segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Momo e o desserviço da TV Aldeia


Há um bom tempo - acredito que lá pelos anos da década de 1990 -, deixei um bom texto no jornal Página 20 sobre o sentido original de Momo, o rei do império carnavalesco.

Infelizmente, em meu computador, esse texto não se encontra. Perdi-o. Se eu quiser revê-lo, deverei ir ao jornal onde o publiquei.




No Acre, o Carnaval é uma festa estranha ao espírito de Momo, por isso escrevi sobre o regedor dessa festa popular, com a finalidade de mostrar que o que se fala no Acre de Carnaval não há nenhuma relação com o mito de Momo.  

Como em outros lugares, assistimos aqui à morte desse reino porque seus súditos, sem a devida irreverência da criatividade, perambulam sobre o cadáver do rei. O Carnaval acriano assemelha-se mais à procissão dos mortos.

Na capital acriana, não vemos a cidade ornamentada, desenhada, coberta pela fantasia, enfeitada, fato oposto ao que ocorre com o Natal, que acontece no centro da capital. Outra festa  manifesta-se no centro, 7 de Setembro.

Nessas festas, as pessoas, segundo ouço, sabem o que significa o sagrado (Natal) e a ordem (Dia da Pátria), porque os significados encontram-se estabilizados nos significantes. Entretanto, o mesmo não ocorre com a festa momesca: qual o sentido da palavra Momo? o que significa a palavra fantasia? o que quer dizer diversão?

Agora, pergunte a um cidadão que assiste à parada militar o que é ordem. O senhor gosta da ordem? Possivelmente, ele dirá "sim". Mas pergunte a ele se ele gosta da "desordem" do Carnaval? Ele dirá que "não" porque a festa de Momo recebeu outra significação dos jornalistas, das igrejas, dos políticos, da tevê. 

Cercadinho

Quem já leu sobre cultura popular e sobre o Carnaval sabe muito bem que o reino de Momo no Acre pode ser tudo, menos popular. Aqui, as mãos dos governantes oficiais colocam Momo em um cercadinho sob o olhar da polícia, dos bombeiros, dos médicos e do comércio, porque o Carnaval acriano já tem o estigma da violência, porque a desordem, segundo eles, deve estar sob controle.

“É melhor concentrar a festa num único local e garantir a segurança neste espaço. A Polícia Militar não teria condições de manter o policiamento necessário em todos os bairros e nos abrigos ao mesmo tempo, porque, em cada bar, em cada esquina, haveria uma festa. As pessoas sairiam às ruas para brincar de qualquer jeito e seria muito difícil lidar com a situação, mantendo a segurança de toda a população”,
explicou o governador Tião Viana.
 


"Brincar de qualquer jeito". No Carnaval acriano, portanto, a brincadeira é desorganizada. Entretanto, a "brincadeira", segundo o livro "Homo ludens", de Johan Huizinga, tem a sua razão, a sua ordem, sendo oposta à ideia de "qualquer jeito". Mas o Carnaval acriano é isto: "brincar de qualquer jeito", por isso o cercadinho.

Pela Tevê

Todo ano, jornalistas da TV Acre, por exemplo, ecoando a voz das autoridades, entrevistam, entrevistam e entrevista patentes militares. A população precisa se sentir segura. A TV Aldeia, por sua vez (pasmem!), sem cumprir sua missão cultural, reproduz a fala das emissoras comerciais, ou seja, não sabe o que fala do Carnaval, transmitindo um desserviço ao reinado de Momo.

A TV Aldeia, primeiro, deveria saber o real sentido da felicidade do Carnaval, porque, se soubesse, os jornalistas que estão na pista apareceriam fantasiados, digo, muito bem fantasiados. Reafirmo "muito bem" porque o conceito de fantasia pede bom gosto  pelo simples motivo de fantasia se opor à matéria, ao objeto, à coisa.

Não só. A TV Aldeia, por emitir, em tese, cultura, deveria apresentar aos telespectadores livros sobre o Carnaval. Faustão em seu programa apresenta livros, Regina Casé em seu programa apresenta livros, Jô Soares apresenta livros, mas a TV Aldeia não apresenta.

Pelos Livros

Lemos bons livros para buscar também o sentido original das palavras, sentido que não encontramos na rua, na TV Aldeia, nas reportagens de tevê.

"Elogio da Loucura" é um desses livros. Nele, (des)cobrimos o senhor do Carnaval, Momo, cujo significado que dizer "aquele que imita".

Quem esse rei imita?

Ele segura o cetro, usa a coroa e senta-se no trono. Na condição de rei, portanto, ele tem o poder, mas seu poder não só se opõe ao poder dos governantes oficiais como também o deforma, porque quem "imita" altera a forma copiada.

Momo imita o poder oficial, isto é, por ser mímico, deforma aqueles que exercem o poder, desorganiza-o. Como rege a prudência de o governante oficial ser sério, austero, Momo é o avesso, ou seja, ele é o bobo - "(...), o privilégio que têm os bobos de poder falar com a toda a sinceridade e franqueza", escreveu Erasmo de Rotterdam no século XVI.

O bobo ri de quem governa, mas no Carnaval acriano sempre respeitamos o poder.

Momo é a Loucura de quem fala Erasmo em seu belíssimo livro.

Outros livros sobre o Carnaval fascinam, entre eles, estes: "História da Feiúra", organizado por Umberto Eco; "História do Riso e do Escárnio", de Georges Monois; "A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento", de Mikhail Bakhtin; "Homo Ludens", de Johan Huizinga.

Poderia escrever mais sobre Momo, mas prefiro me repetir, afirmando que lemos bons livros para buscar também o sentido original das palavras, sentido que não encontramos na rua, na TV Aldeia, nas reportagens de tevê, porque nesses locais Momo não passa de um impostor chulo.

TV Acre desatualizada e o vice

Hoje, por volta das 11h20min, liguei a televisão para saber sobre o nível do rio Acre.

A TV Acre apresentou imagens de sábado, dia 18. Eu querendo saber sobre a situação de hoje, dia 20, e ela me apresenta uma reportagem repetida.

Se for para ser assim, fico sabendo da enchente acriana por meio do UOL.

Em outro momento, aparece o vice-governador, passando a imagem de que tudo está sob controle em Rio Branco. A tevê cede espaço para a autoridade falar. Repito: falar, não para ser questionada.

O vice poderia ter sido questionado se a tevê apresentasse, antes da entrevista, uma reportagem da real situação dos alojados, por exemplo, no Parque de Exposição Castelo Branco.

Confrontar a realidade dos abrigos com as palavras das autoridades, mas isso seria pedir demais.

Se desejam tanto ocupar o poder, se dizem em campanha que farão melhor do que os adversários, eles têm o dever e a obrigação de erguer, com o dinheiro público, o melhor para os desabrigados.