofiados.

Escondam a bandeira do Acre, ele não existe.

Rio e Sampa são cidades devassadas pela miséria do tumulto e pela selvageria da civilização inútil.

O Acre não é civilizado. O Rio é civilizado. Sampa é civilizado. O Acre ri da civilização com seus índios, com suas adolescentes de pernas grossas de Cruzeiro do Sul que correm seminuas ao sabor da chuva do norte.



O Acre não existe. Ele só existe para quem viveu no Acre e saiu mais humano dele.

O Acre só existe (deformado) para que nunca o viu de dentro e só fala de longe entre as fezes da Baía da Guanabara e os arrastões em Ipanema.

O Acre só existe (atrasado) para quem nunca se banhou no rio de Mâncio Lima e só fala de longe entre três horas para retornar à sua casa depois do trabalho e o estupro em uma van aos pés do Cristo Redentor.

Não, o Acre não existe. Ele é um segredo inefável para muito além das horas pesadas e cansadas das metrópoles.


Escondam a bandeira, o Acre não precisa estar à mostra. Que somente os acrianos e os que viveram nesta farta terra saibam de coração que o Acre existe.

Para o resto que nunca viu as estrelas do céu, o Acre não existe.