sábado, maio 28, 2016

Mais de 30 instrumentos de guerra violam uma só vagina


No mundo em que tudo é excesso, em que tudo é desmedida, em que tudo é abuso, um estupro por dia não é o bastante para circular pelas redes ou para ser propagado no exterior. Para a máquina olhar a desgraça humana e para depois falar dela, a máquina exige o incomum a fim de que a palavra “barbárie” seja usada quando, por exemplo, mais de 30 homens violam uma adolescente de 16 anos.

Um estupro por dia não é notícia. A máquina precisa mais de droga para “seu êxtase” noticiário, sem antes racionalizar para saber a medida justa de sua audiência. Governador fala. Ministro da Justiça fala. Secretário de Justiça fala. Presidente fala. Feministas falam. Comoção nacional.



Um estupro por dia não emociona mais a audiência. Por dia, um só estupro não mancha mais a civilização. Um estupro por dia não é barbárie. A máquina precisa ser lubrificada, e, para tanto, o melhor lubrificante é o exagero, é o incomum, ou seja, são mais de 30 homens. Agora o que comove é estupro coletivo; porém, “nas favelas cariocas, quem estupra morre”, afirma a voz de um bandido que circula nas redes sociais. Nenhum estuprador morreu por um chefe do tráfico. Se nenhum morreu, terá sido cultura do estupro ou cultura da orgia sexual?



E se for verdade que essa adolescente tenha participado por vontade própria e por dinheiro de uma orgia sexual à moda Marquês de Sade? Caso seja comprovado que ela quis experimentar o domínio de mais de 30 animais machos, o que está em questão, enfim, é o sexo entre adolescentes. Talvez a adolescente não tenha sido vítima da cultura do estupro, mas voluntária da cultura da pornografia. Uma dúvida: não será a cultura do estupro a outra face da cultura da pornografia? Pergunto porque a cultura da pornografia é violência, força que submete o corpo à condição de coisa. A pornografia, sabemos, não perde seu tempo com ternura, com sentimentos, com amor.



Ainda que tenha sido ato voluntário da adolescente para participar de uma orgia, houve crime; entretanto, por causa da escolha dela, não podemos falar de cultura do estupro, e sim de cultura da pornografia. Dito isso, o problema não é o clichê “machismo”, tão bem encarnado na imagem concreta de mais de 30 homens, mas sim o domínio masculino invisível como estrutura social. A polícia encontra os suspeitos de estupro. Entretanto, a polícia não encontra palavras. A polícia prende os estupradores. Entretanto, a polícia não prende palavras. A polícia busca as provas. Entretanto, a polícia não busca palavras. A justiça julga estupradores. No entanto, a justiça não julga palavras. A justiça condena estupradores. No entanto, a justiça não condena palavras.



Enquanto instituições podem apresentar à sociedade o mal encarnado em homens que violaram o corpo de uma adolescente, as relações abstratas entre palavras disseminam na mente de jovens juízos falsos, enraízam na mente de jovens enganos de liberdade, deformam na mente de jovens a sexualidade. Pior: uma vez na mente, jovens falam palavras que eles nem percebem que estão doentes de sentido profundo. A polícia só age porque seu mundo é objetivo. A justiça só age porque seu mundo é objetivo. As palavras não são objetivas, e, bem antes de a polícia e de a justiça agirem, as palavras já adoeceram mentes que nem sabem que estão doentes de ideias, de juízos, de raciocínios.

quinta-feira, maio 12, 2016

OS SIMBÓLICOS 13 ANOS DO PT



Dilma está fora. Eu queria que ela ficasse dentro até o final para não emergir o maniqueísmo do golpe, que alimenta, por exemplo, o marxismo vulgar, chulo, burro das lutas sindicais.

Não só isso: assisti a quase todos os debates das comissões e, confesso, ainda que eu seja burro, não ouvi justificativas para seu impedimento.

Digo: justificavas na natureza escrita das acusações, não nas falas subjetivas e passionais da oposição.

Seu governo deveria sangrar l-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Seu governo deveria se banhar no próprio sangue, sangue jorrado também pela estocada nas costas de um Delcídio do Amaral, um petista, um amigo, um escolhido pelo governo, um mentiroso segundo a Dilma.



Como autoritária, gesto próprio de uma revolucionária (?) desde os 16 anos (o quê!?!?!?), ela, agora, diz que não receberá as falas dos repórteres, pois fará um pronunciamento, ou seja, ela sai do governo sem o diálogo com os jornalistas.

Assim são os revolucionários (?), não sabem dialogar com o tempo histórico e nem com a democracia. No caso dela, não sabe mais ainda dialogar com o tempo quando se diz revolucionária aos 16 anos.

Ninguém é revolucionário aos 16 anos. Ninguém. É, no mínimo, um tolo ou um analfabeto revolucionário, ou seja, não é revolucionário, porque, para sê-lo, é preciso muita maturidade para não pegar em armas e defender a ditadura do proletariado, mesmo porque quem defende a democracia sabe que a luta é educacional.

Pior: um tipo ultrapassado de PT não aprenderá com o impedimento de Dilma, porque esse tipo nunca erra, porque seus líderes, só eles, sabem conduzir "o povo", essa abstração generalizada que não existe de fato na realidade.

Se o esse PT não quisesse isso, fosse então o "partido da ética" (lembram-se?). Esse tipo de PT assistiu a bons nomes indo embora do partido (Marina, Cristóvão, Hélio Bicudo, Chico Alencar) e, para isso, nem precisou da Globo e da Veja.

Esse PT errou por si mesmo, e Dilma só confessou seu erro depois das eleições, já era tarde, pois esse PT jamais foi revolucionário.

Foi, isso sim, mentiroso durante 13 anos, o mesmo número de legenda é o mesmo número do fim. Ironia.

Termino: o PT é muito importante para a democracia, mas não esse tipinho de PT.


sexta-feira, maio 06, 2016

Filosofia: 2º ano do Ensino Médio


Conforme o Currículo Mínimo: Instrumentos do Pensar Filosófico
- Apropriar-se de princípios e de alguns dos instrumentos da lógica para o pensar filosófico; e
- Desenvolver o raciocínio lógico e a argumentação.

DO LÓGOS AOS PRINCÍPIOS DA LÓGICA

I. Razão e Fé na Idade Média: Patrística (do século II ao século VIII)

1
. Precursor da Patrística:
a. Fílon de Alexandria ou Fílon Judeu (23 a.C-41 d.C): 1) toma da Estoá o conceito de Lógos e toma de Platão a estrutura do mundo suprassensível e o mundo das Ideias.

2. Patrística Apostólica:                                                                                                                .
a
. Clemente de Roma, discípulo de Pedro, ele não tem preocupação com a filosofia e seu olhar é para dentro;

3
. Filosofia Patrística Apologista ou Apologeta Helênica ou Filosofia Helênico-Patrística:
a
. Os textos dos apologetas eram conforme as letras jurídicas, ou seja, suas obras defendiam os imperadores romanos o reconhecimento do direito legal dos cristãos à existência em um império oficialmente pagão;

b
. São Justino (100-165), o mais destacado, filósofo e mártir: 1) segundo ele, a filosofia “era o que nos conduz a Deus e a ele nos une”; 2) ele une filosofia e fé; 3) se admitirmos que Deus revelou a verdade aos homens apenas por meio de Cristo, então os que nasceram antes de Cristo não foram culpados de tê-la ignorado; 4) Justino vai a são João, que diz “todo gênero humano participa do Verbo”; 5) então, existe uma revelação universal do Verbo divino antes do Verbo se fazer carne; 6) Justino vai aos estoicos para afirmar que existe uma “razão seminal” (Lógos);

c. Taciano
(120-180), discípulo de Justino, é contra a filosofia;

d
. Escola de Alexandria: Clemente de Alexandria (150-215), de origem grega, ele representa o que há de mais original na literatura patrística e foi discípulo de Panteno de Sicília (falecido em 200): 1) a filosofia não é obra do mal, mas é um bem de Deus, pois a filosofia aprofunda o sentido da fé; 2) o Verbo assume as funções de um pedagogo para estabelecer limites; e

e. Orígenes (185-253), discípulo de Clemente de Alexandria: 1) influenciado pela noção estoica de Lógos, que é a ordem racional do mundo, ou seja, o Lógos é força de unidade na dispersão (grego); 2) no entanto, para Orígenes, o Lógos também não é grego, ao dizer que é princípio ativo que dirige o mundo, mas o mundo judaico-cristão; 3) o Lógos se faz o princípio divino que vive nos homens, divinizando-os; 4) Jesus é o Lógos, ou seja, é tempo imanente e transcendência, eis a fonte das duas naturezas de Jesus.  

LÓGOS: lei, assim como ler, vem de legĕre, de raiz leg, também sob a forma lig-, cujo particípio é lectus, de radical lec.t-, transformadas em português em l(e)-, lh(e)-, le.ç- ou lei.t. Da mesma origem, lei e ler, portanto, encontram-se em colheita. Contudo, antes de separar o grão ruim do grão que é bom, o ato de selecionar está submetido a tudo que envolve o ciclo da terra, a natureza (physis, movimento).

1. “Heráclito, fragmentos contextualizado”, tradução, estudo e comentários de Alexandre Costa: 1) “Ouvindo não a mim, mas ao logos, é sábio concordar ser tudo-um” ou aparente-inaparente; 2) se ouve o  “eu”, dá ouvidos ao mundo enganoso de suas falsas impressões e ao bulício da idiossincrasia; 3) ouvir o logos é concordar com ele, obedecer, acatar o que ele diz e mostra é ser sábio para perceber que o Lógos é ser tudo-um; 4) a escuta determina a fala, que diz a mútua necessidade entre divergência e concordância, o que Heráclito designa como harmonia; 5) o Lógos mantém a unidade, a multiplicidade e a tensão entre elas, fazendo concordar o que discorda;

2. “Estoicismo, Ceticismo e Ecletismo”
, de Giovanni Reale: 1) o Lógos é princípio da verdade (com suas leis do pensar, do conhecer e do falar) na lógica, é princípio criador (como princípio ontológico) do cosmo na física, é princípio normativo na ética ou princípio que determina o sentido das coisas, ou seja, o fim e o dever-ser do homem, que é objeto da ética; 2) a essência do Lógos não se esgota no conhecer e no falar; 3) princípio espiritual que dá forma a todo universo e a todo homem; 4) a lógica é método, é o esqueleto, é a casca do ovo; 5) o Deus dos estoicos, que é Physis (faz tudo nascer, crescer e ser), é também Lógos, vale dizer, princípio de inteligência, de racionalidade e de espiritualidade; 6) O Deus estoico, à medida que se identifica com a natureza, não pode ser pessoal; mas, depois, isso se transforma; e

3.
“Os assassinos do sol”, de Marcio Tavares d’Amaral: 1) Paulo, judeu-helenístico, é responsável pela helenização do cristianismo: penetração dos logos de Jesus no mundo greco-romano e sua difusão através da língua grega; 2) “Logos nós traduzimos depois apenas por pensamento, razão – e não é pouco, mas é menos. O dizer da palavra logos tinha ainda, em Heráclito, uma grande potência de instauração, contenção em limites, de dis-posição, recolha de “tudo o que é”.


quinta-feira, maio 05, 2016

Filosofia: 1º ano do Ensino Médio (aula 1)


Conforme o Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro:

Mito e Filosofia

-  Identificar o discurso mítico;
-  Identificar o discurso filosófico;
- Articular as relações entre mito e filosofia; e
- Situar o surgimento da Filosofia e suas contribuições na Grécia Antiga.

I. A Palavra Mítica

1. Mínios
. 1) A vida social organizava-se ao redor e por causa de um centro, qual seja, o palácio, cujo papel é ao mesmo tempo religioso, político, militar, administrativo e econômico. Atraindo tudo para seu centro como se fosse uma força centrípeta, o palácio simboliza o lugar do rei, o representante do sobrenatural no mundo. Sua palavra, portanto, é divina. Amálgama entre a figura do governante e o poder, eis a identidade da lei existente nos impérios antigos; 2) “A vontade do governante, a sua vontade privada, a sua vontade pessoal, a sua vontade arbitrária, caprichosa, o que lhe desse na telha era ali, e era ela o critério para guerra, para paz, para vida, para morte, para justiça e para injustiça”, expressa Marilena Chauí no vídeo “O drama burguês”; 3) O germe desse poder encarna-se nos mínios, entre 2000 e 1900 a.C., quando invadem a Grécia continental e, com eles, surgem grandiosos palácios-cidades em Cnosso, Mália e Festo, na ilha de Creta. Dois séculos depois, o poder absoluto dos mínios se afirma, e, assim, em 1700 a. C., os palácios ampliam-se, é o período neopalaciano (1700-1450 a.C.).

2. Hititas
. Outra invasão paralela, a dos hititas, manifesta-se e se expande pelo platô Anatólio. Em 1900 a. C., eles edificam a Troia VI, com características palacianas semelhantes às dos mínios da Grécia.

3. Aqueus
ou micênicos. 1) Contemporâneo a esses povos, os aqueus ou micênicos se estabeleceram em Peloponeso e, posteriormente, entraram em contato com a Civilização Minoica de Creta; 2) Com uma cultura muito centralizadora, os micênicos têm uma hierarquia social sentenciada pelo soberano absoluto, uma classe rica e, unido a essa classe, um comandante militar;e 3) Por mais que tenhamos diferenças entre poder e política, uma me chama atenção por ser aquela que tece a realidade social, qual seja: a palavra. Na sociedade despótica, a palavra não passa de um instrumento objetivo para, conforme os escribas do rei divino, registrar todos os setores da vida econômica a fim de controlá-los e de regulamentá-los. A palavra, submetida ao poder palaciano, mantém-se nos grupos estritamente fechados, onde a palavra também se fecha nela mesma, pertencendo, portanto, ao espaço privado. Por isso faz sentido o termo déspota, porque, como ele significa “senhor da casa”, a palavra se limita a esse espaço “doméstico”, ao espaço de “oikos”.

II.
A Palavra Filosófica

1. Dóricos
. 1) Com a invasão dos dóricos em 1500 a.C., a palavra palaciana se desmancha para ressurgir, após o fim do domínio dórico, a palavra como política nas cidades-estados; 2) No lugar da força centrípeta do rei divino, a história conhece o espaço de “ágora” (praça pública), lugar onde a palavra chega a todos ou parte de todos. Não mais pertence ao poder sobrenatural, mas a palavra pertence à democracia. Ela é democrática, ou seja, a palavra é conflito, discussão no espaço público.

2. A Palavra em Ágora
. No entanto, essa palavra em estado de conflito na democracia grega não significa desunião. Vernant afirma que “a exaltação dos valores de luta, de concorrência, de rivalidade associa-se ao sentimento de dependência para com uma só e mesma comunidade, para com uma exigência de unidade e de unificação sociais”. Conflito e união, Eris-Phlilia.

3. A Palavra em Ágora
. Pulsa este estado de tensão, onde se discorda e reconhece a diferença na face do outro, o oponente. Bem antagônico ao mundo palaciano, onde não se reconhecia a diferença do outro, “o verdadeiro interesse pelos outros nasceu com os gregos”, escreve Cornelius Castoriadis em “A polis grega e a criação da democracia”, do livro “As encruzilhadas do labirinto – os domínios do homem, volume 2”.

domingo, maio 01, 2016

A luta dos professores do Paraná não é exemplo



            Em 29 de abril deste ano, o confronto entre policias e professores da rede estadual de ensino do Paraná completou um ano. Na Praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico, em Curitiba, Língua Portuguesa, Filosofia, História, Física, Química, Sociologia, enfim, as disciplinas escolares fecharam seus livros para lutar na rua contra o governo de Beto Richa, do PSDB.
  
            Livros foram lidos na faculdade durante anos para que, uma vez formado, o professor enfrentasse policiais muito bem armados em um campo de batalha. O professor que se formou em Sociologia, por exemplo, paralisou a escola para dizer na rua que “a luta continua”.


  
            Médicos jamais saíram às ruas para gritar palavras de ordem e muito menos para apanhar de policiais militares, mesmo porque o conceito de greve se encaixa perfeito no hospital. Se uma unidade hospitalar para de funcionar, o sofrimento se materializa rapidamente, causando colapso na sociedade. Esse colapso ocorre porque o médico, bem diferente do professor, não vive da palavra, ou seja, não vive da abstração. Sendo assim, o conceito de greve é muito adequado, visto que a natureza do trabalho em hospital materializa-se no corpo, não em ideias. E mais: caso pare sua atividade profissional, o médico não precisará repor suas consultas.

            Uma pergunta: será que o professor pode chamar de “greve da educação” sabendo que suas aulas serão repostas? Não seria mais lógico chamar de “férias antecipadas”? Mais uma pergunta: se o ato de falar em sala de aula se distingue do ato de agir em um consultório médico, pode a palavra de um professor parar a cidade? Ora, quando o médico para de examinar seus pacientes, ele consegue parar a cidade; no entanto, quando o professor para a escola, sua palavra não causa nenhum colapso na cidade. E nós sabemos que a origem do conceito de greve, que é anarquista, tem como finalidade última parar a cidade.


  
            Dois representantes do pensamento anarquista que executaram muito bem o conceito de greve foram Mahatma Gandhi (1869-1948) e Martin Luther King (1929-1968). Com esses dois exemplos históricos, um nos Estados Unidos e outro na Índia, o professor, antes de paralisar suas atividades escolares, deveria abrir livros sobre a história do pensamento anarquista para aprender que paralisar uma escola não é fazer greve. Paralisar uma escola é, antes e acima de tudo, antecipar as férias para depois ainda ter de repor o tempo das férias antecipadas.


  
            No caso dos professores do Paraná, houve ainda um adicional: apanharam feio de policiais. O que houve há um ano com esses profissionais não representa nenhum exemplo de luta pelo motivo de essa luta estar completamente errada como luta da educação. O corpo docente encontra-se muito doente por causa do “parasita sindical”. Esse corpo precisa se curar primeiro dele; precisa recuperar sua força original de pensar a natureza de seu trabalho.  Assim, uma vez curado desse parasita, o corpo docente deve se levantar para que seus movimentos criem formas apaixonantes de intervenções inteligentes e sensíveis no espaço urbano.               
      
Aldo Bourdieu (língua.portuguesa@uol.com.br) é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.