segunda-feira, junho 11, 2007

Acesso à pornografia


Na escola pública, alguns defendem a distribuição de camisinha para que adolescentes das classes mais simples se protejam.

Como na escola a palavra encontra-se enferma, restou a ela o objeto, porque, uma vez doente a palavra, a camisinha cumpre sua função orgânica. Segundo essa função, sexo não pertence à alma, mas tão-somente à carne.

A Literatura na escola poderia ser outra. Ela poderia refletir sobre o Amor com outras disciplinas, porque o Amor precisa ser protegido contra o câncer da vulgaridade. A Literatura - e não a camisinha - cumpriria seu destino ético e estético contra esse mal.

Na escola Helóisa Mourão Marques, distribuí a 55 alunos um questionário sobre pornografia. O resultado me espantou. Repare.

35 meninas de 15 a 17 anos

19 têm acesso à pornografia: 17 assistem a filmes pornôs por meio de DVD.

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20 meninos de 14 a 17 anos

17 têm acesso à pornografia: 16 assistem a filmes pornôs por meio de DVD.

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55 alunos ao todo

36 têm acesso à pornografia.


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A escola pública não realiza pesquisa. Se realizasse, conteúdos de disciplinas poderiam ser destinados a essa demanda. Um exemplo.

O professor de Literatura do ensino médio ainda concebe o Realismo e o Naturalismo segundo esqueminhas de livros didáticos. No entanto, em uma pequena amostragem com 55 alunos, 36 assistem a filmes pornográficos e, por meio deles, deformam as relações humanas.

Enquanto isso, na escola, a Literatura permanece indiferente a uma concepção de corpo segundo o Naturalismo. Não há crítica por meio de conceitos muito bem fundamentados.

Como saída, ou melhor, como não há saída, a camisinha reforça o ideal naturalista na escola. Os professores precisam perder sua inocência sobre a Literatura. Encará-la como texto que se opõe à cultura de massa torna-se essencial.

A Pedra do Reino

Obra clássica de Ariano Suassuna,
"A Pedra do Reino" ganha versão para a TV, que estréia na terça-feira

ESTHER HAMBURGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A minissérie "A Pedra do Reino", adaptada do romance homônimo de Ariano Suassuna, com direção de Luiz Fernando Carvalho, que estréia na terça, é um épico que se desdobra em vários níveis.

Com traços autobiográficos, o texto conta a história de d. Pedro Dinis Quaderna, protagonista e narrador tragicômico da história de um reino mítico, alegoria de um certo Brasil, com sede no grandioso sertão do Cariri.

O narrador é obcecado pela retomada da coroa de seus ancestrais, disputada em lutas de sangue. Mas almeja também a glória da academia, capaz de elevar um autor genial à condição imortal.

A árdua tarefa de condensar o romance colossal, pleno de referências à história do Brasil mas também ao universo mítico das narrativas medievais, ganhou vida por meio de uma produção, filmada com uma câmera só, em super 16 mm, que reúne a Globo e a independente Academia de Cinema.

O espírito épico do romance foi transposto para a própria produção, feita em locação no sertão da Paraíba. Cerca de cem pessoas, entre atores, artistas e artesãos nordestinos e uma reduzida equipe de profissionais do Rio de Janeiro e de São Paulo, conviveram durante três meses na pacata Taperoá.

O resultado dessa intensa vivência é um híbrido, em tom operístico, composto de cinema, televisão, circo e teatro.Interlocução múltiplaA textura do trabalho resulta da troca de repertórios entre artistas e artesãos locais e profissionais da cidade grande.

Essa interlocução múltipla, sob o calor ardente do sertão nordestino, transpira e dá força ao produto final.A complexa interação provocou uma profusão de emoções fortes que se transferem à tela.

O paraense Cacá Carvalho faz um magnífico juiz corregedor, que domina a cena a partir do terceiro capítulo. Luís Carlos Vasconcelos encarna um terrível Arésio, o revoltado filho do padrinho de Quaderna. Ambos montaram seus espetáculos teatrais em Taperoá durante a preparação das filmagens.

Irandhir Santos, em sua estréia, brilha na pele do protagonista desengonçado, misto de doido e palhaço, como velho errante contador de histórias e como jovem cativo em busca de um reino encantado.Adornos hiperbólicos enfeitaram as fachadas, as roupas, os cenários.

A interpretação carregada dos atores ajuda a adensar ambientes já sobrecarregados de detalhes, produzindo atmosferas plásticas saturadas de significado.Sem didatismoOs figurinos vestem os personagens com detalhes de artesanato personalizado.

Os cavalos-bonecos se inspiram em cada personagem (o do herói Sinésio é branco). A narrativa não-linear flui com graça e ironia por meio das aventuras de nossos sertanejos em uma caçada na direção da monumental Pedra do Reino.

A paisagem seca do sertão recebe bem bichos de lata. Não há concessões ao didatismo ou ao melodrama. Por vezes temos dificuldades de identificar os personagens. Nem sempre as sutilezas são perceptíveis em uma primeira olhada.

A trilha sonora de Marco Antônio Guimarães, compositor do grupo Uakti, ajuda a conferir um tom cigano e mambembe que combina com o mistério enevoado da série."A Pedra do Reino" é o primeiro trabalho do projeto "Quadrante", que pretende viajar pelo Brasil a realizar adaptações literárias ambientadas em diferentes paisagens, sempre com a participação de artistas locais.

O projeto, a um só tempo de formação e de criação, como o circo-teatro que o inspira, busca agitar as regiões por onde passa. Promete ainda empolgar profissionais cansados da rotina pouco estimulante das produções ordinárias.

Suassuna criou um novo final para a minissérie, que valoriza o teor reflexivo das artimanhas de nosso personagem. PontodeFuga

O colunista Jorge Coli está em férias