sexta-feira, maio 14, 2010

Cara malvado

Quando deixei as férias de 2009-2010 atrás de meu destino, fotografei meu pai com o temor de nunca mais revê-lo.

"Olha só para a minha cara de malvado", disse seu Aldo.

Quando acabou de dizer isso, lembrei-me de nós em um passado sem afeto, sem diálogo, sem compreensão.

Se o Brasil era marcado pela intolerância da ditadura militar, eu, em minha própria casa, conhecia a opressão na figura "malvada" de meu pai.


Se tanques de guerra, fuzis, soldados e generais ocupavam as ruas desta Pátria, eu, por duas horas, permanecia de joelhos no canto da parede depois de receber dez palmatórias em cada mão. Lá fora, os militares; em minha casa, armas da incompreensão.

Minha mãe e minha avó mostraram a meu corpo o que a masculinidade de meu pai se recusou a questionar, no caso, que o macho domina, fere, centraliza, submete o outro a. Com Dilma e Esther, aprendi feminilizar minha carne e minha alma. Sem elas, eu teria morrido por dentro.

Mas o tempo é absoluto. Ele ensinou a meu pai brincar, por isso ele disse "cara de malvado". O tempo me ensinou a amá-lo por causa de sua condição humana, que é também a minha. Com quase 80 anos, sua idade me comove porque seu corpo revela a mais profunda despedida em forma de rugas.

Eu o amo por sua condição humana e, por causa dessa condição, olho para o passado como aprendizado. Meu pai teve outro derrame. Sua fala não é mais a mesma. Penso em voltar para casa para abraçá-lo, conversar sobre o que a incompreensão não permitiu.

Se for possível, se tenho de ir, darei a esse "cara malvado" o meu mais tenro Amor de filho, sua vida está muito acima do que houve no passado.

Quando amamos, compreendemos a hora de uma separação e a hora de recomeçar o que ainda existe para ser recomeçado.

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