sábado, fevereiro 10, 2007

Amorim, do jornal Correio do Povo (RS)


Aroeira, do jornal O Dia (RJ)


Vírgula, um detalhe

Na Redação, um bom jornalista perguntou-me o porquê de colocar a vírgula nesta situação: "Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo."
    1. Matei o jornalista.

Jornalismo Educacional

A Construção da Linguagem no Jornalismo Educativo

O jornalismo educativo - um tipo de material de imprensa que não é jornalismo sobre educação - tem sido meu trabalho na última década e meu objeto de estudo. Parto do pressuposto de que existem muitas diferenças entre fazer jornalismo sobre Educação e jornalismo educativo, mas neste artigo pretendo me deter apenas na questão da construção da linguagem naquilo que venho chamando de interface da Comunicação com a Educação e que é o objeto do meu projeto de doutorado.
E que resumo em: Levar notícia para a sala de aula e labrir a sala de aula para além da escola, sempre no formato de notícia; levar além da informação, formação, atualização com elementos colhidos no próprio universo educacional em geral e escolar em particular, sem perder de vista o pano de fundo da política educacional. Tanto na forma de material impresso, quanto televisivo ou ainda nos modernos suportes da informática, o jornalismo educativo guarda uma cumplicidade estreita com o ensino.
Partindo de um pressuposto, que é também um princípio (no sentido ético) - quem sabe educação é o educador - o papel dos jornalistas seria fazer a mediação entre os dois mundos, equalizando as abordagens e buscando uma linguagem que unisse os dois universos teóricos e semânticos.
Um trabalho que envolve o exercício constante de apropriações de saberes e linguagens e a construção e reconstrução de representações que se tem — no senso comum e na profissão de jornalista — do que seja o educador e a educação.

O lugar do jornalista

"Toda ordem de conhecimento, (...) pressupõe uma prática e uma atmosfera que lhe são próprias e lhe dão corpo. E, também, sem dúvida alguma, um papel particular do indivíduo conhecedor. Cada um de nós preenche de modo diferente esse papel quando se trata de exercer o seu ofício na arte, na técnica ou na ciência, ou quando se trata da formação de representações sociais".
Serge Moscovici - que tem sido um referencial teórico importante nas minhas reflexões sobre a interface comunicação-educação — começa o item 2 do primeiro capítulo de A representação social da psicanálise , descrevendo, desta forma muito simples, o lugar onde o jornalista está colocado no momento em que pensa, cria imagens, constrói opiniões, seleciona temas, elabora pautas, busca, identifica e relata "experiências em sala de aula", levadas a cabo por professores da rede pública de ensino de 1o. Grau que imaginamos modelos a serem seguidos.
Para dar conta dessa construção, o jornalista envolvido na produção de um programa ou de um texto jornalístico educativo precisa _ em primeiro lugar _ ter muito claro quem é seu público-alvo, delimitado pelo conceito de segmento. Se o trabalho estiver voltado para o professor, sua linguagem terá que passar por um processo de despojamento e apropriações de conceitos e linguagens, exatamente no sentido a que se refere Roger Chartier.
Para Roger Chartier, a história cultural tem como objeto principal "identificar o modo como em dife-rentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler". Para chegar a isso, é necessário que nos detenhamos sobre como a sociedade percebe e aprecia o real e, para tanto, é preciso entender como se dá a organização dessa apreensão, essa apropriação.
Esse entendimento passa pela identificação das classes sociais ou o meio intelectual a que o grupo pertença.É deles que surgem os "esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado".
É exatamente isto que acontece no momento em que se constrói o discurso de um programa educativo de natureza jornalística. O que nos chama a atenção no trabalho de Chartier é a possibilidade de ver com mais clareza esses momentos de apropriação e reconstrução, no dia a dia do trabalho do jornalista que atua nessa área.
Como jornalista participei de dois projetos _ um impresso, outro televisivo _ destinados à atualização do professor e dos estudantes do Curso de Formação do Magistério. Ambos pressupunham a imersão nas práticas de sala de aula, para em seguida divulgá-las, agregando-lhes o embasamento teórico e apontando de forma sistemática as possibilidades e dificuldades didáticas.

A busca da interface

Do ponto de vista jornalístico, a idéia central do trabalho do jornalista é mostrar reportagens sobre experiências de ensino que estivessem dando certo.Uma idéia simples e aparentemente fácil de executar. Ver, ouvir, fotografar, filmar. A interface, no entanto, precisa de mais que técnicas jornalísticas.
Quando uma equipe envolvida nesse processo descobre que o jornalismo sozinho não dá conta de resgatar os processos que se passam na sala de aula, em geral realiza um mergulho no aprendizado do que é pedagógico.
As equipes em que trabalhei realizaram esse mergulho, em cursos, leituras, freqüentando congressos etc. A apropriação de conhecimentos da pedagogia, no entanto, não garante o resultado. Toda produção de programas desse tipo passa pelo dilema: ou o programa fica extremamente pedagógico e perde o jornalismo, ou se prende ao jornalismo de superfície, distanciando-se do pedagógico e do didático.
Acaba não respondendo COMO as coisas acontecem. Não chega perto dos processos e, muito menos, da teoria.A barreira que separa Educação e Comunicação leva tempo para dar os primeiros sinais de fissuras, para que os sujeitos dos processos de ensino/aprendizagem fiquem claros, dentro dos paradigmas teóricos que se acredita darem conta dessa caminhada. Ou seja, envolve um processo em que a equipe se dá conta, toma consciência, de quem é o sujeito do saber e também se apercebe da representaçãoconservadora que nós, jornalistas, temos do educador _ unicamente como portador de conteúdos estáticos repassáveis e não como o facilitador, que realmente é, do processo de aprendizagem.
Ao se apropriar da pedagogia, os jornalistas, no entanto, correm o risco: elaboram de tal forma a linguagem, costuram conceitos recentes e acabam pecando pelo excesso. Corremos o risco de nos afastar do público-alvo na medida em que se torna a narrativa hermética. Em vez de abrir para o entendimento, a repetição de conceitos, vazios muitas vezes, fecha. Vira chavão sem conteúdo.
Além da apropriação dos conceitos e da sua recolocação na linguagem jornalística, sem abrir mão do rigor acadêmico, a equipe trabalha o tempo todo revendo suas representações do que seja aprender/educar.
Existe - com certeza - a representação da Educação como missão, tarefa, que se dá com o uso dos verbos fazer, dever, sempre conjugados no imperativo negativo ou afirmativo, mas sempre embebidos de uma legitimidade, de uma autoridade do que sabe para o que não sabe. Uma representação da Educação como algo imbuído de espírito altruísta, filantrópico, salvacionista. E se corre o grande risco de ter essa representação impregnando o discurso jornalístico.
Outra frente delicada desse trabalho, além da escrita, quer seja de textos de matérias quer seja dos roteiros de CD ROM ou de TV, é o uso da câmera. Sobretudo na TV, o uso construtivista da câmera pode trazer um enriquecimento enorme ao programa, relevando detalhes nunca antes imaginados por quem fica fora da sala de aula.
Todas essas considerações, no entanto, apontam para um processo que ainda está em construção em qualquer dos veículos que em nossos dias se dedicam ao jornalismo educativo ou a produtos que estão inseridos na interface da Comunicação com a Educação. Ainda estamos buscando.

Ana Mascia LagôaJornalista e ProfessoraUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) / Brasil

Autor do Artigo
Ana Mascia Lagôa


Inf. sobre o artigo
Jornal "a Página"Nº 88
Ano 8 Fevereiro 2000
Pag. 23