quinta-feira, agosto 01, 2013

Poesia




Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
Antigamente eu era eterno.


ENTRE NÓS, HÁ MUITO MAIS BAIAS DO QUE BIBLIOTECAS E SALAS DE LEITURA NAS ESCOLAS



De Aldo Nascimento

    Quem vive na capital acriana há anos percebe o quanto esta cidade quantifica-se a cada tempo de um semáforo. As formas urbanas de Rio Branco alargam-se, a voracidade do comércio expande-se, as imobiliárias desejam mais altura e a estreiteza de ruas cede à travessia longa de pedestres em avenidas.
    A cidade cresce: os 196.923 habitantes que dormiram em 1991 despertaram-se, nove anos depois, com mais 138.873 indivíduos, totalizando 335.796 bocas em 2010. Rio Branco se amealha: mais supermercados, mais pneus, mais lojas, mais empresas, mais bares. Rio Branco empanturra-se: mais garrafas, mais bêbados, mais ladrões, mais putas, mais assassinatos. A vida urbana avoluma-se do tamanho espesso da pressa.
    Desse excesso, o luxo emerge e diz a si mesmo a necessidade fútil de desfilar. Assim, adornados de opulência, os ricos exibem seu excedente de capital em colunas sociais, em revistas eletrônicas, em festas. Porque seu nome é moeda de troca, o empresário recebe os holofotes da imprensa, e, em revistas eletrônicas, a bela cozinha da oligarquia, saciada, apresenta o prato que pobres não podem lamber. Diante das câmeras de tevê, os ricos acrianos pavoneiam-se.
   
      E A FESTA DO LIVRO?
    Diante de uma Expo-Acre, qual valor de uma bienal do livro? Se comparado à raça Nelore, qual importância de um romance de milton hatoum? Perante a ração de um cavalo Mangalarga, para que servem os versos de drummond? Em 2011, a festa do caubói gerou, segundo o governo, uma riqueza de R$ 100 milhões.        
    Mas em Rio Branco nem tudo é excedente. Quando expuseram pela primeira vez livros em uma bienal, eles, acanhados em barraquinhas vexatórias, estavam na Praça da Revolução, centro, entre o quartel da Polícia Militar e a Biblioteca Estadual. O poder público expôs, na verdade,  o acanhamento de nossa cultura literária por não haver nela a presença do grande capital público e por haver nela a grande ausência de leitores – a 1ª Bienal do Livro do Acre escreveu a história de sua própria escassez pelo simples fato de livros não gerarem no Acre a riqueza de R$ 100 milhões.
   
       A FESTA DO BOI   
   No lugar da monumental insignificância econômica dos livros - mesmo porque não se lê nas escolas acrianas, e nem há salas de leitura -, o poder gasta muito para edificar todo ano a Expo-Acre, esse espetáculo do cavalo, do comércio, do gado, da indústria, das grandes terras. Para sua abertura, a tradicional Cavalgada exibe nobres cavalheiros com o poder econômico de comprar luxuosas caminhonetes, carretas, cavalos de raça, expondo sobre eles o padrão da moda country, a fartura de bebidas alcoólicas, o modelo feminino de beleza. A Cavalgada, por ser o exibicionismo dos que exercem o poder na cidade, ostenta o narcisismo da riqueza, da griffe de roupas bem acochadinhas, da bota de couro mais cara, do cinto de couro mais viril. Enquanto mortais pensam na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), enquanto as bienais do livro de São Paulo e do Rio de Janeiro representam riqueza cultural a cada dois anos, a pecuária acriana, que gera milhões ao estado e não ao povo, seduz a massa com musiquinhas pseudossertanejas, com seu vestuário norte-americanizado, ou seja, o gado no pasto gera não só riqueza econômica para poucos; mas, sobretudo, o seu efeito mais nefasto para a identidade de uma região: alienação cultural. No lugar do caipira, este homem simples do roçado, a festa do corte aplaude seu mito: o caubói. Nossos alunos, portanto, não precisam de festas de livro, eles sorriem quando seus pais os fotografam ao lado de um boi Nelore.
   
       Depois do boi, não se lê na escola 
 
    Sem bienal acriana do livro à altura do espetáculo bovino, a criança que foi fotografada ao lado de um Nelore estuda em uma escola pública de um bairro periférico de Rio Branco. Sua professora não lê monteiro lobato em sala de aula e muito menos a aluna lê na sala de sua casa as estórias da boneca emília. No Acre, o aluno conclui o ensino médio sem ter o domínio da leitura.   
    A paisagem de Rio Branco transformou-se muito por causa do dinheiro público: edificaram-se pontes, estádio, aeroporto; construíram-se estradas, avenidas. Esse mesmo dinheiro, no entanto, foi incapaz de ensinar aos alunos do ensino fundamental a ler. Não saber ler, entretanto, não atrasará, segundo nossos políticos, o nosso desenvolvimento econômico, não é mesmo? Rio Branco não irá parar por causa de alunos que não sabem a diferença entre Machado de Assis e a ração de um boi. A capital irá se avolumar do mesmo jeito. A Expo-Acre gerará mais de R$ 100 milhões para poucos. Na foto guardada em casa, Maria de Jesus dos Santos da Silva, de 11 anos, está ao lado de um boi Nelore. Seu pai não sabe ler. Em 2009, os homens públicos deixaram no Acre 15,4% de analfabetos, o maior índice do Norte. Se a riqueza econômica irá nos redimir e se a miséria cultural nos resignará, para que serve mesmo a bienal do livro?