sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Governantes não me comovem



Governantes tentam me comover, propagando a imagem de que muitos desabrigados sofrem por causa da alagação. O poder busca extrair de mim solidariedade. 

Mais: me faz sentir responsável. Preciso agir. Preciso sair de meu mundo para doar um pouco de meu tempo a outros que precisam mais do que eu. Devo ser cristão.

Mas quem disse que eu preciso dos apelos dos governantes? E quem disse aos governantes - esses políticos - que eles me comovem? Telefono:

"Meu amigo, minha humilde casa está aberta para você".

"Obrigado, Aldo, se a coisa piorar, vou precisar de ti", disse meu amigo.

Eu escolho a quem entregarei minha doação. Uma velha senhora?... Uma avó muito idosa sem marido e com três netos?... Sem foto, sem propaganda, eu escolho.

Meu dinheiro é solidário. Mas e o nosso dinheiro público? O que governantes fazem com ele? Para que serve o dinheiro público? Ora, serve, por exemplo, para REGULAR O ESPAÇO PÚBLICO À MARGEM DO RIO ACRE.

Eu não posso regular espaço público, só os políticos, só eles, nem Deus pode regular o espaço público à margem do rio Acre, porque o Senhor não põe mão em dinheiro.

Eu penso que Deus deveria pôr a mão em verba pública, pois o Senhor é justo, não os políticos. Mas isso é outro assunto.

Por que não construíram em 13 anos casas populares longe das margens, longe das regiões mais alagadas de Rio Branco?

Por que não aparelharam em 13 anos muito bem a Defesa Civil? Por que não colocaram a Defesa Civil em locais críticos e estratégicos muito antes da alagação?

Em âmbito federal, não há lei que regulamente verba destinada à Defesa Civil. Em âmbito estadual, existe lei? Quantos barcos há na Defesa Civil acriana? Quanto remos? Quantos salva-vidas existem na Defesa Civil? Em momento de alagação, pobre usa salva-vida? Alagado recebe par de bota?

Por que as pessoas não são avisadas e retiradas com antecedências de suas casas e colocadas em ABRIGOS CONFORTÁVEIS ou, PELO MENOS, DIGNOS AO QUE É HUMANO?

O Mercado Velho, dizem, agora está novo. O dinheiro público agiu rápido para construir uma imagem bonita da capital. Por que esse mesmo dinheiro não agiu rápido também para áreas alagadiças?

A capital, concordo, deve ficar atraente. Mas radicalizar o uso do dinheiro público para os mais necessitados não é atraente para os governantes?

Construir estrada cortando o Acre recebe o batismo-clichê de progresso e de desenvolvimento. Regular as margens por meio de leis e por meio de verba pública para evitar pessoas desabrigadas não é progresso e desenvolvimento?

Quanto de dinheiro público grupos políticos gastam para pagar suas propagandas de governo?

O dinheiro público constrói rápido um estádio de futebol. Por que esse dinheiro também não destruiu em 13 anos casebres erguidos em áreas impróprias?    

Governantes não precisam dizer a mim o que fazer nesta hora, porque políticos não me dão conta do que gastam, com que gastam, como gastam, para quem gastam.

Quando os pobres dirão a eles o que de justo fazer com o dinheiro público? Ou será que tudo ficará na mão de Deus na próxima alagação, outra vez?


Se eu estivesse com minha família em algum abrigo público, eu não aceitaria solidariedade de político, porque, deles, desses homens públicos que recebem muito bem todo mês, eu exijo esta justiça social - moradias e bairros melhores para todos.    

    

Águas profundas. Matérias superficiais

  
Lecionado Literatura, perguntei aos alunos a diferença entre realidade e ficção, e os que responderam disseram que a realidade mostra a verdade.

O Carnaval, que é uma festa da ficção, não tem nenhuma relação com a verdade, porque, segundo eles, Carnaval é desordem, ilusão.

Na linha desse raciocínio, o texto jornalístico, só ele e não o texto ficcional, revela a verdade porque o jornalista apresenta a realidade "como ela é".

Mas como pode a realidade mostrar a verdade se a realidade só é a superfície? A verdade está na e é a superfície? O que se apresenta a meus olhos é a verdade?

Não me alongarei sobre isso. Apenas afirmo que o texto jornalístico limita-se a registrar o que todos veem... todos veem o rio subindo (sim, "rio subindo" não está errado por se tratar de uma figura de linguagem).

Imagens e mais imagens, e o repórter escreve e fala daquilo que todos ouvem e veem, a palavra presa à realidade, à imagem. A palavra é literal, denotativa, isto é, "estado bruto". A palavra é matéria. A palavra é "ob-jetiva".

Nesse sentido, a imprensa escrita acriana, sem fazer uso da conotação, do jornalismo literário, nega o "sub-jetivo". Mas qual o sentido de "sub-jetivo"?

A palavra, em si mesma, em sua história e em sua relação com estéticas específicas (por exemplo, o Barroco, o Romantismo, o Simbolismo) é senhora de um sentido original. "Sub-jetivo" não é "dar a opinião particular". Se ignoramos o sentido primeiro, original, autêntico da palavra, não podemos pensar o pensamento.

Vejamos o seu oposto: "ob-jetivo". Em sua raiz, "aquilo que se põe à nossa frente, impedindo-nos a passagem, é o objeto", nos ensina Mário Eduardo Viaro.

"Ob-" significa "oposição"; e "-jetivo", "lançar". "Objetivo" tem o sentido de "lançamento obstruído, impedido". Mas o que foi "impedido de ser lançado"? O "sub-jetivo" não impede o lançamento, o movimento, o ir ao encontro.

Para responder, a palavra "objetivo" encontra-se na narrativa naturalista, realista; está trancada no quartel militar; marcha na parada do  Dia 7 de Setembro; estende-se no texto jornalístico.

"Ob-jetivo" não se encontra no Barroco, no Romantismo, no Simbolismo; não se encontra no Carnaval.

Se "algo" não foi lançado, não se "pro-jetou", não houve movimento, encontro, ou seja, prevalece o "distanciamento" em relação ao que se vê, por isso o jornalista não se envolve com a matéria, com a realidade.

Ele se envolveria se seu texto fosse "sub-jetivo". Por meio da tevê, podemos apreciar a "sub-jetividade" da jornalista Neide Duarte ou do jornalista esportivo Régis Roising , oposto ao texto objetivo de Léo Batista.

Mas o que é "sub-jetivo"? Essa palavra, mais, esse conceito, reside no Romantismo e, mais ainda, no Simbolismo. Vive em "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, narrativa oposta à objetividade de "Vidas Secas", de Graciliano Ramos.

Sim, mas o que é "sub-jetivo"?

"Sub-", para muitos, é "abaixo", mas o que está abaixo não significa "menor", "inferior"; o que está abaixo é "profundo", palavra que se encontra no dicionário latino. Dessa forma, uma vez profundo, nega-se a "superfície" do texto objetivo, a "superfície" da realidade. O "sub-jetivo" (des)cobre o que a realidade oculta, e oculta porque "obstrui" por meio da aparência. O narrador em Clarice é profundo; o de Graciliano, superfície.

No Acre, o jornalista limita-se a acompanhar a aferição do nível do rio. Tudo muito "objetivo". Tudo muito na superfície das águas.

Onde está a verdade dessa alagação?