sexta-feira, outubro 05, 2012

"Ausência"

Na esquina das ruas Graça Aranha e Araújo Porto Alegre, no centro do Rio, lá estava o andar desmanchado a contrastar com o corpo da multidão. Meu amigo. Depois de mais de 20 anos, Affonso se mantém atípico.

Após um abraço muito carinhoso que obstruiu a calçada, caminhamos em direção ao Sesc-Rio para assistir à peça “Ausência” - nome mais do que apropriado para o nosso reencontro.

Nova York, 4 de abril de 2036. A cidade norte-americana vive um dos maiores caos da história do planeta. A população está praticamente impedida de sair às ruas e, se isso acontecer por alguma necessidade extrema, é obrigada a utilizar máscaras de oxigênio.

Nesse dia, o personagem vestido com sua máscara abre sua janela e observa. O céu não é mais o mesmo: uma estranha luz vinda do sol desenha a caótica e absurda cidade.

No topo do prédio, seu apartamento. No lugar de paredes, tubos metálicos. Em seu espaço, objetos, objetos, objetos. Além de um homem, ratos e, em um aquário com água, o peixe vermelho. Entre peças e tubos, um registro de água. A escassez em Nova York impera. O plante espera por seu fim.

O peixe, porém, permanece na água. Por que um peixe nesse resíduo de mundo?

Quando colocamos um aquário na sala, contemplamos um grau de beleza. Nisso, não há função prática, somente a inércia de olhar fixamente a beleza de um ser vivo que flutua no espaço líquido do aquário. O personagem cuida do peixe. Ele o ama.

O peixe é ornamentação.

Belo, o peixe é delicadeza, única imagem que nega a rudeza do apartamento.

Abre-se o registro de água; a gota, no entanto, não cai na boca sedenta do personagem. O apartamento está seco.

Aos poucos, o personagem recria o aquário. Duas peças metálicas são dois braços. Pedaços de arame, cabelos. Na condição de metáfora, o  peixe, agora, recebe do personagem o amor em forma de declaração poética, único momento em que a plateia ouve palavras.

Mas, quando o orgânico se agoniza, quando a matéria se atormenta, quando a carne necessita matar a sede, por que não beber a água que mantém viva a beleza, a ornamentação, a delicadeza, o peixe vermelho?

A peça-conto continua, mas eu paro aqui, dizendo somente isto: muitos textos teatrais que estão no Rio de Janeiro poderiam circular em Rio Branco, porém, por absoluta ignorância desinteressada de políticos incultos, cidadãos permanecem à margem de uma cultura secular – o teatro.