quinta-feira, maio 30, 2013

O Acre desconhece a cultura do Riso

Palhaço russo trata da vida, da morte e da beleza do universo sem dizer nada

GRACILIANO ROCHA
DE CRECY-LA-CHAPELLE, FRANÇA

Ao encontrar o russo Slava Polunin, 62, convém esquecer o palhaço de circo tradicional, aquele cujo número costumava ser apenas um entreato, enquanto o picadeiro era preparado para as atrações principais.

Quando maquiado, seu personagem, Yellow, já visto em ação por mais de 5 milhões de espectadores em 30 países, também usa o nariz vermelho e busca fazer rir. Mas as semelhanças acabam aí.

O espetáculo "Slava's SnowShow", que chega ao Brasil para apresentações em Belo Horizonte (29 e 30 de junho), Rio (4 a 7 de julho) e São Paulo (11 a 14 de julho), é inteiramente não verbal. Trata da vida, da morte e da beleza do universo sem dizer uma palavra.

Slava's Snowshow

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Silvia Zamboni/Folhapress
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O espetáculo "Slava's SnowShow" é inteiramente não-verbal
Usando mímicas e efeitos especiais, Slava faz rir ao reproduzir a saga de um homem atravessando uma grande nevasca. E a plateia termina o show com as roupas e os cabelos impregnados de neve cenográfica, feita de papel picado.

"O riso comporta muitas possibilidades: não é só uma resposta fisiológica a uma piada mas também uma reação filosófica à própria alegria da vida", diz Slava durante uma conversa em sua casa, em Crécy-la-Chapelle, a 42 quilômetros de Paris.

"O riso é uma coisa muito democrática porque funciona tanto com uma criança quanto com um professor, independentemente de quem seja ou da condição social que tenha."
Slava é um leitor voraz de filosofia e literatura, além de um grande estudioso do teatro. Obstinado, viaja sete meses por ano apresentando seu show.

Nascido em 1950, em Novosil, uma cidadezinha do oeste da Rússia, Slava (diminutivo para Vyacheslav) era filho do administrador de uma estatal agrícola soviética e de uma dona de casa. Charles Chaplin foi sua primeira obsessão, quando ainda era criança.

"Quando vi 'O Garoto' na TV, decidi que queria fazer alguma coisa como aquilo na vida", conta.
No auge da Guerra Fria, quando cumpria o serviço militar de dois anos no Exército Vermelho, o então recruta leu metodicamente uma lista de cem obras de autores importantes da literatura russa.

Dostoiévski (1821-1881), autor de "Crime e Castigo" e "Os Irmãos Karamazovi", era o favorito.
Na juventude, Slava decidiu estudar para ser ator. Mas foi rejeitado pelo Instituto de Teatro de Leningrado (atual São Petersburgo). O argumento: sua voz não era adequada para os palcos.
Decidiu que estudaria por conta própria, lendo textos teóricos e peças de autores russos.

O palhaço que veio do frio

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Mastrangelo Reino
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Slava Polunin e sua casa em Crécy-la-Chapelle: entre as maluquices estão camas flutuantes e obras dos grafiteiros Os Gêmeos
Subiu ao palco pela primeira vez aos 18 anos, para representar uma pantomima chamada "Litsedei", a palavra russa que significa "mímico". Se a voz era um problema, a força de vontade era uma solução.
E, em seu herói da infância, Chaplin, viu um caminho, que acabou por definir sua carreira: "Imagens e movimento são muito mais poderosos do que as palavras porque se conectam diretamente com a intuição humana", prega.

Mais tarde, ideias de dois teóricos do teatro do século 20, o francês Antonin Artaud (1896-1948) e o polonês Jerzy Grotowski (1933-1999), que discorriam sobre a espontaneidade dos atores, o inspiraram a levar elementos de sua própria vida ao palco.
A neve falsa do "SnowShow" ecoa a infância na fria Novosil. "Saíamos para brincar na neve à tarde e, às vezes, só voltávamos depois da meia-noite, com os dedos enrijecidos e o rosto completamente vermelho de tanto frio", lembra.
Slava deixou São Petersburgo em 1993, após o fim da União Soviética, para trabalhar no Ocidente.
"Foi um momento muito difícil do meu país e eu tive que pensar em como sobreviver. Decidi ir trabalhar no Cirque du Soleil por alguns anos, porque eles tinham dinheiro e a expertise em arte para fazer boas coisas."
MERGULHO SURREAL
Há 15 anos, Slava se mudou para um antigo moinho na beira de um rio, perto de Paris. Visitar sua casa é uma experiência surrealista: um barco em formato de cama flutua na água, outro barquinho (de verdade), com o casco apontado para cima, serve de cobertura para um pequeno teatro.

No jardim, há um templo budista, um vagão de trem que costumava ser usado por atores mambembes do Leste Europeu e dezenas de obras de arte em três hectares de terreno.
O local funciona como laboratório criativo de Slava e abriga a Academia dos Tolos, um projeto de intercâmbio entre artistas iniciado por ele, em 1982, ainda na União Soviética.
Na casa principal, o moinho pintado de amarelo, as paredes externas e as de um dos quartos estão forradas de obras dos brasileiros osgemeos, que Slava conheceu em turnê pelo Brasil.
"Quando os conheci, em São Paulo, foi como ter encontrado pessoas da minha família. São muito criativos e nós sempre estamos procurando meios para trabalhar juntos."
+ CANAIS

    sábado, maio 25, 2013

    O Reizinho Mandão


    Nas clássicas estórias infantis, o mundo divide-se entre bons e maus, sendo que os bons passam por provações; sofrem para que a ordem (pessoal) seja restabelecida, isto é, para que a personagem ocupe o seu devido lugar na estória.

    Sobre essa literatura infantil, ler Bruno Bettelheim, um dever.


    Em 1978, Ruth Rocha publica “O Reizinho Mandão”, narrativa infantil que apresenta uma estória não de ordem pessoal, mas de ordem social.

    Se, em “Branca de Neve”, o poder da rainha é ser a mais bela do reino (ordem pessoal), não havendo, portanto, a relação entre o governante e os súditos (ordem social), o poder do Reizinho Mandão impede em seu reino que os súditos o critiquem.

    - Cala a boca! Eu é que sou o rei. Eu é que mando!

    No reino do Acre, para que os súditos soubessem o que a Polícia Federal (des)cobriu, o melhor lugar para não saber foi a imprensa escrita rio-branquense, cuja função social tem sido há anos registrar a contagem do tempo conforme o calendário.

    Mas o que o seu rei mandar... não faremos todos.

    Libertadas das redações dos jornais, as palavras no blogue de Altino Machado, nas redes sociais e na revista Veja não se calaram.

    Por meio delas, soubemos que o reino do Acre é desencantado.


    Blogue não é súdito

    No Acre, jornalismo deixou de ser feito em redação de jornal. Jornalismo é ação individual de um nome (o teu, o dele) que libertou a palavra da linha de montagem das redações.


    Blogue, lugar incômodo em que o governante não pode visitar para agradar ao jornalista. Esta, portanto, a natureza do blogue: desobediência aos reis, porque o blogue é um reino à parte.


    quarta-feira, maio 22, 2013

    Uma resenha a teus olhos



    Gilles Lipovetsky não lecionou na Escola de Frankfurt
     
                                                  Aldo Antônio Tavares do Nascimento


    LIPOVETSKY, Gilles.  Metamorfoses da Cultura Liberal: ética, mídia e empresa. In: Deve-se culpar a mídia? Porto Alegre: Sulina, 2004. p. 67-75.
               
                Nascido em Millau, ao sul da França, em 24 de setembro de 1944, Gilles Lipovetsky leciona na Universidade de Grenoble, ao sopé dos Alpes. Seu primeiro livro, A Era do Vazio (França, 1987), “viajou” 18 anos para cruzar o Atlântico e desembarcar, em terras brasileiras, suas traduzidas palavras. Cinco anos depois (1992), edita em seu país A Sociedade Pós-Moralista, que aportou no Brasil após 13 anos, em 2005. Citamos esses dois títulos por se relacionarem ao livreto Metamorfoses da Cultura Liberal: ética, mídia e empresa, lançado no Canadá (2002) e no Brasil (2004), sendo a parte IV (Deve-se culpar a mídia?) motivadora desta resenha.

                Em A Era do Vazio, o leitor depara-se com um individualismo jogado à “deserção social”, cuja característica é o vaguear apático, atribuído à atomização das relações sociais. Lipovetsky refere-se a esse livro na parte I de Metamorfoses. A Sociedade Pós-Moralista encontra-se na parte II, em “As três eras da moral”.

                Sem trilhar o caminho do rebuscamento sintático para refletir sobre “o tempo presente,/ os homens presentes,/ a vida presente.”, como poetiza Carlos Drummond de Andrade em Mãos Dadas, do livro Sentimento do Mundo, o filósofo Gilles Lipovetsky é simples e, quando elabora conceitos em suas sintaxes, surpreende. Em Deve-se culpar a mídia?, não poderia ser diferente ao declarar que a sociedade liberal trouxe benefícios aos indivíduos. Quais? Surpreende quando afirma que a cultura de massa não aliena e não manipula, mas liberta o indivíduo. De quê?

                
    Assim, na última parte do livro, o autor diz que a Escola de Frankfurt difamou as indústrias culturais porque ela disseminou o isolamento do indivíduo; destruiu as identidades regionais; uniformizou o pensamento e os gostos; desagregou o espaço público; atomizou o social. A violência se expande. A imoralidade se avoluma. Culpa-se a indústria cultural. Entre as três perguntas de Lipovetsky na página 68, esta: “Em que medida a mídia chegou a degradar o espaço público democrático?”.

                Para encontrar respostas, o autor visita rapidamente as décadas de 1920, de 1950 e de 1960 para chegar à tese da massificação e, com isso, negar esse mesmo processo de massificação quando ele atesta que a mídia não massifica mais do que a escola. Segundo ele, “a mídia funcionou como agente de dissolução da força das tradições e das barreiras de classe, das morais rigoristas e das grandes ideologias políticas”. A mídia, portanto, emancipou os indivíduos em relação às autoridades institucionalizadas e às coerções identitárias da família, do partido, da igreja. Foi a partir dos anos de 1960 que as instituições coletivas perderam uma considerável parte do seu poder regulador, iniciando assim a desinstitucionalização do indivíduo, ou seja, com o individualismo desregulado, dessincronizado, os lugares tradicionais cedem ao universo privatizado do consumo dos objetos, das imagens e dos sons.

                Quando temos a certeza de que sua reflexão, finalmente, estabiliza-se, Gilles Lipovetsky, com simplicidade, surpreende por asseverar que a difusão social convive com diversos fanatismos, formando a imagem de uma sociedade contraditória. Não há em seu pensamento uma sociedade padronizada como existe em O Fetichismo na Música e em Lírica e Sociedade, de Theodor W. Adorno - um dos grandes nomes da Escola de Frankfurt -, mas tão somente o trânsito livre dos paradoxos. Entendamos que uma parte dessa contradição, a multiplicação de seitas, não significa resíduos do passado, mas “a própria dinâmica do neoindividualismo e do enfraquecimento das grandes instituições de enquadramento”.

                Embora leiamos em seu texto que a mídia tenha possibilitado ao indivíduo comparar informações por causa de múltiplas referências, Lipovetsky exemplificará depois que essa mesma mídia está longe de democratizar a cultura: um francês em cada quatro não leu um único livro nos últimos 12 meses. Isso não é culpa da mídia. Trata-se de uma máquina social, ajustada pelo consumismo, pelo individualismo e pelo utilitarismo, que determina para essa direção. A mídia tem seus limites.

                Como escrevemos antes, o autor de A Era do Vazio e de A Sociedade Pós-Moralista questiona a Escola de Frankfurt nas páginas iniciais de Deve-se culpar a mídia?. Isso nos faz imaginar que Lipovetsky poderia ter interpelado Adorno quando este escreveu na lousa dessa escola que “a indústria cultural impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. No entanto, quando Adorno e Horkheimer empregaram os termos “indústria cultural” pela primeira vez em 1947 na revista Dialética do Iluminismo, Gilles Lipovetsky tinha apenas três anos de idade. Assim, embora não tenha lido o que Adorno escreveu no quadro da Escola de Frankfurt, o autor de Metamorfoses da Cultura Liberal deixa uma “lição” para aqueles que ainda pensam como Theodor Adorno, qual seja: que a indústria cultural não tem todos os poderes.


    Beijar



    Em sua insana consciência, o Amante jamais pensa como beijará o ser Amado, porque o que é vital no beijo é o não pensar.


    Uma vez nele, uma vez entre os lábios e a língua, entre a saliva e o céu da boca, já não vemos mais nada. Fechar os olhos.


    Desejamos tão somente sentir o movimento incerto da carne para partir... e, fechados os olhos, a Alma se sente cair no abismo de uma breve viagem. Deixar ir.

    Nada no beijo é exato, preciso ou calculado. Quanto mais errado, quanto mais a língua escapa, foge, escorre, quanto mais os lábios se jogam, a boca só deseja se perder, mais ainda, na boca Amada.

    Mas quem disse que o beijo são só os movimentos da carne? Antes de eu ter minha boca de volta, antes de eu ir embora, pouco antes de minha partida, deixei na tua não só o pecado molhado da saliva, mas meu sopro...

    meu sopro de vida.

    segunda-feira, maio 20, 2013

    Jorge Viana e Joaquim Barbosa

    Senador Jorge Viana não gostou das afirmações do ministro Joaquim Barbosa. Jorge não perdeu a mania do que deve e do que não deve ser dito, mania de monitorar a liberdade de expressão.


    Barbosa diz que país tem 

    'partidos de 
    mentirinha' e critica Congresso

    Segundo presidente do STF, Legislativo é 'dominado' pelo Executivo.
    Ele defendeu voto distrital, no qual mais votado de cada distrito é eleito.

    Mariana Oliveira
    Do G1, em Brasília
    247 comentários
    Joaquim Barbosa participa de evento na Semana Jurídica do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesp) (Foto: Agência Brasil)Joaquim Barbosa participa de evento na Semana
    Jurídica do Instituto de Educação Superior de
    Brasília (Iesp) (Foto: Agência Brasil)
    O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criticou nesta segunda-feira (20) a representação partidária no país. Segundo ele, os partidos são de "mentirinha". Ele também afirmou que atualmente o Congresso é "inteiramente dominado" pelo Executivo.
    Barbosa deu as declarações durante palestra na abertura de Semana Jurídica do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb).
    1. Ao ser perguntado por aluno sobre críticas de interferência do Judiciário no Legislativo, Barbosa disse que partidos "querem o poder pelo poder".

    Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais"
    Joaquim Barbosa
    "Nós temos partidos de mentirinha. Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E nem pouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder."
    Para o presidente do STF, a falta de representação partidária faz o Congresso ter "ineficiência pela sua incapacidade de deliberar".
    Ele completou, ainda, que outro problema do Congresso é o fato de ser submetido ao Executivo. "O problema crucial brasileiro, a debilidade mais grave do Congresso brasileiro é que ele é inteiramente dominado pelo Poder Executivo. [...] Temos um órgão de representação que não exerce em sua plenitude o poder que a Constituição lhe atribui, que é o poder de legislar."
    Joaquim Barbosa disse que uma saída para a falta de representatividade no Congresso seria a adoção do voto distrital, sistema no qual o país é dividido em distritos e é eleito o mais votado daquele distrito. Atualmente, a eleição para a Câmara é proporcional e leva em conta os votos recebidos pelo partido.
    "Passados dois anos da eleição ninguém sabe mais em quem votou. Isso vem do sistema proporcional. A solução seria a adoção do voto distrital para a Câmara dos Deputados. [...] Hoje temos um Congresso dividido em interesses setorizados. Há uma bancada evangélica, uma do setor agrário, outra dos bancos. Mas as pessoas não sabem isso, porque essa representatividade não é clara."
    Para o senador José Agripino (DEM-RN), Barbosa cometeu injustiça com algumas siglas, mas diz que alguns partidos da base seguem o que o "mestre mandar".
    “Eu acho que aí o ministro está cometendo uma injustiça com os partidos como o meu, que tem uma formulação muito clara da qual não abre mal", disse.
    “Agora, cá entre nós, os partidos da base do governo tem uma formulação programática, ou seja, tudo que seu mestre mandar”, completou.
    Já o senador Jorge Viana (PT-AC) afirmou que respeita a opinião de Barbosa, mas disse que ela não ajuda nada.
    "Eu respeito a opinião do Joaquim Barbosa, mas eu acho que ela não ajuda em nada. O presidente de um poder tem que trabalhar para o fortalecimento dos poderes, respeitando o outro poder e cuidando do seu."
    "Mas as criticas que o parlamento está enfrentando vem de todo lado, até porque nós mesmos não fizemos o nosso dever de casa"
    PEC 33
    O presidente do Supremo comentou ainda a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33, que foi aprovada em uma comissão da Câmara, mas teve a tramitação paralisada após críticas. A proposta determina que decisões do Supremo sejam submetidas à análise do Congresso.


    Para ele, a proposta é uma "reação" à decisões do Congresso. "São, sim, reações a decisões do STF. Se levadas adiante essas tentativas, nós teríamos destruído a Constituição brasileira, todo mecanismo de controle de constitucional que o Supremo exerce sobre as leis. Significaria o fim da Constituição de 88."

    O Mal necessário




    Na última tentação no deserto, ofereci ao filho de deus o domínio sobre a cidade. Ele não quis.

    Ofereci então aos homens. Eles aceitaram.

    Na cidade, a miséria social não se cura, a ignorância se avoluma e o Poder, que deveria buscar a justiça e o bem comum, se enriquece com a corrupção, com a mentira.
     

    Meu nome é Poder, mas pode
    me chamar de Lúcifer

    Minha especialidade,
    seduzir governos




    sexta-feira, maio 17, 2013

    Alunos, leiam Leminski!

    Mais pop que "50 Tons de Cinza", livro apresenta Leminski complexo à geração do Facebook

    Carlos Minuano
    Do UOL, em São Paulo
    Feito raro num país que dá pouca bola à literatura, Paulo Leminski é pop. Morto em junho de 1989, aos 44 anos, os versos do escritor e jornalista paranaense circulam há décadas em agendas e cadernos de estudantes e, hoje, encontram terreno fértil também na internet, sobretudo em redes sociais como o Facebook. Um dos poemas mais populares na rede diz o seguinte: "Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além".

    E é para além do universo de citações fáceis - e muitas vezes descontextualizadas ou incorretas - que uma série de lançamentos e projetos futuros, incluindo livros, filmes, discos e site, pretende levar a obra do autor descrito por Caetano Veloso como "concretista beatnik", por Haroldo de Campos como "polilíngue paroquiano cósmico" ou simplesmente como "samurai malandro", por Leyla Perrone-Moisés.
     

    50 TONS DE LARANJA

    • Reprodução
      Capa do recém-lançado "Toda Poesia", que reúne mais de 600 poemas de Paulo Leminski
    Recém-publicado pela Companhia das Letras, "Toda Poesia" reúne os seus mais de 600 poemas, de diferentes fases e estilos, e procura decifrar o complexo universo de Leminski, que transitou com desenvoltura pelos territórios distintos, e eventualmente opostos, do erudito e do popular.

    Prova de que o poeta é mesmo pop, o livro está há semanas no topo da lista dos mais vendidos nas livrarias brasileiras na categoria ficção e já desbancou até mesmo o best-seller pornô soft "50 Tons de Cinza".

    No conjunto, a criação poética de Leminski apresentada em "Toda Poesia" mostra como ele circulava livremente por diferentes estilos. Do concretismo ao coloquialismo, em haicais ou poemas-piadas, o caboclo polaco-paranaense (descendente de negro e polonês), exibe uma linguagem, que resiste ao tempo.

    Apesar de não trazer nenhum texto inédito, o lançamento republica material de livros raros, quase todos já fora de catálogos. A maior parte organizada em livros pelo próprio Leminski, segundo a poeta Alice Ruiz, viúva do autor, e responsável pela seleção dos poemas reunidos na nova publicação.

    "O que ficou de fora foi porque ele assim quis, e respeito isso", diz. "O que ele não considerou pronto não será publicado", completa. 

    Múltiplo Leminski
    Os holofotes que se voltam sobre Leminski nesse momento, além de recolocar em destaque um nome de relevo da poesia brasileira, também devem jogar luz sobre facetas do autor mais desconhecidas do grande público. 

    Por trás de tudo isso, o esforço da família, Alice e as filhas Estrela e Áurea, que há anos trabalham na organização e difusão da extensa produção de Leminski nas mais diferentes áreas. Parte desse trabalho resultou na exposição "Múltiplo Leminski". A mostra, que fica até outubro em Curitiba e depois segue para Goiânia e Recife, além da obra poética, destaca os trabalhos do artista na música, no cinema, grafite e quadrinhos.

    Áurea também está à frente da digitalização do acervo de Leminski. "Trabalho muito extenso", desabafa. "Já são quase três anos debruçada sobre esse material", conta. O motivo de tanta labuta é lançar em agosto deste ano o acervo digital do autor, a ser distribuído em bibliotecas e universidades.

    Outra parte deve se tornar um site oficial gerido pela família. Embora familiarizada com a obra do pai, Áurea diz ter se surpreendido com a multiplicidade de suas criações. "Ele era profundamente interessado em todas as formas de conhecimento, sobretudo as ligadas às áreas humanas".
     

    QUASE PARCEIROS

    • Mônica Vendramini/Folhapress
      Uma história pouco conhecida de Leminski é sobre sua 'quase' parceria na canção "Tô Tenso", dos irmãos Arrigo e Paulo Barnabé e Itamar Assumpção. Paulo Barnabé conta que depois que se tornaram amigos em um boteco de Curitiba, e de se encontraram depois em shows e lançamentos de livros, ligou para o poeta em Curitiba para pedir uma ajuda. "Estava escrevendo a música e passei a ele a letra, queria ela mais comprida", explica.

      Depois de uns dias Leminski mandou o complemento, que segundo Paulo Barnabé ficou muito bom. Mas o trecho acabou não sendo usado. "Infelizmente eu perdi o papel. Naquela época não tinha internet, ficou difícil falar com ele sobre isso novamente, acabei deixando pra lá", justifica.
    A produção musical de Leminski também é robusta. Suas canções foram gravadas por nomes como Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, Jorge Mautner e Itamar Assumpção. Do extenso cancioneiro do poeta pop (também compositor, cantor e músico), quem está cuidando é a outra filha, a compositora e escritora, Estrela.
    É ela quem está digitalizando o acervo de gravações em fita cassete. "Tarefa nada fácil", garante. "Algumas estão com bolor, outras grudadas". Ela está reunindo todas as composições do pai para um songbook, que será lançado em 2014.
    Em paralelo, ainda está gravando um CD duplo. "Um disco será composto de parcerias do meu pai com diversas pessoas, Itamar Assumpção e Moraes Moreira, por exemplo, e o outro com composições só dele", explica. "Estou mergulhando na linguagem dele, acho que é mais fácil pra mim por ter crescido ouvindo essas músicas e por saber bem o gosto musical do meu pai", observa Estrela.

    Mas a falta de distanciamento embolou um pouco o meio de campo, na hora da seleção das músicas. "Minha vontade era de gravar todas as inéditas, mas já sei que nesse projeto não vai caber tudo". Segundo ela, os discos terão algumas participações especiais, como de Zélia Duncan e Zeca Baleiro.

    Alice e Paulo
    A vida e a obra de Paulo Leminski e Alice Ruiz também vai virar filme. Ou melhor, dois filmes. Segundo o produtor João Pedro Albuquerque, são dois projetos, paralelos e complementares, chamados provisoriamente de "Alice e Paulo". "Representarão toda a pulsação criativa destes poetas", adianta. Ambos em fase de captação serão lançados em 2014, de acordo com o produtor. 

    O longa, dirigido por Gustavo Tissot, vai retratar a vida e o amor do casal. "Uma incrível jornada de dois jovens que se conheceram e se apaixonaram em Curitiba, em 1968, e fizeram história em uma geração de contestação cultural", diz.

    Em paralelo, ele conta que está sendo produzido um documentário sobre a vida e a obra dos dois poetas, dirigido por Oscar Rodrigues Alvez. "Trará diversas entrevistas e imagens reais da vida e construção da obra deles".

    Para Estrela, o objetivo central de tantos projetos é preencher uma lacuna. "As pessoas hoje conhecem muitas coisas pela web, mas perdem o todo do autor, como o meu pai é múltiplo, sinto que há um buraco de informações".

    Alunos, leiam Leminski

    Mais pop que "50 Tons de Cinza", livro apresenta Leminski complexo à geração do Facebook

    Carlos Minuano
    Do UOL, em São Paulo
    Feito raro num país que dá pouca bola à literatura, Paulo Leminski é pop. Morto em junho de 1989, aos 44 anos, os versos do escritor e jornalista paranaense circulam há décadas em agendas e cadernos de estudantes e, hoje, encontram terreno fértil também na internet, sobretudo em redes sociais como o Facebook. Um dos poemas mais populares na rede diz o seguinte: "Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além".

    E é para além do universo de citações fáceis - e muitas vezes descontextualizadas ou incorretas - que uma série de lançamentos e projetos futuros, incluindo livros, filmes, discos e site, pretende levar a obra do autor descrito por Caetano Veloso como "concretista beatnik", por Haroldo de Campos como "polilíngue paroquiano cósmico" ou simplesmente como "samurai malandro", por Leyla Perrone-Moisés.
     

    50 TONS DE LARANJA

    • Reprodução
      Capa do recém-lançado "Toda Poesia", que reúne mais de 600 poemas de Paulo Leminski
    Recém-publicado pela Companhia das Letras, "Toda Poesia" reúne os seus mais de 600 poemas, de diferentes fases e estilos, e procura decifrar o complexo universo de Leminski, que transitou com desenvoltura pelos territórios distintos, e eventualmente opostos, do erudito e do popular.

    Prova de que o poeta é mesmo pop, o livro está há semanas no topo da lista dos mais vendidos nas livrarias brasileiras na categoria ficção e já desbancou até mesmo o best-seller pornô soft "50 Tons de Cinza".

    No conjunto, a criação poética de Leminski apresentada em "Toda Poesia" mostra como ele circulava livremente por diferentes estilos. Do concretismo ao coloquialismo, em haicais ou poemas-piadas, o caboclo polaco-paranaense (descendente de negro e polonês), exibe uma linguagem, que resiste ao tempo.

    Apesar de não trazer nenhum texto inédito, o lançamento republica material de livros raros, quase todos já fora de catálogos. A maior parte organizada em livros pelo próprio Leminski, segundo a poeta Alice Ruiz, viúva do autor, e responsável pela seleção dos poemas reunidos na nova publicação.

    "O que ficou de fora foi porque ele assim quis, e respeito isso", diz. "O que ele não considerou pronto não será publicado", completa.

    Múltiplo Leminski
    Os holofotes que se voltam sobre Leminski nesse momento, além de recolocar em destaque um nome de relevo da poesia brasileira, também devem jogar luz sobre facetas do autor mais desconhecidas do grande público.

    Por trás de tudo isso, o esforço da família, Alice e as filhas Estrela e Áurea, que há anos trabalham na organização e difusão da extensa produção de Leminski nas mais diferentes áreas. Parte desse trabalho resultou na exposição "Múltiplo Leminski". A mostra, que fica até outubro em Curitiba e depois segue para Goiânia e Recife, além da obra poética, destaca os trabalhos do artista na música, no cinema, grafite e quadrinhos.

    Áurea também está à frente da digitalização do acervo de Leminski. "Trabalho muito extenso", desabafa. "Já são quase três anos debruçada sobre esse material", conta. O motivo de tanta labuta é lançar em agosto deste ano o acervo digital do autor, a ser distribuído em bibliotecas e universidades.

    Outra parte deve se tornar um site oficial gerido pela família. Embora familiarizada com a obra do pai, Áurea diz ter se surpreendido com a multiplicidade de suas criações. "Ele era profundamente interessado em todas as formas de conhecimento, sobretudo as ligadas às áreas humanas".
     

    QUASE PARCEIROS

    • Mônica Vendramini/Folhapress
      Uma história pouco conhecida de Leminski é sobre sua 'quase' parceria na canção "Tô Tenso", dos irmãos Arrigo e Paulo Barnabé e Itamar Assumpção. Paulo Barnabé conta que depois que se tornaram amigos em um boteco de Curitiba, e de se encontraram depois em shows e lançamentos de livros, ligou para o poeta em Curitiba para pedir uma ajuda. "Estava escrevendo a música e passei a ele a letra, queria ela mais comprida", explica.

      Depois de uns dias Leminski mandou o complemento, que segundo Paulo Barnabé ficou muito bom. Mas o trecho acabou não sendo usado. "Infelizmente eu perdi o papel. Naquela época não tinha internet, ficou difícil falar com ele sobre isso novamente, acabei deixando pra lá", justifica.
    A produção musical de Leminski também é robusta. Suas canções foram gravadas por nomes como Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, Jorge Mautner e Itamar Assumpção. Do extenso cancioneiro do poeta pop (também compositor, cantor e músico), quem está cuidando é a outra filha, a compositora e escritora, Estrela.
    É ela quem está digitalizando o acervo de gravações em fita cassete. "Tarefa nada fácil", garante. "Algumas estão com bolor, outras grudadas". Ela está reunindo todas as composições do pai para um songbook, que será lançado em 2014.
    Em paralelo, ainda está gravando um CD duplo. "Um disco será composto de parcerias do meu pai com diversas pessoas, Itamar Assumpção e Moraes Moreira, por exemplo, e o outro com composições só dele", explica. "Estou mergulhando na linguagem dele, acho que é mais fácil pra mim por ter crescido ouvindo essas músicas e por saber bem o gosto musical do meu pai", observa Estrela.

    Mas a falta de distanciamento embolou um pouco o meio de campo, na hora da seleção das músicas. "Minha vontade era de gravar todas as inéditas, mas já sei que nesse projeto não vai caber tudo". Segundo ela, os discos terão algumas participações especiais, como de Zélia Duncan e Zeca Baleiro.

    Alice e Paulo
    A vida e a obra de Paulo Leminski e Alice Ruiz também vai virar filme. Ou melhor, dois filmes. Segundo o produtor João Pedro Albuquerque, são dois projetos, paralelos e complementares, chamados provisoriamente de "Alice e Paulo". "Representarão toda a pulsação criativa destes poetas", adianta. Ambos em fase de captação serão lançados em 2014, de acordo com o produtor.

    O longa, dirigido por Gustavo Tissot, vai retratar a vida e o amor do casal. "Uma incrível jornada de dois jovens que se conheceram e se apaixonaram em Curitiba, em 1968, e fizeram história em uma geração de contestação cultural", diz.

    Em paralelo, ele conta que está sendo produzido um documentário sobre a vida e a obra dos dois poetas, dirigido por Oscar Rodrigues Alvez. "Trará diversas entrevistas e imagens reais da vida e construção da obra deles".

    Para Estrela, o objetivo central de tantos projetos é preencher uma lacuna. "As pessoas hoje conhecem muitas coisas pela web, mas perdem o todo do autor, como o meu pai é múltiplo, sinto que há um buraco de informações".