terça-feira, dezembro 16, 2008

Eles e o revisor

Internete, megassena, caxinauá e o revisorzinho

No sábado, dia 13 de dezembro, dei uma carona à charmosa e simpática Alessandra Machado, editora-chefe do jornal A TRIBUNA. Se era a noite de Chalub Leite no teatro Plácido de Castro, o prêmio maior destinou-se mais uma vez a elas, às palavras.

O jornalista premiado, portanto, é aquele que escreve as melhores palavras. E elas, para serem melhores, divorciaram-se dos erros de português. Ora, decretada a dissolução entre o repórter e os erros, Chalub Leite premia o jornalista, mas não o co-autor do texto jornalístico, ele: o revisor.

Limpar texto de jornalista, retirar desse chão textual sujeiras que emporcalham a língua portuguesa. Algumas ainda ficam. Todo dia, o repórter deixa cair em sua sintaxe lixos de regências verbal e nominal, entulhos incorretos de vírgulas.

O revisor, sabemos, é o gari da redação. Talvez por isso que ele seja o menos importante no jornal, porque, assim como todo mundo pode limpar uma casa ou varrer uma rua, também toda pessoa alfabetizada pode limpar melhor a palavra do que um gari de redação.

Um secretário de Segurança ri de um revisor quando este escreve “caxianauá”. Os diagramadores debocham de um revisor quando este corrige o texto do repórter para escrever “megassena”. O repórter-fotográfico ridiculariza o revisor quando registra “internete”. O que pode um gari argumentar diante desses estudiosos da língua portuguesa?

Lixeiro, como sabemos, recebe pouco por mês, menos que um diagramador, bem menos que um repórter-fotográfico, não tendo condições, portanto, de comprar livros de Evanildo Bechara, de Celso Pedro Luft, de Celso Cunha, de Pasquale Cipro Neto, de José Carlos de Azevedo, de Adriano da Gama Kury, de Sérgio Nogueira Duarte da Silva, de José Nicola, de Antônio Houaiss, de Eduardo Martins.

Assim, sem dinheiro para comprar bons livros sobre a língua-pátria, o gari de redação deveria escrever “mega-sena”, porque, nos letreiros de casas lotéricas, escreve-se assim, ou seja, escreve-se como a rua registra a palavra, ou melhor, joga-se com a palavra assim como apostadores jogam com os números. “Todo mundo escreve ‘mega-sena’, menos A TRIBUNA”, falam-me.

Isso faz lembrar aquele personagem popular de Ariano Suassuna quando perguntam a ele a razão de ser assim: “Não sei, só sei que foi assim”, responde Chicó, do livro Auto da Compadecida. Por que se escreve “mega-sena” e não “megassena”? “Por que se escreve “internet” e não “internete”? Por que se escreve “aldeias Kaxinawá” e não “aldeias caxinauás”? E aí eles responderão: “Não sei, só sei que escrevem assim.” E como a rua escreve assim e como muitos escrevem assim, pronto, o gari não sabe limpar o chão. O revisorzinho está errado. Afinal, ele é um só, ele é só um, e as casas lotéricas são muitas com suas “mega-senas”.

Mas quem disse a vocês que eu jogo com as palavras?

2 comentários:

...vdj... disse...

Pelo que leio diariamente aqui e acolá, percebo que esse assunto ainda vai longe....

[]'s
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Jozafá Batista disse...

Aldo,
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Há um detalhe que geralmente não aparece nessa história. É que as comunidades indígenas amazônicas são ágrafas, isto é, não têm alfabetos. A transmissão da língua, das tradições, dos signos etc é feita de forma oral, pelos mais velhos.
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Pois bem, no início do governo da FPA no Acre iniciou-se um programa de alfabetização desses povos. Uma alfabetização diferente, composta pelo nosso alfabeto português e pela construção de um alfabeto indígena.
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Ou seja, por iniciativa do governo comunidades então ágrafas iniciaram um processo de contato com o mundo da escrita ou da representação gráfica da fala, não apenas do colonizador, mas da criação do seu próprio alfabeto.
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Hoje já existem até cartilhas e livros didáticos para indígenas, geralmente bilingües - são escritos na nossa língua e na "língua deles", a do alfabeto recém-criado.
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Alguns índios já receberam esse treinamento básico e viajaram para outros Estados, onde cursaram o ensino superior e depois retornaram para o Acre, onde se tornaram professores desse novo alfabeto.
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Pra mim o surgimento de tantas nomenclaturas com K, W e Y nos nomes de povos indígenas da Amazônia está claramente ligado a esse processo. Não sei por que cargas d'água, mas a Funai simplesmente inseriu essas letras no alfabeto disponibilizado para os povos indígenas da região. Deu nisso.
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Pessoalmente, acho que é tarde demais pra mudar. As regras do Novo Acordo Ortográfico entram em vigor a partir de 1º de janeiro de 2009, não é isso? Pois bem, entre as modificações está a inclusão dos benditos w, k e y.
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Quanto às demais palavras que você citou, o Acordo traz também algumas mudanças em relação ao uso do hífen. Acho que elas podem se enquadrar, mas não tenho certeza. Não vi ainda o texto integral, não achei...
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Abraços!