terça-feira, maio 31, 2011

A poesia do beijo

Extrair do comum, do natural, o deslumbramento poético. O beijo, sabemos como ele é. Não sabemos, isso sim, ofertar a ele as devidas palavras.

No texto abaixo, meu, já postado neste blogue, minhas palavras foram uma tentativa de renomear esse encontro entre lábios, oferecendo a ele o incomum. Leia-o!

Em sua insana consciência, o Amante jamais pensa como beijará o ser Amado porque o que é vital no beijo é o não pensar. Uma vez nele, uma vez entre lábios e língua, entre a saliva e o céu da boca, já não queremos ver mais nada, por isso fechamos os olhos para somente sentir.

Desejamos tão somente sentir o movimento incerto da carne para partir... e, fechados os olhos, a Alma se sente cair no abismo de uma breve viagem. Deixar ir.

Nada no beijo é exato, preciso ou calculado. Quanto mais errado, quanto mais a língua escapa, foge, escorre, quanto mais os lábios se jogam, a boca só deseja se perder, mais ainda, na boca Amada.

Mas quem disse que o beijo são só os movimentos da carne? Antes de eu ter minha boca de volta, antes de eu ir embora, pouco antes de minha partida, deixei na tua não só o pecado molhado da saliva, mas meu sopro... meu sopro de vida.

quinta-feira, maio 26, 2011

Cative-me!

Para interpretar, meu olhos, antes, observaram a Expo-Acre por três anos.

Certa vez, meus olhos testemunharam uma criança com a família. O pai segurava a câmera, e a mãe ajeitava a pose da menina.

O local era uma baia. Ao lado da inocente, um boi também saiu na foto.

Muitos, em dia de Expo-Acre, saem de suas casas para contemplar bovídeos. Dizem que as crianças adoram, dizem.

Mas, no lugar de bois, imagino o governo da Frente Popular criar um espaço imenso somente para as crianças, um lugar de alegria autêntica, ingênua; no lugar de quadrúpedes, teatro infantil, leitura, parques, contadores de estórias, cinema.

No Acre, quando falamos de (contra)cultura infantil, a terra é árida, principalmente, nas periferias. Não há representações desse mundo nem nas escolas públicas, o que há são caricaturas do mundo infantil, deformações.

CATIVAR

A mãe conta estória para a filha dormir, mas, para mim, a Literatura Infantil deve despertar as crianças, abrir seus olhos para o belo, o sensível, o universal. "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, pertence a uma literatura que não adormece crianças.

Nessa obra, as palavras transcendem o dicionário porque receberam dramatização. "Cativar", por exemplo, só tem sentido - mais do que significado - porque aprendemos com ela que esse verbo só pode ser conjugado a dois. Cativar é encontro e, onde pulsa o encontro, onde existe o eu, existe o drama. Deixamos de ser indivíduos isolados.

No entanto, quando vejo no filme a raposa no trigal, percebo que "cativar" é também "ficar só". A raposa, uma vez cativada, não pode evitar uma marca do destino [humano], a perda. Um dia, seja pela morte, seja por outra partida, a vida é a perda física de quem nos cativou, nesse caso, o pequeno príncipe.

No trigal, sozinha por causa da ação do verbo cativar, a raposa sabe que "o essencial é invisível aos olhos", isto é, ela não se serve mais da presença física do pequeno príncipe, mas só ela, sozinha, vê os cabelos do menino na forma de trigo. Só ela vê o invisível.

Crianças deveriam ser proibidas de entrar na Expo-Acre.

quarta-feira, maio 11, 2011

Por que Cruz e Sousa?

Não sou homem musculoso, meu corpo não foi modelado por exercícios físicos. Minha academia, outra. Eu sei, no entanto, que, sem esforço, músculos não se avolumam. O peso exige de mim superação.

A poesia "Grande Amor" é pesada demais para os "músculos do cérebro". Para entendê-la, para interpretá-la, é preciso suar muito, é preciso malhar para o cérebro ficar "tanquinho". Ler Cruz e Sousa é atividade aeróbica de alto impacto.

Leram uma vez. Duas. Leram três vezes. Quatro. Não entenderam, ou seja, o entendimento de sua poesia não se encontra na superfície do texto. Nesse lugar, parte externa, o leitor desprevenido se perde e confessa que "tudo está confuso".

Não sempre, mas gosto de, por meio do literário, deixar meu alunos perdidos. Achem-se! Sozinhos, não se acham no texto. Por causa disso, leio, releio, interpreto. Entro com eles no labirinto do "Grande Amor" para encontrar a saída.













segunda-feira, maio 09, 2011

Cruz e Sousa




Hoje, um calor que deputados e vereadores não sentem em seus gabinetes incomodou a leitura e a interpretação de uma belíssima poesia de Cruz e Sousa, "Grande Amor".






Grande amor, grande amor, grande mistério

que as nossas almas trêmulas enlaça...
Céu que nos beija, céu que nos abraça
num abismo de luz profundo e céreo.

Eterno espasmo de um desejo etéreo
e bálsamo dos bálsamos da graça,
chama secreta que nas almas passa
e deixa nelas um clarão sidéreo.

Cântico de anjos e de arcanjos vagos
junto às águas sonâmbulas de lagos,
sob as claras estrelas desprendido...

Selo perpétuo, puro e peregrino
que prende as almas num igual destino,
num beijo fecundado num gemido.

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Até a terceira estrofe, colocamos na ordem sintática direta, fomos ao dicionário, criamos imagens para as palavras e interpretamos os versos desse negro de Santa Catarina.


quarta-feira, maio 04, 2011

Todo mês tem leitura

4 de maio, 2011. Uma manhã muito agradável para ler fora da sala de aula. Ficamos atrás do auditório, um local silencioso para a leitura ser ouvida por todos. Aqui, não havia ruídos de outras salas. Não se trata de um espaço perfeito, mas, mesmo assim, bem melhor do que salas quentes.

Ler nas escolas públicas acrianas é desconforto. Conforto mesmo só na Assembleia Legislativa do Acre ou nas escolas particulares dos filhos de deputados.















Estamos lendo "O Deserto dos Tártaros", de Dino Buzzati. Sinto na faces de alguns alunos que ler é "um saco": significado de palavras, compreender o que está escrito, interpretar, vírgula, pronome oblíquo, aposto. Entretanto, embora contrariados, a leitura segue seu destino.

Por que esse livro? No segundo ano do ensino médio, os professores decidiram que o texto estudado nesse período deve ser descritivo, por isso "O Deserto dos Tártaros". Essa bela obra literária é senhora de um narrador que, ao ver a aparência da realidade, oferece a essa mesma realidade profundidade.

Seu narrador compõe o profundo por meio da superfície.














Fora a superfície, o narrador apresenta Drogo, um personagem que viverá no forte Bastiani. Nesse local, lugar marcado pela solidão, pela rotina, ele ainda espera por algo; mas, enquanto algo não chega, é preciso dar à vida isto: sentido.

Depois, em outro momento da leitura, quando estivermos mais adiante, leremos trechos deste livro de Albert Camus: "O Mito de Sísifo". Se Drogo vive o absurdo, saberemos que, mesmo no absurdo da vida, é preciso encontrar um sentido.

Na igreja mais simples, o pastor lê a Bíblia para seus fiéis, porque na igreja mais simples quatro palavras existem: o conforto do silêncio.

Na escola pública acriana, lugar nocivo às páginas de uma obra literária, predomina o incômodo das salas de aula - elas permanecem as mesmas como há 50, 100 anos.

terça-feira, maio 03, 2011

Ele, o Livro

Fala-se tanto de o aluno ler na escola. Fala-se muito, "os alunos precisam ler". O que nasceu primeiro, o Livro ou o computador? A resposta, óbvio!, ele, "o Livro".

Embora seja muito mais antigo, muito mais velho que a máquina, o Livro, essa entidade espiritual rara entre estudantes, jamais foi destinado a ele uma sala [confortável] de leitura.

Não há sala de leitura nas escolas estaduais do Acre; porém, mesmo surgindo no mundo séculos depois, ao computador, reservaram-se salas e mais salas, todas climatizadas. A tecnologia tem lá suas suas vantagens sobre coisas antigas, velhas, seculares.

Leio para meus alunos há anos, desde 1990, quando comecei na escola Souza Marques, em Madureira, Rio de Janeiro. No Acre, de uma forma ou de outra, o ato da leitura, até hoje, é difícil por causa de uma realidade escolar oposta à leitura em sala.

Hoje, na escola Heloísa Mourão Marques, sem domínio de sala, um profissional da educação permitiu que alunos exercem o "direito" de incomodar minha aula com gritos, com falatórios. Eu lia "O Deserto dos Tártaros".

Sala quente, sem ar-condicionado, ruídos pelo corredor, professor que incomoda outro professor, tudo para o Livro não ser lido na escola. Formas de impedimento.

No planejamento pedagógico, não consigo nem mais marcar um dia para ler no auditório ou na sala de vídeo, porque, como outros planejamentos são marcados antes do meu, professores já deixam agendadas suas aulas nesses locais marcados pelo silêncio.

Eu soube que, em outros anos, professores reclamavam de mim porque eu ocupava a sala de vídeo para leitura. "Sala de vídeo não é lugar de leitura", sentenciavam uns babacas, uns imbecis desqualificados.

Osmarina construirá um espaço para leitura ainda neste ano, longe de professores que não colocam limites em seus alunos.

Enquanto esse lugar não existe ainda, eu continuo, mesmo em local impróprio, em uma sala de aula, a ler.

Tenho inveja dos computadores.