segunda-feira, março 16, 2009

A poesia é inútil

De Aldo Nascimento

Com a revolução industrial, ocorrida em meados do século 18, a máquina submete a vida ao desencanto. Nas fábricas, operários suportam nas costas uma carga acima de 14 horas diárias de trabalho alienado. Com o surgimento da indústria, a engrenagem mecaniza destinos; inicia-se a coisificação da vida.

Contra esse capital industrial, emerge o sentimento intenso de poetas. Hölderlin [1770-1843], um deles, coloca seus versos “românticos” contra uma realidade social infiel à espiritualização dos homens. Contra as fábricas, a beleza de sentidos – poesia.

Chateaubriand [1768-1848], outro romântico, afirma que a existência é pobre, seca e desencantada. “Habitamos um mundo vazio com um coração cheio e, sem termos utilizado nada, somos desiludidos de tudo.”

Esse romantismo, emerso no final do século 18, acometeu-se contra um cotidiano que impôs ao homem o cansaço de si mesmo, que, acovardado diante das pressões sociais, acaba preferindo vegetar na banalidade, vivendo por meio de ideias acomodadas e inalteráveis. Esse sentido original da escola romântica, entretanto, foi deformado.

Embora o romantismo tenha expressado uma luta estética contra a despoetização da vida, ele a expressou em vão, porque a brutalidade normal das coisas grudou-se à linguagem, aos gestos, ao comportamento, ao gosto das pessoas. Nunca fomos tão vulgares.

Em vários bairros de Rio Branco, por exemplo, encontra-se embrenhada a ausência da beleza, do sensível. Objetos, mercadorias, são eles que predominam na paisagem; eles que intermedeiam as relações humanas.

Pela TV, com seus discursos previsíveis, governo e empresários associam desenvolvimento ao consumo, às mercadorias, à renda, às necessidades básicas, como se teatro, imaginário ou poesia não fossem vitais à existência. Em verdade, sepultaram a beleza há anos, por isso somos tão violentos – pais engravidam filhas, homens eretos espancam mais mulheres, população carcerária avoluma-se, drogas entorpecem o sentido da vida.

Ora, não somos mais humanos porque saciamos necessidades básicas ou porque consumimos objetos na Expo-Acre; não somos mais humanos porque associamos o desenvolvimento à circulação de mercadoria ou a ruas asfaltadas; porém, por ser irreal tal como o amor, a honra, o sonho, a poesia nos torna melhores. Humaniza-nos.

Os versos de Vinícius de Moraes lutam contra a coisificação do sexo. As estrofes de Drummond assaltam a alienação social. A poesia de Baudelaire não se sujeita à miséria humana. Mas quem os lê? Quem os ouve recitados em praça pública? Quem os vê como teatro de rua? A poesia, senhores, é inútil – vou ver Faustão ou Sílvio Santos.

Um comentário:

Unknown disse...

Um ótimo texto de certeza.
Como livrar-nos dessa cultura de massa? Uma educaçao que engatinha, formada por professores alineados (não pegue as dores), que impossibilitados de fazer outra coisa, alienam. E mais, um país sem artistas e que deles debocha.

E faz favor, não vá assistir Faustão. É deprimente ver um domingo tão mal usado.

Até mais ver!