terça-feira, fevereiro 17, 2009

Momo dorme à meia-noite

Dica. Quando você colocar uns R$ 50 no bolso, visite uma livraria de Rio Branco para comprar este clássico: Carnavais, malandros e heróis, de Roberto da Matta.

Entre outras análises, ele interpreta a procissão, a parada militar e o Carnaval. Para compreender um pouco nosso país, suas páginas apontam caminhos interessantes.

















Texto de Aldo Nascimento

No romance “1984”, obra-prima de George Orwell, um personagem cumpre a função de publicar a cada ano um dicionário. “É maravilhoso matar as palavras”, diz o lexicógrafo. Sim, matá-las. Syme, esse personagem a serviço do partido, mata os pensamentos

Se não sabemos o significado autêntico ou original da palavra, se ignoramos sua história, sua vida passada, perdemos a memória e já não sabemos sobre o que falamos. Como pode o pensamento falar se eu não penso a palavra?

Serei óbvio. Embora se proponha a transmitir cultura, a TV Aldeia cobre o Carnaval rio-branquense com matérias que ignoram o que Momo representa. Assim, sem dar sentido original a essa cultura popular, a TV Aldeia nos deseduca porque não sabe pensar a cultura autêntica do Carnaval

Quem é Momo? o que ele representa? por que ele recebe a chave do prefeito? com a chave da cidade, o que ele abre? por que Momo é gordo? se a parada militar desfila quando é dia, por que foliões brincam à noite? se a parada militar e a procissão são sérias, o que representa o riso no reinado de Momo? por que a máscara? qual o sentido da fantasia?

No Acre, o poder público regula o Carnaval, impondo a essa festa um só lugar para as pessoas se concentrarem e submetendo-a a um tempo limitado para ser encerrada. Sem que se espalhe pela cidade, Momo não vara a madrugada porque adormece à meia-noite, embalado pelas mãos controladoras e sérias de homens públicos. No Acre, o Carnaval não é popular – é paraestatal

Todo ano, antes da festa, a cúpula da Polícia Militar se reúne para propagar por meio da imprensa que a segurança será intensa no Carnaval, que policias proporcionarão a tranquilidade. Momo é violento. Na outra ponta de seu discurso, o poder público remodela a imagem violenta de Momo, difundindo a ideia de um Carnaval como antigamente, quando famílias saíam de casa para se divertir, quando crianças brincavam fantasiadas. Assim, para amenizar a imagem de violência, além do discurso de segurança, o poder público associa o reinado de Momo à família, ao doméstico (domesticar) e nivela esse rei à doçura de uma criança (Momo é infantil). Trata-se da aculturação do Carnaval.

Momo está aí segundo a TV Aldeia, conforme a Polícia Militar, segundo a prefeitura de Rio Branco e o governo, e ignoramos o que a chave da cidade, na mão desse rei, abrirá. Perdemos a memória original dessa festa porque não sabemos qual o sentido autêntico das palavras riso, máscara, fantasia. No lugar desse vazio semântico, caricaturamos o falso Carnaval da Sapucaí e o desfantasiado Carnaval de abadás da Bahia. A TV Aldeia transmitirá.

Ortografia. Segundo a lei ortográfica, escreve-se carnaval com letra minúscula por ser uma festa profana, oposta às festas cristãs. Minúsculo, aqui, é questão ideológica. Pois bem, por causa de minhas leituras sobre o Carnaval, registrei a palavra com letra maiúscula por causa de sua grandeza, de sua importância histórica. Carnaval, portanto, um substantivo muito próprio.

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