sexta-feira, novembro 10, 2006

"Pai, eu sou carioca"

Há muito tempo, recolhi meus gestos entre quatro paredes. Muito longe de minha família, as companhias têm sido namorada, filha, colegas de trabalho, alunos e páginas de livros. Cada vez mais, limito-me ao reservado.
Não tenho visitado pessoas por quem tenho enorme apreço, como o prof. Carlos Alberto, o médico Matheus, o prof. João Bosco e... são poucos a quem, hoje, dôo palavras, à beira do rio Acre, à minha acreana filha, ela me olha, "pai, eu sou carioca".
Como!? Menina, você nasceu em Rio Branco, Acre, em 1997, deu para entender?
Um sorriso, de 9 anos, maroto. "Não, pai, eu sou carioca."
Morena, cor de índia, linda pele, sempre procurei mostrar à Lara Valentina a beleza de sua origem, expressada por meio, por exemplo, de sua avó materna, uma mulher-índia, mulher-aldeia.
Mas a floresta não a seduziu como a seduziu o mar. Desde o dia em que visitou os avós paternos no Rio de Janeiro, Lara, em seu íntimo, foi deixando de ser acreana para se deslumbrar com a Cidade Maravilhosa: Barra Shopping, McDonald's, Bob's, C&A e.. o mar.
Minha filha, eu sei, ainda é pequena, não alcança o tamanho de certas palavras, não as que tocam no consumo da cidade grande, mas na identidade de uma pessoa. Ela levará um certo tempo para subir a palavra-rio e ouvir a palavra-silêncio da palavra-floresta.
Conversávamos no Mercado Velho, o novo. O dia estava lindo. Está vendo esse rio, filha? Sente esse vento? Percebe a beleza do céu? Vê esse lugar, as pessoas? " Sim, hoje o dia tá lindo, pai."
Então, não é Rio de Janeiro, não é o Acre, filha, é a vida. O sentido da tua vida não está em ser carioca.