terça-feira, junho 21, 2016

3º ANO: de Lógos ao Princípio Ético

PARTE I

I) As três ciências de Aristóteles (384-383
- 323 a. C).

1. Ciências Práticas:
elas se referem às ações que têm seu início e seu tempo no próprio sujeito que age: são as ações morais; o saber relaciona-se à atividade prática: a moral (ética e política); 

2. Ciências Poiéticas ou Produtivas:
elas se referem às ações que têm seu princípio no sujeito, mas são dirigidas a produzir algo fora do próprio sujeito (arte, incluindo medicina); e

3. Ciências Teoréticas:
física, matemática e metafísica (teologia natural ou filosofia)

II) Metafísica, o saber em si.

1.
Afilosofia primeira” refere-se às realidades que são separadas e imóveis, mas é conhecimento da substância primeira e mais elevada e, sendo primeira, é suprema, ou seja, é a causa de todas as coisas, é universal, qual seja, substância primeira;

II) Lógos é o que Aristóteles chama de substância (ousia).

1.
Substância é “sub-stare”, ou seja, significa “por baixo de todo estar”, compreendendo que o verbo “estar” relaciona-se a movimento, à inconstância, à variação, quer dizer, ao que está sendo;

2. Por ser “sub-stare”, a substância nunca aparece em uma experiência sensível, porque essa experiência nos mostra não o que é, mas o que está sendo. A substância sustenta o mundo sensível, permitindo que ele seja conhecível e pensável, isso quer dizer que a substância determina o que uma coisa é e a substância permanece em tudo que muda. Por causa disso, a substância, princípio de organização do mundo sensível, é imaterial, incorpórea, inteligível;

3.
Inteligível vem de “inte-legere”, que significa “ler dentro”, ler o interior, ler o profundo a fim de fundamentar, sabendo que a essência reside abaixo da superfície;

4.
A substância é o imóvel que é causa absoluta do móvel, ou seja, a substância sustenta o mundo sensível e determina o que uma coisa é, porque ela permanece em tudo o que muda;

5.
A parte imaterial da substância é a forma, o mesmo que essência; e a parte material é a potência, isto é, o que está sempre se devindo;

6.
Se, para Platão, o sensível não passava de mera aparência destituída de ser, o sensível, para Aristóteles, tem ser, mas é um ser em potência, ou seja, a Essência não está no mundo Ideal, mas encontra-se no mundo material.

7.
A substância composta é essência e acidentes. A essência vem acompanhada da ideia de necessidade, por exemplo: a essência de Platão é ser homem.

III) A Substância determina a ideia de Ética.

1.
A Ética nasce na Grécia entre os séculos V e IV antes de Cristo, adotando uma nova forma de linguagem, a do logos demonstrativo ou da linguagem epistêmica, que é a da ciência. A Ética tem como estrutura fundamental a lógica;

2.
A ciência nasceu como ciência da natureza (phisis) na Jônia do século VI, onde se formularam as primeiras regras do discurso científico ou as regras da necessidade lógica, ligando o antecedente e o consequente;

3. Ética é a ciência do ethos. Mas o que é ethos? Esse termo deriva de éthos, que significa “caráter habitual”, sendo equivalente ao termo latino moral, que é a “ciência dos costumes” ou “conjunto de costumes normativos da vida de um grupo social”. O grego arcaico, no entanto, não distinguia éthos de êthos, sendo que êthos significa “hábito” no sentido de “constância do comportamento do indivíduo cuja vida é regida pelo ethos-costume”. Aristóteles faz Ética derivar de êthos, cuja etimologia original é “morada, covil ou abrigo dos animais”.

domingo, junho 19, 2016

LÓGICA ARISTOTÉLICA (2º ANO)

DO LÓGOS AO PRINCÍPIO DA LÓGICA
Professor de Filosofia
Aldo Tavares

Conforme o Currículo Mínimo o Estado do Rio de Janeiro

Instrumentos do Pensar Filosófico:
- Apropriar-se de princípios e de alguns dos instrumentos da lógica para o pensar filosófico; e
- Desenvolver o raciocínio lógico e a argumentação.

A LÓGICA
OU A ANALÍTICA DE ARISTÓTELES (384-383 - 323 a. C)

I) SILOGISMO CONFORME A SUBSTÂNCIA

a) Silogismo 1

1ª premissa: A liberdade do ser humano é fazer o que ele quer.
2ª premissa: Judas quis trair Jesus.
3º conclusão: Logo, Judas é um ser humano livre.

b) Silogismo 2

1ª premissa (maior): Todos os animais (termo médio) são mortais.
2ª premissa (menor): Todos os homens são animais (termo médio).
3ª premissa (conclusão): Logo, todos os homens são mortais.

OBS. 1ª) “
Animais” desempenha a função de “termo médio” do silogismo e, por isso, ele é a “substância” ou alusão à “substância”. Por causa disso, existe a conclusão. Nesse caso, o silogismo é uma dedução necessária, ou silogismo demonstrativo, ou silogismo científico, ou silogismo do universal;

OBS. 2ª)
A lógica aristotélica (lógica clássica ou formal) é, fundamentalmente, um processo discursivo que tende a determinar o porquê ou a causa;

OBS. 3ª)
O lógica do silogismo demonstrativo deve fazer uso de axiomas, ou seja, proposições verdadeiras.

II) Órganon (instrumento ou meio)

1.
Raiz “stru, struō”: subjacente à prática, essa raiz dispõe uma ordem que fixa, que mobiliza e que promove relações; essa raiz que tem como 1º) significado levantar, sustentar; 2º) significado retirar; e 3º) confortar,  juntar, ligar, preparar, compor, tecer, tramar, formar, causar, cobrir; e também tem o sentido de o que produz, o que causa;

2. Alexandre de Afrodisia (198
- 209 d. C) “introduz o conceito de órganon para designar lógica em seu conjunto (e que, a partir do século VI d.C, foi utilizado como título do conjunto de todos os escritos aristotélicos relativos à lógica) define o conceito e a finalidade da lógica aristotélica, que forneceria os instrumentos mentais necessários para enfrentar qualquer tipo de investigação” (REALE, p. 151-52);
3. “Aristóteles
, que nasceu em Estagira (384-383 - 323 a. C), hoje Tessalônica, preferiu usar a palavra “”analítica”, e Analíticos é o título dos escritos fundamentais do Órganon” (Ibid, p. 152); como disciplina intelectual, foi criada no século IV a. C);

4.
Além de Analíticos, Aristóteles usa a expressão Escritos sobre o silogismo para referir-se a esses textos” (Ibid, NOTAS, p. 174);

5. O conceito analítico
significa “separação, resolução, dissolução”. “A analítica (...) explica o método pelo qual, partindo de determinada conclusão, podemos decompô-lo nos elementos dos quais ela deriva, isto é, nas premissas de onde brota; assim, é possível fundamentá-la e justificá-la” (Ibid, p. 152);

6. Analítica
ou Órganon divide-se em seis tratados: 1º) Categorias, 2º) Da Interpretação, 3º) Analíticos Anteriores, 4º) Analíticos Posteriores, 5º) Tópicos e 6º) Refutações Sofísticas. Como os tratados 3º) Analíticos Anteriores e 4º) Analíticos Posteriores são os fundamentais, as aulas se fixaram neles porque ambos referem-se ao que Aristóteles chamava de Escritos sobre o silogismo;

7.
Analíticos Primeiros trata da estrutura do silogismo, termo vem do grego “syllogismós, cuja etimologia indica um conjunto ou uma reunião (de proposições), um raciocínio, sem determinar sua forma precisa. (...). Mas existe um emprego propriamente aristotélico desse termo, que designa, então, um raciocínio dedutivo de forma particular. A definição geral que Aristóteles dá é: ‘o silogismo é um discurso pelo qual, estabelecidas certas coisas, uma outra coisa resulta necessariamente devido a esses dados apenas’” (Primeiros analíticos I, 1, 24b18 apud PELLEGRIN, p. 57);

8. Analíticos Primeiros: 1º)
trata da estrutura do silogismo, de suas diversas figuras e de seus diferentes modos, considerando seu aspecto formal; 2º) esse aspecto prescinde de seu valor de verdade e examina apenas a coerência forma de raciocínio; e 3º) parte-se de determinadas premissas para deduzir as consequências que elas impõem (REALE, p. 153);

9. Analíticos Segundos: 1º)
além de correto formalmente, trata do silogismo verdadeiro das premissas (e das consequências), ou seja, pensa o silogismo científico ou demonstrativo (REALE, p. 153 e p. 164); 2º) a demonstração científica está quase inteiramente ligada à concepção metafísica de substância (ou essência, ou forma, ou eidos) (REALE, p. 165).

10. Silogismo: 1º) raciocínio
: passamos a raciocinar quando proposições têm determinados nexos entre si e que sejam, de certo modo, causas umas das outras, umas antecedentes, outras consequentes. Não há reflexão sem nexo, sem esse caráter de consequência; 2º) o silogismo se constrói com três proposições: dois antecedentes (ou duas premissas) e a terceira proposição é o consequente ou conclusão que deriva das duas premissas.

domingo, junho 12, 2016

O EVANGELHO SEGUNDO SÃO JOÃO


Quando abrimos as primeiras páginas do apóstolo João, lemos que “no princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus”. Princípio. Verbo. O que é o princípio? O que é verbo? Antes de qualquer coisa, saibamos que esses dois termos são as traduções latinas dos gregos arkhé (ἀρχή), “princípio”, e lógos (λόγος), “verbo”. Embora tenhamos em são João o termo arkhé, este texto seguirá só com lógos.                                                                 .          

Antes de buscarmos o significado de verbo em português, a origem desse termo é grega, ou seja, “verbo” passou pelo filtro da cultura romana. Por causa dessa passagem da língua grega para a língua latina, perdeu-se o sentido original, pois se perdeu a vida da palavra.
                                                                                                   .
Segundo a obra De Magistro, de Agostinho, verbo afirma “tudo o que é proferido por uma voz (vox) articulada com uma significação percute (verberare) no ouvido para ser percebido e é confiado à memória para ser conhecido (nosci)”. Nesse aspecto, verbo é palavra; mas entendamos “palavra” enquanto sentido original de “palavra interior”, porque, na obra De Trinitate, ainda de Agostinho, “verbum não abandona a alma daquele que fala”. Palavra é, portanto, o que vem do íntimo para o outro que me escuta, sabendo que, entre quem fala e quem ouve, só há encontro por pertencer à natureza da palavra a ordem.                                              .

“Lógos também foi traduzido para o latim como “ratio” ou “razão”. Mas qual a origem de “ratio”? Razão designava “a conta que o escravo mantinha com seu dono em um livro-razão”. Então, “ratio” pertence à ordem dos números, ou seja, por “ratio” derivar do verbo latino “reor”, a conjugação é “eu conto, eu cálculo”. Infelizmente, nós herdamos da cultura romana a ideia de razão, tendo sido sepultada a ideia de razão segundo os gregos.                                                                                                             .
Em grego, “lógos” não tem sua origem em livro-razão, objeto do comércio, do negócio, onde o número é precisão ou coisa em si mesma. Em grego, “lógos”, originado e pensado por Heráclito de Éfeso (544?-474? a.C), possui beleza metafísica que, embora tamanha beleza tenha sido muito alterada ao longo de séculos, chegou a nós pelo pensamento católico
                                                                                                         .
Primeiro a pensar no cristianismo a relação entre o divino e o humano foi Orígenes (185-253 d.C), discípulo de Clemente de Alexandria (150-215 d.C). Ainda que Heráclito tenha sido o primeiro a pensar “lógos”, Orígenes foi influenciado pela noção estoica, que é a ordem racional do mundo, ou seja, “lógos” é força de unidade na dispersão, princípio divino que vive nos homens, divinizando-os. Jesus é o “Lógos”, ou seja, sua natureza é dupla, divina e mortal, infinita e finita, imanente e transcendente, visto que “Lógos” é fonte das duas naturezas de Jesus Cristo. A beleza e a profundidade do pensamento de Orígenes, podemos encontrar em “Tratado sobre os Princípios”, páginas originárias dos pensamentos de Hegel (1770-1831) e de Feuerbach (1804-1872) a respeito da natureza dupla de Jesus.

Aldo Bourdieu
(língua.portuguesa@uol.com.br) é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.

 

sábado, maio 28, 2016

Mais de 30 instrumentos de guerra violam uma só vagina


No mundo em que tudo é excesso, em que tudo é desmedida, em que tudo é abuso, um estupro por dia não é o bastante para circular pelas redes ou para ser propagado no exterior. Para a máquina olhar a desgraça humana e para depois falar dela, a máquina exige o incomum a fim de que a palavra “barbárie” seja usada quando, por exemplo, mais de 30 homens violam uma adolescente de 16 anos.

Um estupro por dia não é notícia. A máquina precisa mais de droga para “seu êxtase” noticiário, sem antes racionalizar para saber a medida justa de sua audiência. Governador fala. Ministro da Justiça fala. Secretário de Justiça fala. Presidente fala. Feministas falam. Comoção nacional.



Um estupro por dia não emociona mais a audiência. Por dia, um só estupro não mancha mais a civilização. Um estupro por dia não é barbárie. A máquina precisa ser lubrificada, e, para tanto, o melhor lubrificante é o exagero, é o incomum, ou seja, são mais de 30 homens. Agora o que comove é estupro coletivo; porém, “nas favelas cariocas, quem estupra morre”, afirma a voz de um bandido que circula nas redes sociais. Nenhum estuprador morreu por um chefe do tráfico. Se nenhum morreu, terá sido cultura do estupro ou cultura da orgia sexual?



E se for verdade que essa adolescente tenha participado por vontade própria e por dinheiro de uma orgia sexual à moda Marquês de Sade? Caso seja comprovado que ela quis experimentar o domínio de mais de 30 animais machos, o que está em questão, enfim, é o sexo entre adolescentes. Talvez a adolescente não tenha sido vítima da cultura do estupro, mas voluntária da cultura da pornografia. Uma dúvida: não será a cultura do estupro a outra face da cultura da pornografia? Pergunto porque a cultura da pornografia é violência, força que submete o corpo à condição de coisa. A pornografia, sabemos, não perde seu tempo com ternura, com sentimentos, com amor.



Ainda que tenha sido ato voluntário da adolescente para participar de uma orgia, houve crime; entretanto, por causa da escolha dela, não podemos falar de cultura do estupro, e sim de cultura da pornografia. Dito isso, o problema não é o clichê “machismo”, tão bem encarnado na imagem concreta de mais de 30 homens, mas sim o domínio masculino invisível como estrutura social. A polícia encontra os suspeitos de estupro. Entretanto, a polícia não encontra palavras. A polícia prende os estupradores. Entretanto, a polícia não prende palavras. A polícia busca as provas. Entretanto, a polícia não busca palavras. A justiça julga estupradores. No entanto, a justiça não julga palavras. A justiça condena estupradores. No entanto, a justiça não condena palavras.



Enquanto instituições podem apresentar à sociedade o mal encarnado em homens que violaram o corpo de uma adolescente, as relações abstratas entre palavras disseminam na mente de jovens juízos falsos, enraízam na mente de jovens enganos de liberdade, deformam na mente de jovens a sexualidade. Pior: uma vez na mente, jovens falam palavras que eles nem percebem que estão doentes de sentido profundo. A polícia só age porque seu mundo é objetivo. A justiça só age porque seu mundo é objetivo. As palavras não são objetivas, e, bem antes de a polícia e de a justiça agirem, as palavras já adoeceram mentes que nem sabem que estão doentes de ideias, de juízos, de raciocínios.

quinta-feira, maio 12, 2016

OS SIMBÓLICOS 13 ANOS DO PT



Dilma está fora. Eu queria que ela ficasse dentro até o final para não emergir o maniqueísmo do golpe, que alimenta, por exemplo, o marxismo vulgar, chulo, burro das lutas sindicais.

Não só isso: assisti a quase todos os debates das comissões e, confesso, ainda que eu seja burro, não ouvi justificativas para seu impedimento.

Digo: justificavas na natureza escrita das acusações, não nas falas subjetivas e passionais da oposição.

Seu governo deveria sangrar l-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Seu governo deveria se banhar no próprio sangue, sangue jorrado também pela estocada nas costas de um Delcídio do Amaral, um petista, um amigo, um escolhido pelo governo, um mentiroso segundo a Dilma.



Como autoritária, gesto próprio de uma revolucionária (?) desde os 16 anos (o quê!?!?!?), ela, agora, diz que não receberá as falas dos repórteres, pois fará um pronunciamento, ou seja, ela sai do governo sem o diálogo com os jornalistas.

Assim são os revolucionários (?), não sabem dialogar com o tempo histórico e nem com a democracia. No caso dela, não sabe mais ainda dialogar com o tempo quando se diz revolucionária aos 16 anos.

Ninguém é revolucionário aos 16 anos. Ninguém. É, no mínimo, um tolo ou um analfabeto revolucionário, ou seja, não é revolucionário, porque, para sê-lo, é preciso muita maturidade para não pegar em armas e defender a ditadura do proletariado, mesmo porque quem defende a democracia sabe que a luta é educacional.

Pior: um tipo ultrapassado de PT não aprenderá com o impedimento de Dilma, porque esse tipo nunca erra, porque seus líderes, só eles, sabem conduzir "o povo", essa abstração generalizada que não existe de fato na realidade.

Se o esse PT não quisesse isso, fosse então o "partido da ética" (lembram-se?). Esse tipo de PT assistiu a bons nomes indo embora do partido (Marina, Cristóvão, Hélio Bicudo, Chico Alencar) e, para isso, nem precisou da Globo e da Veja.

Esse PT errou por si mesmo, e Dilma só confessou seu erro depois das eleições, já era tarde, pois esse PT jamais foi revolucionário.

Foi, isso sim, mentiroso durante 13 anos, o mesmo número de legenda é o mesmo número do fim. Ironia.

Termino: o PT é muito importante para a democracia, mas não esse tipinho de PT.


sexta-feira, maio 06, 2016

Filosofia: 2º ano do Ensino Médio


Conforme o Currículo Mínimo: Instrumentos do Pensar Filosófico
- Apropriar-se de princípios e de alguns dos instrumentos da lógica para o pensar filosófico; e
- Desenvolver o raciocínio lógico e a argumentação.

DO LÓGOS AOS PRINCÍPIOS DA LÓGICA

I. Razão e Fé na Idade Média: Patrística (do século II ao século VIII)

1
. Precursor da Patrística:
a. Fílon de Alexandria ou Fílon Judeu (23 a.C-41 d.C): 1) toma da Estoá o conceito de Lógos e toma de Platão a estrutura do mundo suprassensível e o mundo das Ideias.

2. Patrística Apostólica:                                                                                                                .
a
. Clemente de Roma, discípulo de Pedro, ele não tem preocupação com a filosofia e seu olhar é para dentro;

3
. Filosofia Patrística Apologista ou Apologeta Helênica ou Filosofia Helênico-Patrística:
a
. Os textos dos apologetas eram conforme as letras jurídicas, ou seja, suas obras defendiam os imperadores romanos o reconhecimento do direito legal dos cristãos à existência em um império oficialmente pagão;

b
. São Justino (100-165), o mais destacado, filósofo e mártir: 1) segundo ele, a filosofia “era o que nos conduz a Deus e a ele nos une”; 2) ele une filosofia e fé; 3) se admitirmos que Deus revelou a verdade aos homens apenas por meio de Cristo, então os que nasceram antes de Cristo não foram culpados de tê-la ignorado; 4) Justino vai a são João, que diz “todo gênero humano participa do Verbo”; 5) então, existe uma revelação universal do Verbo divino antes do Verbo se fazer carne; 6) Justino vai aos estoicos para afirmar que existe uma “razão seminal” (Lógos);

c. Taciano
(120-180), discípulo de Justino, é contra a filosofia;

d
. Escola de Alexandria: Clemente de Alexandria (150-215), de origem grega, ele representa o que há de mais original na literatura patrística e foi discípulo de Panteno de Sicília (falecido em 200): 1) a filosofia não é obra do mal, mas é um bem de Deus, pois a filosofia aprofunda o sentido da fé; 2) o Verbo assume as funções de um pedagogo para estabelecer limites; e

e. Orígenes (185-253), discípulo de Clemente de Alexandria: 1) influenciado pela noção estoica de Lógos, que é a ordem racional do mundo, ou seja, o Lógos é força de unidade na dispersão (grego); 2) no entanto, para Orígenes, o Lógos também não é grego, ao dizer que é princípio ativo que dirige o mundo, mas o mundo judaico-cristão; 3) o Lógos se faz o princípio divino que vive nos homens, divinizando-os; 4) Jesus é o Lógos, ou seja, é tempo imanente e transcendência, eis a fonte das duas naturezas de Jesus.  

LÓGOS: lei, assim como ler, vem de legĕre, de raiz leg, também sob a forma lig-, cujo particípio é lectus, de radical lec.t-, transformadas em português em l(e)-, lh(e)-, le.ç- ou lei.t. Da mesma origem, lei e ler, portanto, encontram-se em colheita. Contudo, antes de separar o grão ruim do grão que é bom, o ato de selecionar está submetido a tudo que envolve o ciclo da terra, a natureza (physis, movimento).

1. “Heráclito, fragmentos contextualizado”, tradução, estudo e comentários de Alexandre Costa: 1) “Ouvindo não a mim, mas ao logos, é sábio concordar ser tudo-um” ou aparente-inaparente; 2) se ouve o  “eu”, dá ouvidos ao mundo enganoso de suas falsas impressões e ao bulício da idiossincrasia; 3) ouvir o logos é concordar com ele, obedecer, acatar o que ele diz e mostra é ser sábio para perceber que o Lógos é ser tudo-um; 4) a escuta determina a fala, que diz a mútua necessidade entre divergência e concordância, o que Heráclito designa como harmonia; 5) o Lógos mantém a unidade, a multiplicidade e a tensão entre elas, fazendo concordar o que discorda;

2. “Estoicismo, Ceticismo e Ecletismo”
, de Giovanni Reale: 1) o Lógos é princípio da verdade (com suas leis do pensar, do conhecer e do falar) na lógica, é princípio criador (como princípio ontológico) do cosmo na física, é princípio normativo na ética ou princípio que determina o sentido das coisas, ou seja, o fim e o dever-ser do homem, que é objeto da ética; 2) a essência do Lógos não se esgota no conhecer e no falar; 3) princípio espiritual que dá forma a todo universo e a todo homem; 4) a lógica é método, é o esqueleto, é a casca do ovo; 5) o Deus dos estoicos, que é Physis (faz tudo nascer, crescer e ser), é também Lógos, vale dizer, princípio de inteligência, de racionalidade e de espiritualidade; 6) O Deus estoico, à medida que se identifica com a natureza, não pode ser pessoal; mas, depois, isso se transforma; e

3.
“Os assassinos do sol”, de Marcio Tavares d’Amaral: 1) Paulo, judeu-helenístico, é responsável pela helenização do cristianismo: penetração dos logos de Jesus no mundo greco-romano e sua difusão através da língua grega; 2) “Logos nós traduzimos depois apenas por pensamento, razão – e não é pouco, mas é menos. O dizer da palavra logos tinha ainda, em Heráclito, uma grande potência de instauração, contenção em limites, de dis-posição, recolha de “tudo o que é”.


quinta-feira, maio 05, 2016

Filosofia: 1º ano do Ensino Médio (aula 1)


Conforme o Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro:

Mito e Filosofia

-  Identificar o discurso mítico;
-  Identificar o discurso filosófico;
- Articular as relações entre mito e filosofia; e
- Situar o surgimento da Filosofia e suas contribuições na Grécia Antiga.

I. A Palavra Mítica

1. Mínios
. 1) A vida social organizava-se ao redor e por causa de um centro, qual seja, o palácio, cujo papel é ao mesmo tempo religioso, político, militar, administrativo e econômico. Atraindo tudo para seu centro como se fosse uma força centrípeta, o palácio simboliza o lugar do rei, o representante do sobrenatural no mundo. Sua palavra, portanto, é divina. Amálgama entre a figura do governante e o poder, eis a identidade da lei existente nos impérios antigos; 2) “A vontade do governante, a sua vontade privada, a sua vontade pessoal, a sua vontade arbitrária, caprichosa, o que lhe desse na telha era ali, e era ela o critério para guerra, para paz, para vida, para morte, para justiça e para injustiça”, expressa Marilena Chauí no vídeo “O drama burguês”; 3) O germe desse poder encarna-se nos mínios, entre 2000 e 1900 a.C., quando invadem a Grécia continental e, com eles, surgem grandiosos palácios-cidades em Cnosso, Mália e Festo, na ilha de Creta. Dois séculos depois, o poder absoluto dos mínios se afirma, e, assim, em 1700 a. C., os palácios ampliam-se, é o período neopalaciano (1700-1450 a.C.).

2. Hititas
. Outra invasão paralela, a dos hititas, manifesta-se e se expande pelo platô Anatólio. Em 1900 a. C., eles edificam a Troia VI, com características palacianas semelhantes às dos mínios da Grécia.

3. Aqueus
ou micênicos. 1) Contemporâneo a esses povos, os aqueus ou micênicos se estabeleceram em Peloponeso e, posteriormente, entraram em contato com a Civilização Minoica de Creta; 2) Com uma cultura muito centralizadora, os micênicos têm uma hierarquia social sentenciada pelo soberano absoluto, uma classe rica e, unido a essa classe, um comandante militar;e 3) Por mais que tenhamos diferenças entre poder e política, uma me chama atenção por ser aquela que tece a realidade social, qual seja: a palavra. Na sociedade despótica, a palavra não passa de um instrumento objetivo para, conforme os escribas do rei divino, registrar todos os setores da vida econômica a fim de controlá-los e de regulamentá-los. A palavra, submetida ao poder palaciano, mantém-se nos grupos estritamente fechados, onde a palavra também se fecha nela mesma, pertencendo, portanto, ao espaço privado. Por isso faz sentido o termo déspota, porque, como ele significa “senhor da casa”, a palavra se limita a esse espaço “doméstico”, ao espaço de “oikos”.

II.
A Palavra Filosófica

1. Dóricos
. 1) Com a invasão dos dóricos em 1500 a.C., a palavra palaciana se desmancha para ressurgir, após o fim do domínio dórico, a palavra como política nas cidades-estados; 2) No lugar da força centrípeta do rei divino, a história conhece o espaço de “ágora” (praça pública), lugar onde a palavra chega a todos ou parte de todos. Não mais pertence ao poder sobrenatural, mas a palavra pertence à democracia. Ela é democrática, ou seja, a palavra é conflito, discussão no espaço público.

2. A Palavra em Ágora
. No entanto, essa palavra em estado de conflito na democracia grega não significa desunião. Vernant afirma que “a exaltação dos valores de luta, de concorrência, de rivalidade associa-se ao sentimento de dependência para com uma só e mesma comunidade, para com uma exigência de unidade e de unificação sociais”. Conflito e união, Eris-Phlilia.

3. A Palavra em Ágora
. Pulsa este estado de tensão, onde se discorda e reconhece a diferença na face do outro, o oponente. Bem antagônico ao mundo palaciano, onde não se reconhecia a diferença do outro, “o verdadeiro interesse pelos outros nasceu com os gregos”, escreve Cornelius Castoriadis em “A polis grega e a criação da democracia”, do livro “As encruzilhadas do labirinto – os domínios do homem, volume 2”.

domingo, maio 01, 2016

A luta dos professores do Paraná não é exemplo



            Em 29 de abril deste ano, o confronto entre policias e professores da rede estadual de ensino do Paraná completou um ano. Na Praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico, em Curitiba, Língua Portuguesa, Filosofia, História, Física, Química, Sociologia, enfim, as disciplinas escolares fecharam seus livros para lutar na rua contra o governo de Beto Richa, do PSDB.
  
            Livros foram lidos na faculdade durante anos para que, uma vez formado, o professor enfrentasse policiais muito bem armados em um campo de batalha. O professor que se formou em Sociologia, por exemplo, paralisou a escola para dizer na rua que “a luta continua”.


  
            Médicos jamais saíram às ruas para gritar palavras de ordem e muito menos para apanhar de policiais militares, mesmo porque o conceito de greve se encaixa perfeito no hospital. Se uma unidade hospitalar para de funcionar, o sofrimento se materializa rapidamente, causando colapso na sociedade. Esse colapso ocorre porque o médico, bem diferente do professor, não vive da palavra, ou seja, não vive da abstração. Sendo assim, o conceito de greve é muito adequado, visto que a natureza do trabalho em hospital materializa-se no corpo, não em ideias. E mais: caso pare sua atividade profissional, o médico não precisará repor suas consultas.

            Uma pergunta: será que o professor pode chamar de “greve da educação” sabendo que suas aulas serão repostas? Não seria mais lógico chamar de “férias antecipadas”? Mais uma pergunta: se o ato de falar em sala de aula se distingue do ato de agir em um consultório médico, pode a palavra de um professor parar a cidade? Ora, quando o médico para de examinar seus pacientes, ele consegue parar a cidade; no entanto, quando o professor para a escola, sua palavra não causa nenhum colapso na cidade. E nós sabemos que a origem do conceito de greve, que é anarquista, tem como finalidade última parar a cidade.


  
            Dois representantes do pensamento anarquista que executaram muito bem o conceito de greve foram Mahatma Gandhi (1869-1948) e Martin Luther King (1929-1968). Com esses dois exemplos históricos, um nos Estados Unidos e outro na Índia, o professor, antes de paralisar suas atividades escolares, deveria abrir livros sobre a história do pensamento anarquista para aprender que paralisar uma escola não é fazer greve. Paralisar uma escola é, antes e acima de tudo, antecipar as férias para depois ainda ter de repor o tempo das férias antecipadas.


  
            No caso dos professores do Paraná, houve ainda um adicional: apanharam feio de policiais. O que houve há um ano com esses profissionais não representa nenhum exemplo de luta pelo motivo de essa luta estar completamente errada como luta da educação. O corpo docente encontra-se muito doente por causa do “parasita sindical”. Esse corpo precisa se curar primeiro dele; precisa recuperar sua força original de pensar a natureza de seu trabalho.  Assim, uma vez curado desse parasita, o corpo docente deve se levantar para que seus movimentos criem formas apaixonantes de intervenções inteligentes e sensíveis no espaço urbano.               
      
Aldo Bourdieu (língua.portuguesa@uol.com.br) é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.

sábado, abril 23, 2016

ORGASMO APÓS OS 60 ANOS



Ângela Vieira

Lembro-me ainda de minha avó aos 60 anos. Senhora de idade sem o aroma do erótico, ela era a imagem de quem não sentia mais desejo por nenhum homem - a não ser pelos netos -, mesmo porque não despertava mais nenhum.  Aparentando ter saído de algum conto de fadas de Charles Perroult (1628-1703), a minha Esther representava o modelo clássico da vovó: o da censura, o da moral rígida. Inimaginável ela falar de prazer, de sexo, de gozo. Depois dela, outras vovós vieram para ler contos clássicos de fadas; porém, diferentes de minha avó, elas agora encantam homens mais novos. Essas vovós ainda podem até cuidar dos netos; mas, na intimidade, são os homens os seus bebês. 


Se Esther representou para uma época o final de uma vida, a vovó do século 21 deseja intensamente viver o corpo e a mente por meio de encontros que a potencializem ou, como diria o filósofo Espinosa (1632-1677), deseja “encontros alegres”, porque, embora não possa evitar a morte, ela pode chegar aos 60 anos com uma vida para ser amada para além do quartinho do neto. Vovó quer ser devorada pelo lobo bom, e digo bom porque uma mulher sexagenária, uma vez bem madura, não vê só a boa aparência da “fruta”, mas deseja uma suculenta alma a fim de provar a essência. Uma mulher madura, quando madura mesmo, não quer o corpo pelo corpo, pois ela viveu muito para saber que inteligência, bondade, compreensão, ternura, preliminares, verdade, por exemplo, são ótimos para temperar a carne. Seu paladar é apuradíssimo. O sabor do gozo após os 60 anos assemelha-se ao divino, pois, afinal, ela, a vovó, é divã – deusa que deixa as mortais de 20 aninhos insossas.

Por isso e por muito mais, o orgasmo pós-60 anos jamais é vulgar, visto que o vulgar é fácil como é fácil destruir objetos, e a vovó soube muito bem preservar a idade-corpo e a idade-mente, não se deixando competir com uma adolescente. A vovó se reconhece como não adolescente, não engana sua idade; ela só preserva, na justa medida do tempo, o charme, a elegância, como se fosse brisa que preserva o sutil movimento. Mais: ela seduz porque também pulsa nela, em sua alma, o vigoroso tempo vivido das perdas, das alegrias, das derrotas, dos que se foram antes dela. Por causa disso, ela tem muito a dizer com a calma que o tempo exigiu dela. Nada em sua idade é apressado: chegar ao orgasmo e levar o outro a ele é movimento suave de que quem adquiriu sabedoria, mas também é explosão sexogenária de quem grita pela vida por causa de alegres encontros. Sexagenária era a minha avó. 


Os rígidos sentenciarão que essas vovós são imorais, mas eu pergunto, pergunto e pergunto: a rigidez é valor supremo para a vida? será a vida, a vida em si, rígida? se for rígida como declara a rigidez dos moralistas, por que a vida se renova? o que é rígido ou inflexível renova-se? a beleza da vida não será por causa de ela ser divino movimento, divina inconstância?     


As atrizes Eliane Glardini (64), Ângela Vieira (62) e Bruna Lombardi (62) - só para ofertar três sensuais exemplos -, caso sejam avós, devem contar estórias à noite para seus netos, mas essas vovós, que não são rígidas, vivem mais e mais quando seus “bebês” sorriem ao embalo de sussurros ou de gemidos ao pé do ouvido, à sombra daqueles que secam a vida com rigidez.

Aldo Bourdieu (língua.portuguesa@uol.com.br) é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.         


                   

domingo, março 20, 2016

À luz ou à sombra?


A palavra, sabemos, é instável; não é senhora de um só significado, de um só sentido, por isso que ela “é” e “não é”. Por ter a natureza da inconstância. a palavra não pode dizer a verdade, porque, para haver verdade, é preciso existir a constância de A = A.

Para o político, a verdade sempre deve ser dita, pois, como trabalha para o bem dos cidadãos, sua palavra não pode ser ambígua, sua palavra não pode ter duas caras. Mas em que espaço a palavra do político comporta-se como verdade fosse? Pergunto porque a palavra do político precisa de um ambiente que acomode a verdade, que a acolha com segurança. A verdade transmite estabilidade.



Mas que ambiente é esse onde se acomoda a verdade a fim de o político transmitir com segurança a palavra? Ora, esse espaço é o espaço público, mas o entendamos como lugar onde a palavra fica às claras. Diante das câmeras de televisão, perante a multidão sem rosto, o político promete com a face toda exposta à luz do dia ou exposta à luz dos holofotes da TV. Como poderia ser sua palavra mentirosa se o político encontra-se tão exposto? O senso comum acredita que a verdade se manifesta porque, ao estar a palavra às claras, a luz retira da palavra do político toda ambiguidade, ou seja, retira dela toda  inconstância. À luz do dia, a palavra é firme. A verdade, dizem, é luz.

Entretanto, diferente da crença bobinha do senso comum, a verdade jamais poderia se manifestar às claras, porque a verdade não é fácil de ser encontrada, não é valor disponível à luz do dia ou à luz dos holofotes de TV. O que é fácil só é fácil por estar exposto à luz. A verdade, concordemos, não é fácil, como é fácil encontrar objetos à luz do dia. A verdade é difícil na vida, trajetória de uma vida inteira. A verdade, portanto, é busca.

Mas por que buscamos a verdade? É busca porque ela precisa ser encontrada e, para encontrá-la, precisamos saber onde ela está. Ora, se não sabemos onde ela está, e por isso a buscamos, é porque a verdade, que não é fácil encontrar, encontra-se ocultada. Buscamos a verdade para des-cobrir. A verdade não é fácil como são fáceis de ver os objetos à luz do dia. A verdade é segredo à sombra do espaço público, à sombra dos holofotes de TV, à sombra do que o político diz à multidão.

Para o senso comum, a palavra no espaço público é palavra verdadeira, pois ela é dita às claras. Mas é no espaço privado, oculto, à sombra das multidões, onde a palavra não é fácil ser encontrada. À sombra do que é fácil ser encontrado, a verdade é ouvida por poucos, por exemplo, pelo juiz Sérgio Moro. Em latim, “sigilo” significa “marca pequena”, e a “marca pequena” foi quebrada pelo juiz. O que é pequeno, sabemos, não é fácil de ver; porém, uma vez quebrado o sigilo, o que estava oculto, escondido, à sombra da multidão, sai de seu pequeno lugar (conversa pessoal ao telefone) para “assombrar” a luz do dia.

domingo, março 06, 2016

Alétheia

A 24ª fase da Lava Jato é chamada pela Polícia Federal de Operação Alétheia, que na escrita grega é άλήθεια. Os romanos a traduziram como veritas, que se transformou para nós, falantes da língua portuguesa, em verdade. Por causa da tradução,  alétheia perdeu seu sentido original. Isso, entretanto, não exclui a busca de entender um pouco a diferença entre a verdade grega e a verdade latina.


No jornal impresso, no telejornalismo e nas redes sociais, logo se propagou a ideia de que alétheia é “busca da verdade”; porém, se é “busca da verdade”, giramos em círculo ou substituímos seis por meia dúzia, porque o sentido de alétheia se prende ao que nossa cultura entende como verdade. Herdamos dos romanos o entendimento de verdade, entendimento esse que tem como estrutura o direito romano, isto é, a verdade que herdamos do Império Romano vincula-se ao “fato objetivo”, “ao real em si”, “ao que está exposto às claras”. O direito precisa de provas, e as provas são o fato. A verdade do senso comum, que tem como estrutura o mundo jurídico romano, é o fato. Outra compreensão de verdade segundo a língua latina é a qualidade daquele que faz o que diz e que diz o que faz, isto é, a palavra dita só é verdadeira se a palavra se materializa enquanto fato, enquanto realização.


Para os gregos, contudo, verdade não é isso, por isso alétheia, que significa “não esquecimento”. Ora, se alétheia é “não esquecer”, é porque um dia a alma esqueceu e esqueceu porque algo está coberto, velado (lethe). Alétheia é também “des-cobrir, não ocultar”, mas a verdade grega é o momento em que o des-coberto emerge do encoberto. Essa é verdade originária: junção desveladora do encoberto com o seu aparecer, alétheia ou des-cobrimento que irrompe desde o velamento, junção do aparecer com o encoberto. 


Bem diferente da verdade romana, a verdade grega não é o fato, mas a interseção entre o claro e o escuro, quer dizer, para o grego, a verdade não é a luz solar em si e nem a luz lunar em si, mas a junção entre as duas, podendo ser representada pela luz do pôr do sol. Há um belo livro de Guy Van de Beuque que pensa essa questão, Experiência do nada como princípio do mundo.



Até aqui, eu disse que alétheia é a verdade segundo os gregos. Incorreto. O filósofo Gilles Deleuze tem a ideia de “consistência de conceito”, isso significa que o conceito de verdade, por exemplo, depende de cada filósofo. Sendo assim, a verdade pensada por Aristóteles não está na ideia de alétheia. Quem a pensa é Platão na bela obra Fédon.



A Polícia Federal, por meio da Operação Alétheia, trouxe Platão a nós, caindo perfeito para Luís Inácio Lula da Silva e para o PT. E por que perfeito? Porque ambos se esqueceram de suas origens. Mais: eles se esqueceram de que uma das causas de Lula ter sido obrigado a depor na Polícia Federal encontra-se em um dos nomes do próprio partido: Delcídio do Amaral, cuja voz foi gravada pelo filho de Nestor Cerveró em uma reunião onde Delcídio busca comprar o silêncio de Nestor. E quem colocou Delcídio no governo de Dilma Rousseff? Quem ordenou Delcídio comprar Nestor Cerveró? Lula e os militantes do PT se esqueceram, mas Delcídio não se esqueceu. Será que o senador petista leu Platão?







Aldo Bourdieu é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.  

terça-feira, fevereiro 23, 2016

História, Deus e a Filosofia

Por causa da ditadura militar, a Lei 5.692, de 1971, ordenou a retirada da Filosofia das escolas brasileiras. Após 25 anos, ela retorna; porém sem ser obrigatória conforme a Lei 9.394, de 1996. A Lei 11.684, de 2008, determina que o pensar filosófico é obrigatório no ensino médio. Entretanto, como não existe professor de Filosofia formado em número suficiente para lecionar nas escolas, o estado brasileiro encontrou uma saída - o professor de história pode lecionar Filosofia.

Se o professor de história fala Filosofia a jovens do ensino médio, a Filosofia, óbvio, não fala de si mesma, sendo, portanto, um estranho que fala Filosofia. Por ser um estranho que fala, ele deforma a Filosofia, e tamanha desfiguração ocorre quando a história fala a Filosofia na Idade Média, a ponto de dizer que a Filosofia, por estar na Idade Média, não é Filosofia.

Mas Deus deve estar na grade curricular de Filosofia a fim de que seja pensado por meio de filósofos medievais que possibilitaram a riqueza de diálogo entre a fé e a razão. Muito diferente do professor de história que fala Filosofia, pertence à Idade Média uma Filosofia plural, farta de tensões, cuja linguagem exercita a mais autêntica Filosofia que pensa profundamente Deus. 

Para que Deus seja pensado na escola por meio de uma linguagem profundamente reflexiva, que é a linguagem filosófica, o professor de história precisa sair de cena com suas aulas que não compreendem a Filosofia, mesmo porque a história não pensa conceitos e não pensa porque não cabe a ela pensá-los.

O destino da Filosofia, por outro lado, é pensar conceitos ou se pensar na própria linguagem. Se Deus é evocado, se Deus é pronunciado, a vastidão do divino na alma humana, além de ser fé, também é razão que compreende a fé enquanto conceito vital para o ser humano. Não é da natureza da fé se pensar, mas sim é da natureza da razão reflexiva se pensar e pensar a fé na vida humana. Para tanto, o professor de Filosofia precisa estar muito bem formado a fim de reparar o erro ainda cometido pelo professor de história, o de falar o que não sabe.

Existe um deus menor propagado por homens menores, aqueles que se julgam pregadores da “verdade” desse mesmo deus, limitado pela densa ignorância, pela espessa arrogância da intolerância. Por outro lado, pulsa um Deus pensado por cristãos da Idade Média que engrandecessem o pensamento.

Esse Deus precisa ser lido na escola, precisa ser entendido pela razão. O deus falado de qualquer maneira por cristãos em qualquer igrejinha de esquina, erguida ao lado de qualquer boteco como se ela mesma fosse o próprio boteco de deus, tem prevalecido como inconsequência delirante de uma fé insana e autoritária de pastorzinhos e de padrecos. Por falarem muita merda em nome do Senhor,

Deus precisa ser pensado na escola por meio da Filosofia; no entanto, ao ter sido desfigurada pelo professor de história, falta Filosofia até hoje na escola. Porque o pensamento filosófico não fala o pensamento filosófico, visto ser falado pelo professor de história, a Filosofia está ausente no ensino médio desde 1971, ou seja, são 37 anos sem que a palavra seja pensada na escola.