De Aldo Nascimento, publicado no jornal "O Rio Branco", na coluna Ler.
A palavra ler,
como muitas palavras, provem da cultura rural, dos hábitos agrários: o ato de
escolher os grãos de um cereal era o ato de ler.
Se separarmos a raiz “leg” da palavra
latina “legere”,
encontraremos essa mesma raiz em eleger. Em português, “leg” transformou-se em “l(e)”, da palavra lei; transformou-se em “lh(e)”, da palavra colheita;
transformou-se em “le.ç”, da palavra seleção;
e transformou-se em “lei.t”, das
palavras leitor, eleitor.
“Leg” também surge sob a forma
apofônica “lig”, que está na palavra
inteligente.
A palavra colega, por mais que possa soar estranho, significa “quem lê junto”.
O
que significa, afinal, ler? Como
escrevi no início, o ato de escolher os grãos de um cereal era o ato de ler, ou seja, ler significa escolher,
selecionar – ora, quem escolhe
(ou quem sabe ler bem) jamais escolhe
o pior. Mas entendamos que, se ler é “escolher o melhor”, isso quer dizer que
o melhor nos aproxima do outro. De um cereal, separamos (ou lemos) os melhores grãos
dos piores não só por serem os melhores – óbvio! - que nos alimentarão, mas porque,
quando servidos, os melhores grãos unirão os comensais à mesa. O melhor,
portanto, nos aproxima. Porque cria repulsa, o pior nos afasta.
Antes
de ler, porém, é preciso haver o espaço selecionado para a leitura, por isso
esta pergunta: onde ler “O Pequeno Príncipe”? O ato da leitura exige conforto,
por exemplo, o conforto do silêncio. A temperatura deve ser agradável, entre
20º e 25º. O leitor deve estar prazerosamente acomodado em um ambiente que o faça
se sentir separado dos ruídos e dos desconfortos da rua.
Centro
de Rio Branco. Na Biblioteca Estadual, segundo piso, encontra-se o conforto do
leitor infantil: paz, temperatura agradável, acentos confortáveis, silêncio,
tudo selecionado para que o lugar da leitura seja aprazível. Entretanto, na escola,
a sala de aula se nega a espaço de deleite, de aprazimento. Muito longe de ser oásis
de leitura, o chão de uma sala é infecundo para a abertura de bons livros.
Entre suas quatro paredes, não há o conforto do silêncio, muito menos
temperatura agradável e acentos confortáveis. Porque cria repulsa, a sala de
aula nos afasta do ato de ler.
Uma
estrada rasga a floresta. Um viaduto se ergue sobre casas. Milhões de reais gastos
com o que o discurso político chama de progresso e de desenvolvimento. Ler, no
entanto, nunca representou em propagandas de governos a grandeza cultural de um
povo, por isso a sala de aula vale menos do que estradas e viadutos, por isso a
sala de aula é esse lugar desinteressante e desagradabilíssimo para ler Ruth
Rocha, Ziraldo, Carlos Eduardo Novaes, Fernanda Lopes de Almeida.
O
que pensar de escolas que, inadequadas à leitura, roubam de seus alunos a
paixão pelos livros? Pela editora Casa da Palavra, os organizadores Júlio
Silveira e Martha Ribas publicaram “A Paixão pelos Livros”, páginas simples e
repletas de ternura pelo ato de ler. Drummond, Flaubert, Caetano Veloso,
Montaigne são alguns nomes que pensam o gesto da ler, que é separar o melhor grão do pior, de preferência, em um
lugar agradável.