Parte de um texto de Clóvis de Barro Filho, professor livre-docente da ECA-USP
"Um jornalista escreve para outro jornalista"
O campo de produção de conteúdos midiáticos tem regras próprias que se encontram em seus próprios agentes e nas suas relações com os demais. No meu livro O 'habitus' na comunicação, mostro como a produção jornalística é fruto de um habitus jornalístico, utilizando o jargão de Bourdieu, onde os critérios de fato jornalístico e de pauta não são meras estratégias burguesas de dominação, como diria um marxista, mas sim frutos de uma interiorização da aprendizagem jornalística. Interiorização esta que aprende a ver o mundo segundo uma determinada importância, classificada em certas editorias jornalísticas (primeira página, cidade, esporte, internacional etc.), pensa numa quantidade "x" de caracteres, e avalia a matéria segundo as observações de seus pares. Como nossos pesquisados confessam, "um jornalista escreve para outro jornalista". Assim como em nossas pesquisas sobre o campo publicitário, feitas na Escola Superior de Propaganda e Marketing, escutamos constantemente entre os dominantes a mesma observação: "Minha propaganda se impõe contra meu concorrente... Apesar de existirem as exigências do briefing imposto pelo contratante, nossa equipe está pouco preocupada com a recepção do público final. Só nos interessa o que nossos colegas vão dizer".
O forte apego à pesquisa de campo, exigência central feita pela sociologia de Bourdieu, desmascara não só o discurso interessado dos agentes da comunicação mas também o senso comum acadêmico que avalia a mídia segundo "achismos". Ao constatar que o discurso de um jornalista, ou de um relações públicas, não é em nenhum momento pautado pelos critérios "idealistas" de transparência, objetividade, neutralidade e democratização do conhecimento, constatamos que tais produções são frutos de um jogo de desejos. As matérias são selecionadas e escritas visando atingir interesses os mais diversos, determinados pela posição do agente no campo. Sem altruísmos e sem pensar no "bem comum", apesar de seus discursos identitários.
Jogo da comunicação
Nem mesmo os publicitários, tidos como manipuladores, estão interessados no bem de seus clientes ou dos consumidores. No que se refere aos discursos acadêmicos dominantes sobre a comunicação, a sociologia de Bourdieu, através de uma pesquisa de campo rigorosa, expõe as ingenuidades e os erros que perspectivas marxistas e pós-modernas fazem da produção midiática. Há, sim, interesses envolvidos na fabricação de uma notícia, como ambos denunciam. Mesmo nesta matéria que eu escrevo, denunciando os interesses. Porém, o comunicador não é movido por uma ideologia burguesa para a dominação de massa. A reunião de pauta das grandes mídias não é, em nenhum momento, uma reunião de porcos asquerosos que visam camuflar a exploração capitalista e combater a ameaça comunista até seu total extermínio, posição esta compartilhada por muitos acadêmicos da "velha guarda" e por jovens, cheios de hormônios, que habitam os centros acadêmicos.
A produção da notícia, ou da propaganda, também não é fruto de desejos individuais que querem se expressar em toda sua "força" visando sua satisfação e fluidez, característico das ditas "sociedades pós-modernas" de consumo. Não é o hedonismo naïf o "combustível" que move os comunicadores de diversas áreas, como querem acreditar os pensadores pós-modernos. São desejos complexos de aceitação no campo, disputa e dominação que estão em jogo. São os troféus dos campos e suas posições de destaque e dominância o fim último da produção de notícia. A "preocupação" com o leitor, telespectador, ou consumidor é somente uma desculpa para justificar seus acertos ou fracassos. Respeitar o "bem" da empresa que contrata o comunicador é somente uma mera desculpa para se manter empregado e continuar jogando o jogo da comunicação. Jogo esse com regras bem claras, mas quase nunca expressas.
Por essas duas razões, a sociologia de Pierre Bourdieu encontra dificuldades em se estabelecer no mundo acadêmico e mercadológico. Os métodos de investigação, e seus resultados, desmancham os mecanismos de defesa de ambos os campos. Desmascara os agentes da comunicação e os interesses acadêmicos mais sórdidos. Ao encarar tanto a produção da noticia ou publicidade e sua crítica voraz como produtos de consumo recheados de interesses, essa sociologia cria inúmeros inimigos. Nesse sentido, imita seu próprio criador. Odiado em vida por muitos e admirado por muito poucos.
O campo de produção de conteúdos midiáticos tem regras próprias que se encontram em seus próprios agentes e nas suas relações com os demais. No meu livro O 'habitus' na comunicação, mostro como a produção jornalística é fruto de um habitus jornalístico, utilizando o jargão de Bourdieu, onde os critérios de fato jornalístico e de pauta não são meras estratégias burguesas de dominação, como diria um marxista, mas sim frutos de uma interiorização da aprendizagem jornalística. Interiorização esta que aprende a ver o mundo segundo uma determinada importância, classificada em certas editorias jornalísticas (primeira página, cidade, esporte, internacional etc.), pensa numa quantidade "x" de caracteres, e avalia a matéria segundo as observações de seus pares. Como nossos pesquisados confessam, "um jornalista escreve para outro jornalista". Assim como em nossas pesquisas sobre o campo publicitário, feitas na Escola Superior de Propaganda e Marketing, escutamos constantemente entre os dominantes a mesma observação: "Minha propaganda se impõe contra meu concorrente... Apesar de existirem as exigências do briefing imposto pelo contratante, nossa equipe está pouco preocupada com a recepção do público final. Só nos interessa o que nossos colegas vão dizer".
O forte apego à pesquisa de campo, exigência central feita pela sociologia de Bourdieu, desmascara não só o discurso interessado dos agentes da comunicação mas também o senso comum acadêmico que avalia a mídia segundo "achismos". Ao constatar que o discurso de um jornalista, ou de um relações públicas, não é em nenhum momento pautado pelos critérios "idealistas" de transparência, objetividade, neutralidade e democratização do conhecimento, constatamos que tais produções são frutos de um jogo de desejos. As matérias são selecionadas e escritas visando atingir interesses os mais diversos, determinados pela posição do agente no campo. Sem altruísmos e sem pensar no "bem comum", apesar de seus discursos identitários.
Jogo da comunicação
Nem mesmo os publicitários, tidos como manipuladores, estão interessados no bem de seus clientes ou dos consumidores. No que se refere aos discursos acadêmicos dominantes sobre a comunicação, a sociologia de Bourdieu, através de uma pesquisa de campo rigorosa, expõe as ingenuidades e os erros que perspectivas marxistas e pós-modernas fazem da produção midiática. Há, sim, interesses envolvidos na fabricação de uma notícia, como ambos denunciam. Mesmo nesta matéria que eu escrevo, denunciando os interesses. Porém, o comunicador não é movido por uma ideologia burguesa para a dominação de massa. A reunião de pauta das grandes mídias não é, em nenhum momento, uma reunião de porcos asquerosos que visam camuflar a exploração capitalista e combater a ameaça comunista até seu total extermínio, posição esta compartilhada por muitos acadêmicos da "velha guarda" e por jovens, cheios de hormônios, que habitam os centros acadêmicos.
A produção da notícia, ou da propaganda, também não é fruto de desejos individuais que querem se expressar em toda sua "força" visando sua satisfação e fluidez, característico das ditas "sociedades pós-modernas" de consumo. Não é o hedonismo naïf o "combustível" que move os comunicadores de diversas áreas, como querem acreditar os pensadores pós-modernos. São desejos complexos de aceitação no campo, disputa e dominação que estão em jogo. São os troféus dos campos e suas posições de destaque e dominância o fim último da produção de notícia. A "preocupação" com o leitor, telespectador, ou consumidor é somente uma desculpa para justificar seus acertos ou fracassos. Respeitar o "bem" da empresa que contrata o comunicador é somente uma mera desculpa para se manter empregado e continuar jogando o jogo da comunicação. Jogo esse com regras bem claras, mas quase nunca expressas.
Por essas duas razões, a sociologia de Pierre Bourdieu encontra dificuldades em se estabelecer no mundo acadêmico e mercadológico. Os métodos de investigação, e seus resultados, desmancham os mecanismos de defesa de ambos os campos. Desmascara os agentes da comunicação e os interesses acadêmicos mais sórdidos. Ao encarar tanto a produção da noticia ou publicidade e sua crítica voraz como produtos de consumo recheados de interesses, essa sociologia cria inúmeros inimigos. Nesse sentido, imita seu próprio criador. Odiado em vida por muitos e admirado por muito poucos.
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