“O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”
Aldo Nascimento
Apresentação
Este artigo parte do livro do padre Daniel
A. Helminiak. Esse sacerdote, por sua vez, apoia-se nos estudos de John
Boswell, professor de História da Universidade de Yale, e nos de L. William
Countryman, professor de Novo Testamento da Escola da Igreja Divina do
Pacífico, em Berkeley, Califórnia. Das páginas de “O que a Bíblia realmente diz
sobre a homossexualidade”, sobressaem neste artigo as palavras em Levítico, o terceiro
livro de Moisés. Assim como igrejas neopentecostais acrianas interpretam [ao
seu bel-prazer sado-masoquista] a palavra bíblica para fecundar em igrejas, em
escolas públicas e em campo de futebol o “Bem” contra homossexuais, nada mais
justo do que lançar a palavra [interpretada] de Deus contra esse mesmo “Bem”.
Apresentação. I - Quando uma pastora joga com
Jesus Cristo em um campo de futebol; II – Pai, eles não sabem o que dizem e o
que ouvem; III – O fanatismo não remove montanhas; IV - “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”; V - O
terceiro livro de Moisés; VI – “Não te deitarás com um homem, como se fosse
mulher: isso é abominação”; e VII - Êxodo 32:27-29, o Deus que mata.
I – Quando uma pastora joga com Jesus Cristo no campo de futebol
Final de tarde. Pessoas avolumam-se
na entrada do estádio José de Melo, em Rio Branco, Acre. Atravesso a avenida
Ceará para saber o que acontece. Não é dia de futebol. Estou na multidão. Entre
pernas e braços, chego ao gramado e logo percebo que esta gente está aqui para torcer
por Jesus Cristo.
No
gramado, perto do gol, ergue-se um palanque. Ao microfone, uma pastora ergue a
voz: “Amanhã, nós lavaremos com o sangue de Jesus a sujeira daqueles que pisarão
na Gameleira.” Um dia depois, a
parada gay deixava suas lascivas e alegres pisadas.
Não
me lembro do nome da igreja, mas lembro que o deus da pastora se investia
contra outros filhos de Deus: os
homossexuais. Uma crente, aparentando uns 75 anos, ouvia o sermão. Me
aproximei. Foi quando a pastora clamou em nome do Senhor: “É contra a natureza
de Deus homem manter relações com homem e mulher manter relações com mulher. A pederastia,
meus irmãos, é contra Deus, amém?” A idosa e a multidão elevaram uma só voz: “Amém!!!”
Esperei
o espetáculo chegar ao fim para
entrevistar essa evangélica. Dona Maria Aparecida das Graças se mantém viva com
um salário mínimo em uma casa do bairro Sobral. Viúva, mãe de 9 filhos, avó de 8
e bisavó de 4 crianças, essa senhora defende as dez verdades que Deus gravou nas
Tábuas de Moisés embora, caso estivesse no monte Sinai, não as lesse. Maria é analfabeta.
Para poder pensar o homossexualismo, a
escola foi substituída pela igreja em toda sua vida.
II – Pai,
eles não sabem o que dizem e o que ouvem
Por que a senhora acredita que homem
manter relação com homem é contra Deus? Está escrito na Bíblia que Deus
criou o homem e a mulher para procriar, e o senhor sabe que a Bíblia é a
palavra de Deus.
Onde Deus escreveu essa
verdade? Meu
pastor disse que foi em Gênesis.
A senhora saber ler? Não
A sua igreja, além dos
cultos, não realiza trabalho de alfabetização? Meu pastor disse que
isso não é a tarefa da igreja, porque nós não precisamos saber ler para
alcançar a salvação.
Mas o seu pastor sabe
ler. Ele
sabe porque Deus deu a ele o dom.
Deus não deu à senhora
o dom de ler, é isso? É preciso ter dom para entrar na escola, para aprender, o
Senhor dá a cada um o que merece.
E por que será que Deus
não lhe deu o dom de aprender, o dom de estudar, o dom de ler? Aí o senhor tem que
perguntar a Deus, não é mesmo?
Nunca
perguntei. Terminei a breve entrevista com a certeza de que a cidade não é
regida pelo mesmo tempo. Parte dela encontra-se presa, por exemplo, à Idade
Média, quando a fé erigia-se acima da razão. Dona Maria não tinha 75
primaveras; carregava na mente séculos de obscurantismo. Fé significa não
querer saber o que é verdadeiro (Nietzsche, 2007, p. 63).
Acredito
que a inocência dessa senhora deve buscar até hoje a luz do Deus bíblico, mas sua
ignorância, mantida pelo dízimo a pastores alfabetizados, submete Maria à
escuridão. Contra os homossexuais, essa evangélica defende, segundo a
interpretação de homens, a verdade de Deus embora sua fé não saiba ler essa
verdade no papel.
III – O
fanatismo não remove montanhas
Paulo,
apóstolo do amor, foi quem levou à religião cristã os preceitos contra os
“sodomitas”. Com o passar dos anos, quando o cristianismo tornou-se no final do
século 4 a única religião do Império Romano, uma lei do ano 390 previa a morte
na fogueira para homossexuais. No século 12, em 1179, o Concílio de Latrão
sentenciou que os leigos fossem excomungados por pederastia ou por safismo. Por
meio de Paulo, a Igreja iniciou o preconceito, e, muitos anos depois, a partir
do século 13, a homofobia espalhou-se a ponto de muitos países europeus adotarem
leis severas contra a homossexualidade.
Século 20, Brasil. Em 2009, foram assassinados 198
homossexuais no maior país cristão do mundo, 11 a mais que em 2008 e 76 a mais
que em 2007. As mortes foram registradas pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado
em 1980 e único no Brasil a reunir estatísticas. Segundo o GGB, de 1980 a 2009,
assassinaram 3.196 homossexuais, média de 110 por ano.
Os
números também são altos no Programa Rio Sem Homofobia. De novembro de 2009 a
novembro de 2010, cerca de 600 denúncias de agressão foram registradas contra
gays. Em 2010, no feriado prolongado da Proclamação da República, militares do
Exército agrediram e balearam um jovem de 19 anos após participar em Copacabana
de uma parada gay. Em São Paulo, três jovens foram vítimas de um grupo de
rapazes na avenida Paulista.
Em dezembro de 2010, o pastor Silas
Malafaia, da igreja Assembleia de Deus, propagou no Rio de Janeiro estas
palavras em painéis à margem de vias urbanas: “Em favor da família e da
preservação da espécie humana, Deus fez macho e fêmea”, ou seja, em Gênesis
1-27, primeiro livro de Moisés, gay e lésbica, Deus não os criou.
Quase
um ano depois dessa propaganda evangélica, em 28 de julho de 2011, o Universo
On-Line (UOL), com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), publicou que evangélicos são os brasileiros mais resistentes à união
homoafetiva, 77%.
Em
março de 2011, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), defensor dos bons
costumes, da família e da ditadura militar, afirmou no dia 30, quarta-feira,
que está “se lixando” para o movimento gay.
“Estou me lixando para esse pessoal aí [do movimento gay]. Eles criaram agora a
Frente Parlamentar de Combate à Homofobia, a frente gay. O que esse pessoal tem
a oferecer para a sociedade? Casamento gay? Adoção de filhos? Dizer para vocês
que são jovens que, no dia em que vocês tiverem um filho, se for gay, é legal e
vai ser o ‘uhuhu’ da família? Esse pessoal não tem nada a oferecer.”
Bolsonaro, capitão do Exército, declarou
esse ódio cristão quando chegou ao velório do ex-vice-presidente da República
José Alencar, no Palácio do Planalto, Brasília.
1º
de abril de 2011. Na primeira partida da semifinal da Superliga entre Cruzeiro
e Vôlei Futuro, realizada em Congonhas, Michael dos Santos, o meio de rede do
Vôlei Futuro, foi hostilizado pela torcida, que, em coro, gritava “bicha” e
“gay” quando o jogador ia para o ataque ou quando sacava. Para condenar a
homofobia no esporte, Michael assumiu sua homossexualidade. Eis, portanto, a
causa dos gritos.
Califórnia, Estados Unidos. Seth
Walsh caminhou ao jardim de sua casa para se enforcar. Só em setembro, seis
adolescentes suicidaram-se na terra de Obama. Seth tinha 13 anos. Nova Iorque (o “Jornal do Brasil”
sempre punha Nova Iorque), 3 de outubro, três jovens homossexuais foram
sequestrados e torturados em um apartamento desabitado.
Uganda,
África. Em 2 de outubro de 2010, um jornal publicou uma matéria
na primeira página identificando cem ugandenses como gays e como lésbicas. Ao
lado de suas fotos, esta frase: “Enforquem-nos!”. Soweto, África do Sul. Uma manifestação chamou atenção para as
violações contra as lésbicas nas “townships”, onde seus autores tentam corrigir
a sexualidade das vítimas.
Belgrado,
Sérvia. Um grupo atirou coquetel molotov e granada paralisante
contra uma parada do orgulho gay, ferindo 150. O fato ocorreu em 10 de outubro
de 2010.
Se
a violência física mata e humilha homossexuais nas ruas, a violência verbal se normatiza
em igrejas evangélicas acrianas - principalmente nas neopentecostais -, onde pastores
disseminam em seus cultos (ou em campo de futebol) a intolerância do Velho
Testamento. “Está escrito na Bíblia, Deus escreveu”, vociferam.
“Quando digo ‘meu Deus’,/ afirmo a propriedade./ Há
mil deuses pessoais/ em nichos da cidade”, poetiza Carlos Drummond de Andrade. Deus, portanto, uma propriedade, um objeto pessoal confeiçoado
por interpretações de fiéis à incompreensão. Com que palavras duelar contra
aqueles que, em nome do Senhor, limpam, com o sangue de Jesus, lugares pisados
por gays e por lésbicas? Duelamos com a mesma arma, qual seja, a palavra de
Deus.
IV - “O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade”
Publicado
nos Estados Unidos em 1994, o livro do padre Daniel A. Helminiak chegou ao
Brasil quatro anos depois. Se os cristãos creem que Deus tenha escrito a Bíblia,
a verdade, no entanto, não está no que Deus escreveu, mas no que os homens
interpretam. Assim, na palavra do Senhor, habitam muitas verdades porque há
muitas interpretações dos homens, é “O Deus de cada homem” de que fala Carlos Drummond
de Andrade na obra poética “As impurezas do branco”, repito: “Quando digo ‘meu
Deus’,/ afirmo a propriedade./ Há mil deuses pessoais em nichos da cidade.”
Segundo
o prefácio da edição de 1994, desde 1977, O autor de “O que a Bíblia realmente
diz sobre a homossexualidade” ministra os sacramentos para a comunidade gay e lésbica como sacerdote católico
romano em Boston, em San Antonio e em Austin. Ele presenciou horrores. Um
deles, 30% dos suicídios entre os adolescentes são cometidos por jovens
homossexuais. Para religiosos estreitos que interpretam a Bíblia contra homens
que amam homens ou contra mulheres que amam mulheres, o padre Daniel afirma que
“a Bíblia é indiferente à homossexualidade enquanto tal”.
Em
seu pequeno livro, Helminiak interpreta a palavra de Deus para não cravar o
punhal da homofobia em travestis, em lésbicas, em transexuais, em gays. Pastores, entretanto, julgam para
condenar. Para esses falsos intérpretes de Deus, leiamos Romanos 14:13: “Deixemos,
pois, de nos julgar uns aos outros; antes cuidai em não pôr um tropeço diante
do vosso irmão ou dar-lhe ocasião de queda.”
Embora
os cristãos asseverem que a Bíblia tenha sido escrita por Deus, a palavra, por pertencer
ao um processo histórico, passa por transformações porque o signo linguístico desalinha-se no tempo
dos homens para que seu significado, oposto ao que foi, renasça no significante.
Hoje, entre evangélicos da classe social de dona Maria Aparecida das Graças,
nenhum, absolutamente nenhum deles, é capaz de se encontrar com os significados
originais das palavras sodomia, adultério,
abominação, sagrado, menstruação. Argola da corrente de culto evangélico,
peça da engrenagem de máquina que ora, célula do corpo de igreja que prega,
Maria Aparecida só reproduz o significado-função da palavra diabólico porque ela o escuta somente
como eco do turbilhão de cristãos presos à argola, à peça, à célula. O todo
fala por Maria. Maria só fala o que pensa por causa da sua comunidade
linquística. Maria ignora; desconhece que “sua palavra” seja alienada, quer
dizer, que pertença a outro, no caso, à congregação, ao culto, à máquina, ao corpo
social cristão, a ela: igreja. A consciência adquire forma e existência nos
signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais
(Bakhtin, 1998, p. 35). Assim, como não pensa a palavra bíblica, Maria não pode
falar seu pensamento, a não ser que seu pensamento seja o da igreja - e ele é. A
própria palavra de Deus na igreja, sabemos, já é refratária.
No
belo romance “1984”, de George Orwell, palavras são destruídas e, dessa
maneira, a literatura do passado foi arruinada. O narrador não cita a Bíblia;
mas, se a tivesse citado, teria dito que a palavra de Deus não apenas é transformada
em algo diferente como transformada em palavra contrária ao que era. Todo
mecanismo do pensamento será diferente. Com efeito, não haverá pensamento como hoje o entendemos. O objetivo é
estreitar a gama de pensamento (Orwell, 1984, p. 52 e 53).
Bem
antes da publicação da obra literária “1984”, Nietzsche, em 1887, publicara “A
genealogia da moral”, trabalho que pretende dar um esclarecimento a propósito
de “Para além do Bem e do Mal”, de 1886. Dona Maria não sabe, mas as palavras,
segundo Nieztsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, dessa
forma, não indicam um significado, mas impõe uma interpretação.
Depois
do pensador alemão, entre 1929 e 1930, Mikhail Bakhtin, assinando como V. N.
Volochínov, edita “Marxismo e filosofia da linguagem”, cuja escrita revela que
a consciência individual [de dona
Maria Aparecida] é um fato socioideológico, sabendo que tudo que é ideológico
possui um valor semiótico (Bakhtin, 1988, p. 32, 33 e 35).
Em
cultos enraizados em Rio Branco, a palavra sodomia
é todo homem que mantém coito anal com outro homem. A palavra exerce poder,
e esse poder pertence à Igreja. Porque o sacerdote interpretou o livro Gênesis 19:1-11,
o significado de sodomia cristalizou-se
nos dicionários. Desde o século 12, aproximadamente, a história de Sodoma
representa uma condenação da homossexualidade. O padre Daniel A. Helminiak
afasta-se dessa leitura para se aproximar de uma não literal, situando a
palavra no tempo histórico sem perder o diálogo com o presente e com a
etimologia.
V
- O terceiro livro de Moisés
Mas
eu não desejo Gênesis para detalhes. Interessa-me Levítico 18:22: “Não te
deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é abominação.” Mais adiante,
capítulo 20, versículo 13, escreve-se: “Se um homem dormir com outro homem,
como se fosse mulher, ambos cometeram uma coisa abominável. Serão punidos de morte
e levarão a sua culpa.”
Segundo
o sacerdote Daniel A. Helminiak, Levítico condena
outro pecado sexual à pena de morte: o adultério. Mas, entre o passado
histórico da Bíblia e o século 21, o tempo não permaneceu congelado, imóvel,
petrificado, por isso o adultério de hoje difere-se do adultério da Israel
antiga.
Em
nossa sociedade, uma pessoa casada comete adultério ao ter relações sexuais
fora do casamento. A ofensa é a de infidelidade, a traição da confiança ou do
compromisso, e é perpetrada contra o cônjuge. Trata-se de uma ofensa pessoal.
Na Israel antiga, o adultério era uma ofensa apenas contra o marido, pois se
tratava do uso ilegal de sua propriedade – sua mulher, sua esposa. Mais do que
uma ofensa pessoal, envolvia prejuízo financeiro: o homem havia pago ao sogro
um dote por ela, e a mulher era
importante para a expansão da família, para o enriquecimento de sua
propriedade. (Helminiak, 1998, p. 48)
Corpo
feminino e herança legítima, portanto, equiparavam-se na organização patriarcal.
Pertencer a um só homem assegurava ao marido, senhor da esposa (em latim,
senhor é dominus, “aquele que
domina”), a extensão de seu patrimônio. “O casamento e a procriação
determinavam a herança na família patriarcal”, observa o padre Helminiak no
capítulo 4 de seu livro. E ele pergunta: “Se a noiva de um homem não fosse
virgem, como ele poderia estar seguro de que a criança nascida dela seria mesmo
sua?” Se não havia teste de paternidade, quem teria direito de propriedade
sobre a mulher e sobre o filho?
Assim,
sem teste de DNA, com a verdade do filho legítimo corrompida pela mulher infiel,
o significado da palavra adultério justifica-se:
“alterar”, “falsificar”, “misturar”. Por
guardar o nome do homem como segredo em seu ventre, a mulher, se não fosse
fiel, desestabilizaria a ordem patriarcal, colocando em risco a herança consanguínea.
Hoje, em nossa sociedade, o termo adultério
perdeu a força dessa significação, ninguém condena o sexo feminino à morte por ser
infiel. Mas o Senhor deixou escrito em Deuteronômio 22:13-24. Se está escrito,
matem-na!
Em
Rio Branco, bairro da Paz, uma congregação soube que a mulher do pastor mantinha
relações sexuais com um jovem evangélico. Enquanto o marido realizava o culto
na igreja, ela, diante do rapaz, ajoelhada em sua casa, abria a boca não em
nome de Deus, mas em nome do sexo oral. Embora Deus tenha escrito que “se um
homem for achado deitado com uma mulher que tem marido, então, ambos morrerão”,
a adúltera e o amante, até hoje, permanecem vivos no bairro da Paz.
VI
- “Não te deitarás com um homem,
como se fosse mulher: isso é abominação”
No
terceiro livro de Moisés, em uma seção de Levítico chamada o Código Sagrado, encontramos
a condenação dos atos homogenitais, que não correspondem a atos homossexuais. Por
causa de um pacto com Deus, “esse contrato determinava que os israelitas não
deviam participar das práticas religiosas dos canaanitas, o povo conquistado pelos
judeus ‘com o auxílio de Deus’ e cujo território havia sido tomado para ser a
sua ‘Terra Prometida’”. Na raiz da palavra, sagrado
significa “separar”, ou seja, o Código Sagrado impunha o distanciamento entre
os costumes do povo judeu e os costumes dos gentios. Em Levítico 18:21, Deus,
por meio de Moisés, deixa isso bem claro: “E da tua descendência não darás
nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome de teu Deus. Eu sou o Senhor.”
Na
cultura dos canaanitas, sexo com mulher menstruada ofertava-se ao deus Moloque.
A que separação entre judeus e canaanitas
se refere Levítico? Óbvio: os homens deveriam se afastar de mulheres
menstruadas. Outra separação. No Testamento hebreu, registra-se que, para os
canaanitas, a fertilidade da terra relacionava-se ao prazer carnal. Os judeus separaram terra fértil dos rituais
sexuais, fazendo com que a bênção sobre as estações, as colheitas e os rebanhos
não dependessem mais de relações sexuais de famílias inteiras entre si e de grupos
de família – maridos, mulheres, pais, mães, filhos, filhas, tias, tios, irmãos,
irmãs, primos. (Helminiak, 1998, p. 50)
Nesses
cultos a divindades vinculadas à fertilidade da terra, o sexo homogenital
ocorria entre os canaanitas; o Código Sagrado do Levítico proíbe, segundo
Helminiak, o ato sexual entre homens devido a considerações religiosas, e não
sexuais. “A intenção era a de impedir Israel de participar das práticas dos
gentios. O sexo homogenital era proibido porque estava associado a atividades
pagãs, à idolatria e à identidade gentia”, escreve o padre na página 50.
E
quanto ao homem deitar com outro homem ser abominação?
Palavra escrita no capítulo 18, versículo 22, pergunto ao Senhor o que é abominação e colho sua resposta no
capítulo 20, versículos 25 e 26. Como o padre Daniel A. Helminiak, segundo nota
da tradução brasileira, “parte, no texto original em inglês, da Bíblia tida
como padrão nos países da fala inglesa, mandada traduzir entre 1604 e 1611 por
estudiosos de Oxford, na Inglaterra”, lê-se:
Fareis
a distinção entre animais puros e impuros, entre as aves puras e impuras, e não
vos torneis abomináveis por causa de animais, de aves ou de animais que se
arrastam sobre a terra, como vos ensinei a distinguir como impuros. Sereis para
mim santos, porque Eu, o Senhor, sou santo; e vos separei dos outros povos para
que sejais meus.” (Helminiak, 1998, p. 52)
No
próprio texto, abominável é sinônimo
de impuro, quer dizer, “misturar-se
a”, “confundir-se com”. Para os judeus, eram impuros porcos e camarões, por
isso Deus ordenou que seu povo se afastasse desses animais. Como afirmei
anteriormente, sagrado significa
“separar”, “não se confundir com”, e um homem relacionar-se com outro homem
representava impureza porque dessacralizava sentimentos religiosos dos judeus,
e não porque essa relação sexual fosse “suja” em si mesma. O Levítico não
afirma que o fato de um homem se deitar com outro homem seja um pecado ou um
erro. O Levítico diz que isso é uma violação do ritual, uma impureza; algo “sujo”.
(Helminiak, 1998, p. 56)
Se
fosse erro, isto é, pecado, o termo hebraico zimah poderia ter sido utilizado no lugar de toevah, porque este significa “abominação”; e aquele, “injustiça”,
“pecado”, “erro”. “Zimah quer dizer não aquilo que é condenável por motivos
culturais ou religiosos, mas aquilo que é errado em si”, observa o autor de “O que a Bíblia realmente diz sobre a
homossexualidade”. Um homem na cama com outro homem assemelhava-se ao canaanita,
não havendo por isso o erro em si mesmo porque a homogenitalidade em Levítico é
reprovação religiosa.
VII
- Êxodo 32:27-29, o Deus que mata
Lembro-me
quando cada um cingiu a espada sobre o lado, cada um passou e tornou a passar
pelo arraial de porta em porta, e matou cada um a seu irmão, cada um, a seu
amigo, e cada um, a seu vizinho. Lembro-me, três mil homens assassinados a
mando de um Deus vingativo para que cada um recebesse sua bênção. “Três mil
homens mortos só porque ele tinha ficado irritado com a invenção de um suposto
rival em figura de bezerro, Eu não fiz mais que matar um irmão e o senhor
castigou-me, quero ver agora quem vai castigar o senhor por estas mortes”,
pensou o personagem Caim, de José Saramago.
Massacre de Sabra e Shatila
Crianças assassinadas por Israel, 1982
Após
séculos sobre séculos, a Israel de Moisés ainda mata crianças palestinas na
Faixa de Gaza, um campo de concentração delimitado pelo Deus dos judeus. Quando,
entre 16 e 18 de setembro, o exército de Israel invadiu o Líbano em 1982, as
armas de Jeová mataram, estima-se, 3,5 mil civis inocentes. A Corte Suprema de Israel considerou o
ministro da Defesa do país, Ariel Sharon, o responsável pelo massacre de Sabra
e Chatila.
Sobre carnificinas, sobre assassinatos, sobre
inocentes cadáveres, pastores acrianos calam-se; mas, quando o assunto é
homossexualidade, pregam a ira do Senhor contra os que não foram, segundo eles,
escolhidos por Jeová.
Dar o cu não pode. Um Deus que mata pode?