quarta-feira, maio 30, 2007

Vidas Secas, Graciliano Ramos


Frei Beto equipara a ideologia às lentes dos óculos. Não percebo, é invisível, mas a ideologia está lá.

Não vejo a realidade com meus olhos, porque, antes, as lentes filtram-na. Meu olhar, portanto, alienado, não sou eu. Meu olhar, as lentes.
A situação piora quando elas pertencem a uma câmera de TV. São minhas pupilas.
Ora, entre mim e as vidas de Fabiano e de Sinhá Vitória - personagens de Vidas Secas -, a presença dele conduz meu olhar: narrador.
O que leio depende dele. O modo-palavra como narra é o modo-palavra como olho.

"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. (...)".

O romance, em suas primeiras linhas, apresenta um narrador que visualiza, antes, a terra ("na planície avermelhada"). O espaço. Faz sentido. Esse narrador olha para Fabiano e Vitória como extensões do meio, vidas humanas geradas por um solo seco e, uma vez submetidas ao espaço árido, suas falas também são secas.
Se seca é a palavra de Fabiano, sua reação à morte do filho mais velho não emociona o olhar do leitor, porque o narrador, em terceira pessoa, neutraliza o sentimento paterno para ele, o narrador, mostrar a morte de forma impessoal.

"(...). Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. (...)." É o narrador que afirma, não o pai.
Como escreve Sarte, onde existe o narrador realista ou naturalista, a vida não germina. Isso se opõe ao texto A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna.
Eu, na condição de leitor do mundo, não olho a vida por meio de narradores realistas ou naturalistas. Eles esmagam o espírito humano, isto é, ela: a inquietação.



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