De Aldo Nascimento
Em casa, o celular registra um toque às 13h35. É Alessandra, editora-chefe da TRIBUNA. Conheci Pheyndews no Página 20, em 1996. A última vez que nos reencontramos foi na Redação da TRIBUNA, ano passado. Se a morte retira de nós qualquer sopro de arrogância, a ida eterna de um bom colega de trabalho é injusta. Haveria justiça se os canalhas fossem na frente, sempre na frente.
Jamais vi Pheyndews triste. Às vezes, seu humor crítico expunha um Acre sem infância: “Aqui, Aldo, perde-se a virgindade com a chupeta”. Com piadas ácidas, ele era um acreano que não ocultava as imperfeições de sua terra com frases feitas ou com ufanismo de tolos.
Quando ele disse que crianças perdem a virgindade com chupetas, não havia ainda a internete no Acre para constatar por meio de imagens uma realidade socioeconômica que deformava a infância e a pré-adolescência. No Acre de hoje, como em várias partes deste “berço esplêndido”, meninas de 10 anos abrem as pernas em uma rede de orcute, expondo em seus prostíbulos virtuais fotos de um erotismo infantil diante do rosto velado da Justiça.
“Dizem sempre que quem bebe a água do rio Acre não vai embora daqui, eu não acredito nisso. Eu, na verdade, não aconselho nem beber a água desse rio, porque está muito poluída”, e ria. Com sua morte, além da ironia, perde-se parte da memória política deste Estado, a política que jornais não publicam. Sepultar essa memória me incomoda, porque a fala subterrânea de políticos, a fala ocultada pelo silêncio, só alguns a ouviram, e Pheyndews foi um deles. Mas, no lugar de um livro, uma lápide para sua memória.
Pheyndews faz parte de uma época em que não precisava passar pela faculdade para ser jornalista. Seu texto imprimia personalidade, postura que muitos recém-formados evitam por medo, por alienação. Quando saem da faculdade, focas se acomodam com frases feitas, comestruturas sintáticas e semânticas empobrecidas pela repetição de outros. Diferente desses acadêmicos, Pheyndews não era clichê.
Entre nós, quando nos encontrávamos, havia um cumprimento muito acima da formalidade, do padrão, do comum. No lugar de um forte aperto de mãos entre dois machos, nós dávamos um pulinho bem gay e batíamos as mãozinhas no alto com um gritinho mais gay ainda. Eu gostava muito dele. Estive no velório e vê-lo em um caixão foi se deparar com uma profunda tristeza. Gente boa, esse “Pheyndews”.
No ambiente de trabalho, ele não armava para prejudicar os outros, porque não escorria por sua boca o muco da arrogância. Nunca me desdenhou na Redação. Há nesta terra pessoas por quem oferto admiração, apreço, o Pheyndews sempre será um desses acreanos por quem terei afeição. Como escrevi antes, os canalhas deveriam ir primeiro, sempre primeiro.
Em casa, o celular registra um toque às 13h35. É Alessandra, editora-chefe da TRIBUNA. Conheci Pheyndews no Página 20, em 1996. A última vez que nos reencontramos foi na Redação da TRIBUNA, ano passado. Se a morte retira de nós qualquer sopro de arrogância, a ida eterna de um bom colega de trabalho é injusta. Haveria justiça se os canalhas fossem na frente, sempre na frente.
Jamais vi Pheyndews triste. Às vezes, seu humor crítico expunha um Acre sem infância: “Aqui, Aldo, perde-se a virgindade com a chupeta”. Com piadas ácidas, ele era um acreano que não ocultava as imperfeições de sua terra com frases feitas ou com ufanismo de tolos.
Quando ele disse que crianças perdem a virgindade com chupetas, não havia ainda a internete no Acre para constatar por meio de imagens uma realidade socioeconômica que deformava a infância e a pré-adolescência. No Acre de hoje, como em várias partes deste “berço esplêndido”, meninas de 10 anos abrem as pernas em uma rede de orcute, expondo em seus prostíbulos virtuais fotos de um erotismo infantil diante do rosto velado da Justiça.
“Dizem sempre que quem bebe a água do rio Acre não vai embora daqui, eu não acredito nisso. Eu, na verdade, não aconselho nem beber a água desse rio, porque está muito poluída”, e ria. Com sua morte, além da ironia, perde-se parte da memória política deste Estado, a política que jornais não publicam. Sepultar essa memória me incomoda, porque a fala subterrânea de políticos, a fala ocultada pelo silêncio, só alguns a ouviram, e Pheyndews foi um deles. Mas, no lugar de um livro, uma lápide para sua memória.
Pheyndews faz parte de uma época em que não precisava passar pela faculdade para ser jornalista. Seu texto imprimia personalidade, postura que muitos recém-formados evitam por medo, por alienação. Quando saem da faculdade, focas se acomodam com frases feitas, comestruturas sintáticas e semânticas empobrecidas pela repetição de outros. Diferente desses acadêmicos, Pheyndews não era clichê.
Entre nós, quando nos encontrávamos, havia um cumprimento muito acima da formalidade, do padrão, do comum. No lugar de um forte aperto de mãos entre dois machos, nós dávamos um pulinho bem gay e batíamos as mãozinhas no alto com um gritinho mais gay ainda. Eu gostava muito dele. Estive no velório e vê-lo em um caixão foi se deparar com uma profunda tristeza. Gente boa, esse “Pheyndews”.
No ambiente de trabalho, ele não armava para prejudicar os outros, porque não escorria por sua boca o muco da arrogância. Nunca me desdenhou na Redação. Há nesta terra pessoas por quem oferto admiração, apreço, o Pheyndews sempre será um desses acreanos por quem terei afeição. Como escrevi antes, os canalhas deveriam ir primeiro, sempre primeiro.
Um comentário:
Parabéns, Aldo. Não o conheci, mas já ouvi referências boas dele (referências estas, logicamente,não proferidas por um desses "canalhas" do texto).
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