segunda-feira, agosto 11, 2008

A Poesia de Platão

De Aldo Nascimento
Livro também depende do tradutor. Maria Helena da Rocha Pereira é considerada uma das melhores tradutoras de Platão, e o leitor a encontra na Fundação Calouste Gulbenkian, uma belíssima edição do grego para o português

Assim, no capítulo 3, página 125, leio que A República condenou a arte que desejasse os sentidos. No ocidente, Platão foi o primeiro a perseguir o sensível na arte. O poeta que lhe agrada deve ser austero, menos aprazível; deve se exprimir conforme modelos que de início foram regulados quando a cidade tentava educar os militares

Sendo assim, em A República, as portas se fechariam para o Barroco de Rembrandt, para o Romantismo de Castro Alves, para o Impressionismo de Monet. Militarizar arte, segundo Platão, significa o predomínio da reta sobre as cores, da razão sobre a contradição, da cópia do real sobre a imaginação, da disciplina inflexível sobre a inconstância do sensível

O pensamento pitagórico geometrizou o mundo platônico. Além dessa influência matemática, o pensador grego conheceu no Egito a arte submissa ao cálculo, à retidão. Platão, em verdade, é matemático. Para ele, o poeta deve traçar uma reta a fim de inibir o excesso das cores, por isso que os árcades ou neoclássicos, tão calculistas, retêm a imaginação à medida que seus versos confinam-se a copiar o real, a construir sintaxes equilibradas, a negar metáforas, oximoros, hipérboles, sinestesias

No filme Sociedade dos poetas mortos, de Peter Weiss, ou em O Sorriso de Mona Lisa, de Mike Newell, as duas escolas representam a Arte Clássica, oposta ao Barroco, ao Romantismo, ao Impressionismo. Entretanto, para a vida de alunos, os dois professores desses filmes combinam cores que subvertem a razão em sala de aula

No filme de Peter Weiss, o professor de Literatura, senhor John Keating, amante da Escola Romântica, pede aos alunos que rasguem o prefácio Entendendo a poesia, do doutor J. Evans Pritchard, um teórico literário que submete os versos de Byron, poeta romântico, às retas do produto cartesiano para calcular a área de sua poesia. Essa razão cartesiana que objetiva calcular versos, Keating a chama de “excremento".

Katherine Watson, professora de História da Arte, em O Sorriso de Mona Lisa, fala às alunas sobre Vicent van Gogh, mas a escola onde ela leciona não admite sua arte, porque “ele pinta o que sente, não o que vê”. Conversando com a professora Katherine, a diretora diz a ela que deve haver "menos arte moderna".

Nesses dois filmes, as escolas assemelham-se a uma igreja. Ora, como se sabe, esse templo, segundo Nietzsche, popularizou o pensamento de Platão, que não admite, tal como as duas escolas, o sensível na arte, na vida, a não ser que fique sob o domínio da razão matemática.

Um comentário:

Framarg disse...

Há um ditado catalão que afirma: “no mar não há o teu, não há o meu; no mar tudo é teu, tudo é meu”.
Adorei seu comentário acerca do homem de “ombros largos”. Arístocles é realmente emblemático, traduz o pensamento de um povo que decidiu criar e seguir sua luz.
Confesso-lhe ter enorme saudade do tempo em que eu, “formatando” este pensador á realidade da escola, trazia enumeradas versões do mundo sobre o pensamento grego. A história não é menor que a literatura, são cegos no mesmo beco escuro, é também capaz de fazer, como dizem os alemães “experienciação”.
Agora, dentro dos cinco lados de uma parede branca, faço sonhos de voltar à sala de aula. Tenho certeza de que não posso quedar-me “chorando a bíblia junto ao aquecedor”.
Se algumas vezes me perdi em meus erros, receios e defeitos, tenho claro ser um grande mar o local em que estava.
E se realmente for isso, tem razão o poema da Catalunha, e te assassino com os versos dele: “no mar não há o teu, não há o meu....”
um abraço.