segunda-feira, outubro 26, 2009

A democracia da escola pública

Após alguns anos na rede pública de ensino, lecionando Literatura e Língua Portuguesa em salas de aula sem ares-condicionados, afirmo, com toda propriedade, a minha mais sólida desconfiança na democracia escolar.

Na escola Heloísa Mourão Marques, antes de o ano letivo de 2009 ter sido iniciado, direção e corpo docente reuniram-se para definir o calendário escolar do primeiro e do segundo semestres de 2009.

Em julho, segundo semestre, em uma reunião onde todos os professores podiam participar, definiu-se que em um sábado de cada mês haveria encontro pedagógico por meio dos conselhos de disciplina.

Uma vez por semana, o professor da rede pública estadual de ensino deveria se reunir com outros professores para o planejamento pedagógico, porém esse planejamento transformou-se em "folga".

Nada mais justo, portanto, haver encontro pedagógico aos sábados para compensar a "folga". E mais. Como a "folga" dos professores difere-se na semana, o corpo docente concordou em reunião que o encontro pedagógico deve ser aos sábado porque a grande maioria dos professores pode comparecer.

A democracia segundo o interesse do feriado
E assim ficou determinado conforme votação. Em julho, nós sabíamos que em 31 de outubro (sábado) deste ano haveria um encontro pedagógico para estabelecer, por exemplo, os rumos da Literatura e da Língua Portuguesa na escola HMM.

No entanto, alguns professores rompem com o que votaram em julho, e tudo por causa de um feriado prolongado. Como o governo transferiu o feriado de 28 de outubro (quarta-feira) para o dia 30 (sexta-feira), a democracia escolar transfere o encontro pedagógico do dia 31 de outubro (sábado) para o dia 29 de outubro (quinta-feira, à noite).

Na quinta-feira, não poderei ir à reunião do Conselho de Língua Portuguesa. Mas o que importa a minha ausência em um conselho de disciplina se podemos ter um feriado prolongado?

A democracia escolar não se reúne para haver mais sábados com encontros pedagógicos, mas, para prolongar feriado, rompendo com o que tinha sido aprovado em julho, a maioria vota conforme sua comodidade.

A questão não é "eu não tenho culpa de você trabalhar na quinta-feira, à noite". A questão é que houve uma reunião em julho para definir um calendário para todos, mas, por causa de uma feriado prolongado, transfere-se um encontro pedagógico para uma quinta-feira. A democracia escolar vota a favor de seu conforto.

Como indivíduo, o que posso diante dessa democracia?

Pergunto a ela: vamos votar para haver por mês quatro encontros pedagógico em quatro sábados? Vamos transferir a "folga" para os sábados?

Um comentário:

José, professor de matemática disse...

Alguns pontos merecem uma análise criteriosa:

1 - Não existe um dia/horário para os encontros pedagógicos que atenda as particularidades de cada docente. Somos instruídos, em reuniões de planejamento com diretores da SEE, a não aceitar justificativas de outro vínculo empregatício, curso ou outra atividade que o docente venha a ter. Por outro lado, os sindicatos (temos dois, e ambos inertes neste questionamento) não lutam por uma padronização do cumprimento da carga horária (o horário exato em que deve-se cumprir as 10 horas de planejamento, sem macular o sábado ou turno(s) que não seja(m) o(s) de trabalho. Enquanto nada é definido, para nós o sábado foi escolhido com a mesma conveniência que poderia ser qualquer dia da semana, no turno da noite. Digno de nota é que a quantidade de professores indisponíveis aos sábados é praticamente a mesma dos que não podem comparecer numa quinta à noite, por exemplo.

2 - Sejamos francos: Quando cita "Na quinta-feira, não poderei ir à reunião do Conselho de Língua Portuguesa", poderia completar "pois tenho outro vínculo empregatício e são poucas as chances de ser liberado" para evidenciar suas reais motivações. Escrevo isto porque não seria a primeira vez que o calendário seria flexível, seja para atender comodidades de uns ou de outros, seja em prol de estratégias de ensino, como as semanas de avaliação e de recuperação (que trouxe comodidades não só para os alunos mas também aos professores)e a gincana de conhecimento que estamos realizando. As reclamações acerca da alteração do calendário surgiram de professores que têm outro compromisso à noite, e que esqueceram de sair também em defesa daqueles que são prejudicados ao ter que trabalhar aos sábados, cedendo algumas horas preciosas de seu fim de semana ou mesmo deixando de comparecer a outro vínculo ou curso. Não é ético o pensamento "comodidade por comodidade, a minha primeiro".

3 - A realização de um segundo encontro pedagógico à noite (isso mesmo, já tivemos um, que por sinal também ocorreu por flexibilidade do calendário, em reunião posterior à finalização do mesmo) nesta quinta-feira não seria apenas para o desfrute de um feriado prolongado. Uma excursão foi combinada entre professores e funcionários para o dia 30, de modo que, pelo motivo da viagem ser longa, será cansativo estar ás 07:30 do dia 31 para uma reunião de trabalho (sim, é claro, pode-se dar de ombros e dizer "nada tenho a ver". Mas ei, estamos falando de comodidades, certo?). É de muito bom senso realizá-la durante a semana, onde reina a labuta, do que em um sábado, reinado do descanso merecido. Digno de nota é que ninguém propôs negligenciar a reunião, "fugindo da raia". Apenas antecipar.

Mas alegremo-nos: onde a democracia não foi inteligente, impera a determinação. De que serve um grupo de 39 gestores que não demonstra coesão, prefere a dispersão de uma batalha de interesses? Mais prático é resolver o impasse por meio de ordem superior. A reunião será no dia 31, como decidiu nossa gestora. Imperou a comodidade de poucos.

P.S.: Não acho feliz a idéia de um calendário inflexível; sempre deve-se resguardar-se para o imprevisto, o reloginho que criamos ás vezes não funciona tão bem. Mas se ele será imutável, porque só a partir de agora, final do ano letivo? Seria outra comodidade?