sexta-feira, novembro 14, 2014

Sobre democracia


O meu texto abaixo, além de sintetizar uma pequena ideia de Mannheim, lançou outras breves observações sobre escola e sobre Lula.  


Escola. Na educação democrática, a excelência do professor consiste em relacionar-se com os alunos ao nível destes, ou seja, entre professor e alunos prevalece a adequação de relacionamento. Entendamos como adequação o professor se adaptar ou se ajustar aos alunos, neutralizando a distância entre ambos. Sem essa distância, o conteúdo de Filosofia, por exemplo, é conforme os alunos, e a consequência disso, a vulgarização ou a facilitação. O conteúdo, dessa maneira, é tangível.

Outra questão educacional diz respeito à corrosão do simbólico, por exemplo, no espaço escolar, onde o exemplo é não haver exemplo. Como consequência, a escola pública não passa de um lugar estranho ao sagrado, não havendo, por exemplo, a separação entre o comportamento impessoal da rua e a postura educada no ambiente escolar – e isso significa saber ser também desobediente.

No entanto, oposta à educação democrática, a educação pré-democrática impõe aos alunos obediência, por exemplo, a um conteúdo filosófico inatingível. Os alunos, portanto, devem se elevar para tocar no saber, bem diferente de o professor ter de declinar a filosofia ao alcance dos alunos. A democracia, portanto, recusa-se a ser seletiva, visto que só aceita o que pode ser verificado por todos na experiência comum.

Arte. Embora a centralização pré-democrática seja substituída pela disseminação do múltiplo, lançando o conhecimento em direção oposta ao eixo de rotação, o espírito da democracia restringe, a especialistas e a conhecedores, o conhecimento, por exemplo, da arte, fazendo-o circular só entre pessoas desse grupo. Segundo Mannheim, as teorias estéticas não podem ser objetivadas de modo que qualquer indivíduo possa reproduzi-las em sua própria mente. Assim sendo, na cultura democrática, o conhecimento especializado da arte se mantém fechado para cada indivíduo que reproduz a linguagem comum.

No campo político, o segredo ou o mistério não se preserva porque todos são expostos a analisar o que é comum à cidade, ou seja, a política. Tamanha exposição impõe uma dinâmica social que deseja (des)cobrir o que há por trás das aparências ou faz com que a imagem das aparências seja desmontada ou decomposta pela exposição das análises, revelando, portanto, o que funciona e como funciona sob o tecido social. Se não há o que preservar da imagem do governante ou da classe dirigente, é porque a distância entre o público e a autoridade foi rompida pela exposição das análises. Segundo Mannheim, a Maquiavel é o representante maior dessa exposição no Renascimento.

Entretanto, estilhaços da distância vertical (aristocrática) não foram varridos como um todo no chão da democracia. “O distanciamento não desaparece na democracia, apenas assume outra forma”, afirma Mannheim em seu livro. Se na aristocracia a autoridade recai no nome da família, na democracia o mito ou o intocável recai sobre o processo eleitoral, por exemplo.

No caso do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva adquire a condição de mito não por causa de uma herança simbólico-familiar; mas ele, por ter saído da pobreza nordestina com “seus próprios esforços”, é imagem exemplar ou modelo perfeito para aqueles que, na mesma condição social de onde emergiu Lula, veem-se representados no ídolo neoaristocrático.

Digo neoaristocrático porque ainda permanece a ideia do melhor; porém, diferente do poder dos melhores conforme a aristocracia, Lula abraça e é abraçado, beija e é beijado, emociona e emocionado, ou seja, rompe-se a distância entre o poder e os comuns, entre o escolhido e os representados; sem perder, no entanto, o devido distanciamento, porque, afinal, diferente da massa operária, da massa nordestina ou dos pobres, Lula foi o único que “chegou ao Paraíso”.