domingo, março 04, 2012

Quando "o rio desce"

Um apresentador de tevê disse que "rio não desce", por isso é errado dizer. O correto, "o nível das águas desce".

Um programa para o povão que tenta corrigir a maneira como o povão fala, no entanto o apresentador desconhece a fala popular, que é marcada pelo desvio, pela desobediência. "O rio desce" é fala desviada. A fala popular não afirma "o nível do rio desce".


Há profissionais que só existem por causa da palavra; mas, mesmo assim, não sabem se servir da palavra. Pior: ignoram-na.

Não está errado dizer "o rio desce" porque se trata de uma figura de linguagem, porém o jornalista ignora figura de linguagem. A Língua, para esse profissional, limita-se a ser denotativa, literal, reta.

O que me causa antipatia é a mais absoluta falta de humildade para afirmar, diante de sua audiência, uma ideia errada da língua portuguesa, contribuindo para que telespectadores permaneçam na ignorância.

Figuras de Palavras

Há metáfora, catacrese, sinestesia, metonímia, sinédoque e antonomásia.

Muitas dessas figuras são metáforas, por exemplo, quando digo "a melodia de Debussy é azul", trata-se de uma sinestesia, que é um tipo de metáfora, porque relaciona elementos de universos diferentes, quais sejam: melodia e azul.

Vejamos "rio" e "nível das águas". Nível é também "altura", "a altura das águas"; nível é também "linha", "a linha das águas"; nível também é "superfície", "a superfície das águas".

Se meu raciocínio não estiver errado, entre "rio" e "nível das águas", há uma relação, mas não relação entre elementos de universos distantes, o que ocorre quando há metáfora ou símile.

Há, isso sim, uma ideia menor em uma ideia maior, isto é, "nível das águas" (parte) está em "rio" (todo). Ora, não estamos substituindo o todo pela parte? "Rio" fica no lugar de "nível".

Se uma ideia está contida na outra, estamos diante de uma sinédoque, tipo de metonímia. Segundo meu entendimento, esse caso assemelha-se a "não dá para ficar sem um teto", sabendo que "sem teto" (parte) substitui "casa" (todo).

Em um país onde salas de jantar não convivem com bibliotecas, a audiência de um Gazeta Alerta deseduca telespectadores.

"O rio desce" está correto. A maré subiu. O mar desceu (baixa-mar). O mar subiu (preamar).